Nesta semana, o Escritório USP Mulheres completa cinco anos de sua instituição formal, cumprindo ao longo desse tempo o seu objetivo de propor e implementar iniciativas e projetos voltados à igualdade de gênero e ao enfrentamento de situações de discriminação e violência de gênero contra mulheres na Universidade de São Paulo. Mesmo antes da portaria de formalização, o tema já tinha sua relevância reconhecida no cenário universitário.
No ano de 2015, a professora Lilia Blima Schraiber, da Faculdade de Medicina (FM), coordenou as discussões e os trabalhos de formulação de uma agência formal com responsabilidades definidas e equipe própria, no organograma da Reitoria. Com a publicação da Portaria GR Nº 6766, em 11 de agosto de 2016, a socióloga Eva Alterman Blay, Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e proeminente pesquisadora de gênero, assumiu a coordenação do Escritório USP Mulheres.
Em seus primeiros anos, o Escritório promoveu atividades que ajudaram a introduzir a agenda da igualdade de gênero na administração central e nas unidades da Universidade. Entre elas, destaca-se a parceria nas questões que envolvem gênero com as unidades de ensino na criação e no fortalecimento de 39 Comissões de Direitos Humanos, que atuam como portas de entrada para o acolhimento de pessoas que sofreram violação de direitos no âmbito da USP. O Escritório consolidou, assim, sua participação na articulação entre a administração da Universidade, a comunidade de docentes, discentes, servidores técnicos e administrativos, e o público que frequenta os campi da USP.
Para o estabelecimento dessa nova agenda que passou a reverberar em toda a Universidade de São Paulo, foi fundamental a abertura de diálogos nos órgãos centrais, nas unidades e com instituições externas, por meio da promoção e da participação em mais de 60 eventos e debates; da realização de campanhas educativas e de recepção aos ingressantes; do desenvolvimento de material de orientação e de formação profissional.
No final de 2019, assumi a coordenação do Escritório USP Mulheres, atendendo ao convite do atual reitor, professor Vahan Agopyan. Como primeira medida, propus uma reestruturação em quatro áreas de atuação – Programas, Pesquisas, Comunicação e, mais recentemente, Relações Institucionais, para levar a cabo os desafios apresentados no artigo Construir a Igualdade, assinado com o reitor, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em 2020.
Dias depois da publicação do artigo, naquele mês de março de 2020, foi declarada a pandemia de covid-19, que desencadeou uma crise global e tem apresentado novos desafios a toda a sociedade, impactando mulheres e homens de formas distintas. Somos nós as responsáveis, majoritariamente, pelo trabalho doméstico, considerado invisível e não remunerado. O fechamento das escolas e creches, a intensificação das rotinas de higiene e dos cuidados com as crianças, com os idosos, com as pessoas com doenças crônicas e com deficiências foram fatores que aumentaram exponencialmente o trabalho de cuidado delegado sobretudo às mulheres. Além dessa sobrecarga, as mulheres foram as mais atingidas pelas perdas econômicas e pela violência doméstica, afetando consideravelmente seus meios de sobrevivência e sua saúde física e mental. As desigualdades não são apenas de gênero, mas também étnicas. São as mulheres negras que desempenham funções de maior exposição durante a pandemia, como técnicas de enfermagem, assistentes sociais e tantas outras profissões consideradas essenciais, em maior proporção do que as mulheres brancas.
Como toda a USP, o Escritório USP Mulheres teve de se adaptar à nova rotina de trabalho e, mais do que isso, rever seus projetos, traçando novas prioridades. Considerando a conjuntura de transformações e impactos da covid-19 na vida das mulheres, mudanças regimentais foram propostas pelo Escritório USP Mulheres, como o Ofício Circular GR 249, assinado pelo reitor em julho de 2020, que instituiu novas definições por parte da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (Cert). Com a nova medida, passou-se a considerar, em suas respectivas análises, eventuais prejuízos acadêmicos relacionados, direta ou indiretamente, à pandemia de covid-19.
Lançamos, com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação, uma iniciativa destinada aos bolsistas dos Programas de Pós-graduação em licença-maternidade e paternidade, durante o período de crise sanitária. Com isso, as bolsas de estudos foram complementadas, totalizando seis meses para as mães e um mês para os pais pesquisadores – o propósito foi estimular os alunos que são pais a se beneficiarem da licença, retirando-os da invisibilidade na qual se encontram.
