Um dos impactos do avanço tecnológico é a reorganização dos meios de produção, com aumento da produtividade e redução dos níveis de emprego, às vezes setorialmente, às vezes rebaixando os níveis nacionais de ocupação.
Assim, com a evolução tecnológica, algumas profissões deixaram de existir, como datilógrafos, telefonistas ou arquivistas. Olhando especificamente a operação rodoviária, a expectativa é que, com a adoção da tecnologia do pedágio de passagem livre (free-flow, em inglês), sejam extintos os postos de trabalho dos operadores de pedágio – aqueles colaboradores que trabalham nas cabines das praças de pedágio fazendo a cobrança.
Para melhor compreensão dessa situação, vamos trabalhar o conceito e os impactos dessa tecnologia rodoviária. O free-flow é um sistema de pagamento automático do pedágio, feito através de uma tecnologia de emissão e recepção de sinais na rodovia. Para que essa tecnologia funcione, um pórtico com um conjunto de antenas substitui a tradicional praça de pedágio. As antenas leem os dados dos veículos e executam automaticamente a cobrança do pedágio. E os veículos são identificados e classificados por uma tag de pedágio ou sua própria placa, e não precisam parar – não há mais cabine ou praça de pedágio.
Embora novo no Brasil, o free-flow já é usado há décadas em diversos países (Chile é um exemplo), o que permite identificar com segurança suas vantagens e os desafios para sua implantação. Pode-se citar quatro vantagens da tecnologia: (1) a melhora nas condições de fluidez da estrada, por não ter mais espera nas filas das praças de pedágio, e a consequente redução dos tempos de viagem; (2) a melhora na segurança, pelo fim dos “acidentes de praça” que ocorrem pelo acúmulo de veículos e no descontrole nas reduções de velocidade; (3) ganho ambiental ao acabar com as filas nas cabines de pedágios, pois evita a emissão desnecessária de toneladas de gases de combustíveis fósseis; e (4) muito importante, é uma forma justa de cobrança, pois o pagamento é proporcional à quantidade de quilômetros rodados.
Mas para que se usufrua de todas essas vantagens, há pelo menos dois desafios a superar. O primeiro é de natureza cultural. Ainda é proporcionalmente baixo o número de clientes que utilizam formas de pagamento automático dos pedágios. Será necessário conscientizar a todos para essa nova forma de pagamento. O segundo desafio é de natureza territorial: o Brasil é muito grande e a malha rodoviária está sob diferentes jurisdições (federal, estaduais e municipais), além de uma considerável quilometragem de estradas locais. Tudo isso traz uma dificuldade extra na instalação dos pórticos, podendo até inviabilizar sua implantação.
Há ainda um outro problema, associado à sustentabilidade financeira: a inadimplência no pagamento do pedágio. A não identificação do veículo resulta na não cobrança do pedágio. Desta forma, o uso massivo de tags (através da conscientização dos clientes) e o acesso à base de dados dos veículos serão essenciais para garantir o sucesso de implantação do free-flow.
Quando o veículo não tem uma tag, o grande desafio para a operadora da rodovia está na possibilidade de acesso futuro aos dados do veículo, para envio da cobrança a partir da leitura da placa. E as operadoras ainda não podem enviar elas mesmas a cobrança ao endereço vinculado à placa por causa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A solução desse problema demanda uma ampla e transparente discussão.
Resumindo, o free-flow agrega imenso valor ao transporte rodoviário – em termos de fluidez, segurança, meio-ambiente e, principalmente, de justiça na cobrança do pedágio. Mas os desafios para sua implantação no Brasil indicam que não será rápido, nem imediato o amplo uso dessa tecnologia. Há tempo suficiente para planejar não só as ações necessárias ao sucesso do pedágio de passagem livre, mas também para a requalificação e reposicionamento dos colaboradores das cerca de 400 praças de pedágio espalhadas por todo o país.