O Brasil começou sua jornada em busca de combustíveis alternativos em 1975 com a criação do Programa Nacional do Álcool, em resposta aos altos custos do preço mundial do petróleo. Naquela época não se percebia o impacto das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) para o aquecimento da atmosfera. As motivações se baseavam em fatores econômicos. Apesar disso, criamos uma base de capital intelectual para combustíveis renováveis que poucos países possuem.
Recentemente a expertise nacional foi capaz de desenvolver motores elétricos híbridos a etanol obtido a partir da cana-de-açúcar, um conceito que traz o benefício da eletrificação associado à emissão mais balanceada de CO2 no Ciclo do Poço à Roda1.
Apesar dessa longa tradição no desenvolvimento de combustíveis renováveis, ocupamos papel pouco relevante no jogo mundial das novas tecnologias. Até aqui nos mostramos politicamente incapazes de convencer o mundo dos benefícios da nossa inventividade. Assistimos curiosos aos avanços internacionais numa atitude de colonizados. Continuamos olhando para além-mar admirados da genialidade estrangeira, e longe de assumir alguma relevância no jogo mundial.
Precisamos continuar evoluindo. Sabemos que o uso de biocombustíveis e óleos vegetais hidrogenados (HVO) é uma alternativa importante para a propulsão de motores movidos a óleo diesel. Como o etanol, essa alternativa pode coexistir e ampliar as opções para atenuar a progressão do aquecimento global. Uma vez equacionados os desafios para o investimento no beneficiamento industrial de sementes oleaginosas, é perfeitamente possível utilizar a mesma cadeia de distribuição, armazenamento e consumo existente hoje. Além disso, o uso da soja como matéria-prima para a obtenção de óleo traz vantagens econômicas.
A passividade brasileira se resolve pela articulação entre os diferentes setores da sociedade. A indústria, a academia, o terceiro setor e o governo precisam andar juntos para a definição de projetos de múltiplos aspectos estruturais. Isso se faz com informação e conhecimento. Temos o capital intelectual aqui mesmo para criar soluções viáveis, sustentáveis e com baixo impacto na infraestrutura.
Dito Isto, acredito que a inserção dos combustíveis renováveis brasileiros no debate mundial é fundamental para a definição de caminhos para a mobilidade sustentável, a qual é responsabilidade de todos aqueles que querem um futuro para o planeta. E a SAE BRASIL está determinada a assumir o protagonismo nessa empreitada.
A camada atmosférica da terra é vital para a manutenção da civilização humana. Nela estão o nitrogênio, o oxigênio e outros gases que permitem ao nosso planeta ser o que é. Os GEE absorvem a radiação na frequência do infravermelho, influenciando na estabilidade da temperatura da atmosfera e no equilíbrio da vida. Os meios de transporte e seu ciclo energético são relevantes nesse processo.
Assim, se admitirmos que o movimento é inerente à vida, é indispensável compreender quais são os caminhos para a mobilidade sustentável capazes de atenuar cenários mais dramáticos para o aquecimento global. Felizmente esse debate se intensificou no mundo todo e vem ganhando corpo no Brasil. Mas em que medida a tecnologia brasileira pode influenciar no debate mundial?
Para chegar a essa resposta é preciso antes entender os fenômenos físicos do aquecimento da atmosfera. Uma análise do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre a evolução da temperatura média global da superfície desde 1850, mostra que o aumento da temperatura atmosférica ficou entre 0 e 0,4 °C até por volta dos anos 1960. A partir daí começou a subir bem mais rapidamente, aumentando cerca de 1°C nas últimas três décadas.
Na maioria dos cenários, o IPCC afirma que é muito provável que a temperatura suba cerca de 1,5°C a 2°C nos próximos 40 anos em relação à base pré-industrial, o que leva à certeza da mudança da condição climática atual.
Não se pode afirmar com total certeza em que medida o aquecimento global é influenciado por fatores ligados à mobilidade. Mas cabe a nós descobrir como contribuir para cenários mais favoráveis à manutenção da temperatura do planeta.
No Brasil observamos evolução nessa área desde o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), instituído em 1986, que trouxe ganhos ambientais para as cidades do ponto de vista de poluentes locais (NOx e Material Particulado - MP) e para os GEE globais no caso do CO2. Mas precisamos ir além de controlar NOx e MP, calcular o impacto da obtenção e do uso da energia em toda a cadeia, e saber quanto CO2 é entregue à atmosfera no processo de geração, distribuição e consumo do combustível. Isso é algo complexo para rotas ligadas aos combustíveis fósseis e ainda em fase de conceituação para rotas mistas, em que a energia elétrica é usada como insumo para a propulsão veicular.
Em busca de soluções efetivas os países desenvolvidos perceberam a importância de novas tecnologias de propulsão para reduzir a emissão dos GEE, o que vem resultando em uma gama de soluções nos diferentes mercados, sendo a eletrificação a principal tendência. Entre as possibilidades estão os veículos híbridos com eletrificação leve, os totalmente elétricos que dependem de baterias recarregáveis, e também elétricos com propulsão a pilha de hidrogênio, que emergem como importante tendência de desenvolvimento, em especial para veículos comerciais de grande porte. As indústrias aeronáutica, ferroviária e naval também investem na busca de alternativas sustentáveis.
As soluções podem ser tão diversas quanto são as especificidades e necessidades dos mercados locais e, por isso mesmo, ainda há vários aspectos a serem avaliados. Entre eles a distribuição de postos de recarga nas grandes cidades, a adequação à matriz energética, a disponibilidade de matéria-prima nacional para a produção de baterias em larga escala, e mesmo como será feito o descarte após o final de sua vida útil. Esse debate ainda não está suficientemente estruturado no Brasil, mas é hora de inserirmos nosso potencial na agenda mundial da mobilidade sustentável.
O ciclo “do poço à roda” significa medir emissões de CO2 desde a obtenção do combustível em sua forma bruta, transporte e refino até a combustão nos motores e escapamento do veículo
*Camilo Adas é presidente da SAE BRASIL