A parceria com a ONU Mulheres, referente ao programa ElesPorElas (HeForShe), seguiu, em reuniões mensais, fortalecendo o contato com as outras nove universidades ao redor do mundo, para compartilhar desafios, experiências e planejar as próximas ações. Respondendo ao chamado da ONU Mulheres, lançamos duas campanhas para sensibilizar a comunidade universitária durante a crise sanitária: A USP unida pela igualdade de gênero buscou conscientizar a comunidade uspiana sobre a necessidade de uma justa divisão de tarefas domésticas e de cuidados com familiares; a segunda, A USP “mete a colher” na violência doméstica, procurou alertar nossos estudantes, docentes e funcionários para perceber e intervir em casos de violência doméstica.
No final de 2020, o Escritório USP Mulheres e a Superintendência de Assistência Social (SAS-USP) lançaram um Protocolo de Atendimento para casos de violência de gênero contra mulheres na Universidade. O documento, fruto de um cuidadoso trabalho conjunto dos órgãos, foi instituído pelo reitor por meio da Portaria GR Nº 7653/2020 e representa um marco na Universidade de São Paulo nas respostas institucionais diante dessa violação de direitos humanos.
Com a convicção de que é preciso conhecer para transformar os cenários, a área de Pesquisas do Escritório USP Mulheres coordenou, entre dezembro de 2020 e março de 2021, a pesquisa Impactos da covid-19 entre as mulheres e os homens da USP. A partir de convites enviados para uma amostra de 2.400 docentes, alunos e funcionários técnico-administrativos, o estudo recebeu 841 participações e mediu os efeitos da pandemia no ambiente de estudo e trabalho, no tempo dedicado ao trabalho doméstico e de cuidado, no acesso aos serviços de saúde, na saúde mental, na renda e nas interações no lar. Esta pesquisa foi realizada em parceria com as Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação, com o Escritório de Saúde Mental, o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) e o Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (Egida), e os seus resultados já estão sendo utilizados para balizar decisões e construir políticas pelos órgãos centrais.
Na nova dinâmica virtual à qual fomos impelidos a adotar, realizamos dezenas de reuniões e eventos, internos e externos, entre os quais destaco as duas edições do encontro USP Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, destinadas a discutir as políticas institucionais das universidades e as trajetórias das mulheres negras; o 1° Encontro da Pós-Graduação da USP – Elas Fazem Ciência, que ressaltou a participação das mulheres na ciência como líderes e gestoras em instituições públicas e privadas; e, finalmente, a parceria com a Australia-Brazil Women’s Research Engineers Network (WREN), rede que visa a mitigar as desigualdades de gênero existentes nas áreas de engenharia e a assegurar a representação das mulheres nas respostas à pandemia. No último evento da Rede WREN, em junho deste ano, estiveram presentes os diretores das nossas três escolas de engenharia: professor Silvio Silvério da Silva, diretor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), professor Edson Cezar Wendland, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), e professora Liedi Légi Bariani Bernucci, a primeira mulher à frente da Escola Politécnica (EP). O encontro, para discutir a presença de mulheres em nossos cursos de engenharia, foi inédito e motivo de comemoração.
Como socióloga da área da cultura, acredito que as mudanças culturais, com o estabelecimento de novos valores e práticas, são fundamentais para um projeto de transformação que enfrente as desigualdades e implemente ações estruturais efetivas, desnaturalizando condições atribuídas às mulheres e consideradas a elas inerentes. Seguimos, portanto, apostando em políticas que atuem na base das desigualdades históricas, por meio de reformas de normativas e da introdução de novas medidas institucionais que favoreçam a igualdade de oportunidades entre as mulheres e os homens, reduzindo também a desigualdade entre as mulheres de origens sociais, etnias, orientação sexual e trajetórias pessoais distintas. Nessa direção, a elaboração de uma disciplina de gênero, em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação, a ser amplamente oferecida para estudantes ingressantes de todos os cursos, representa uma medida de prevenção à violência e promoção da igualdade no âmbito da Universidade com repercussões que vão além dela, impactando no campo da atuação profissional de nossos estudantes e, por consequência, na sociedade.
Ao longo de cinco anos, o Escritório USP Mulheres fez muito, mas muito mais deve ser feito. As efemérides são oportunidades para avaliar trajetórias e pensar o futuro – e este não deve ser distante. As desigualdades de gênero, construídas por milênios, urgem medidas de transformação efetivas, de curto, médio e longo prazo. Por fim, convido a comunidade uspiana a refletir: que Universidade queremos no próximo quinquênio?