É inaceitável o fato revelado pelo Censo de 2022 do IBGE de que 18,4 milhões de brasileiros residem em áreas sem serviços de coleta de resíduos sólidos, tendo de queimar o lixo no imóvel, despejá-lo em terrenos baldios e locais públicos, enterrá-lo em sua propriedade ou, ainda, jogar nos corpos hídricos. Além dos danos à saúde pública, os dados são ainda mais graves quando escancarados à realidade de algumas cidades brasileiras nas quais esses dejetos representam de 10% a 20% das emissões de carbono, gerando volume expressivo de gases de efeito estufa.
Quais seriam esses municípios “cúmplices” das mudanças climáticas. A resposta é óbvia: aqueles nos quais, à revelia dos interesses maiores da sociedade, das leis e dos preceitos ambientais, são mantidos os famigerados lixões. Estes são disseminadores de doenças, dentre elas a dengue, que assola o País este ano, contaminadores do solo e mananciais hídricos, caldos de cultura para a proliferação de mosquitos e roedores, fontes de odores e causa de muito desconforto humano. Somando-se as localidades sem coleta, apontadas pelo IBGE, com aquelas onde os resíduos recolhidos vão para esses depósitos ilegais a céu aberto, o número de brasileiros expostos à ameaça ambiental atrelada à gestão equivocada dos resíduos urbanos supera 50 milhões de habitantes, conforme é possível aquilatar por meio do cruzamento de dados de entidades do setor.
O Censo 2022 indica os estados com piores índices de recolhimento de resíduos. O Maranhão lidera o ranking, com apenas 69,8% dos seus habitantes contemplados com o direito à coleta de lixo, inerente à cidadania. Seguem: Piauí (73,4%), Acre (75,9%), Pará (75,9% aliás, palco da COP-30), Roraima (77,7%), Rondônia (79,2%), Amazonas (79,6%), Bahia (82,7%), Paraíba (84,1%) e Pernambuco (84,7%). São Paulo apresenta as melhores condições, atendendo 99% da população.
Há, portanto, um duplo e premente desafio em nosso país, ou seja, tornar a coleta de resíduos sólidos universal e extinguir os lixões. Trata-se de pauta prioritária para os gestores públicos. A resposta encontra-se no Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020), sancionado em julho de 2020, que parece um tanto esquecido. Cabe lembrar que ele instituiu melhores condições para a gestão correta do lixo urbano, ao estabelecer livre licitação para o manejo dos resíduos sólidos urbanos, com estímulo a investimentos privados e criação de empregos.
Além das livres licitações, o Marco do Saneamento proporcionou às autoridades municipais a possibilidade de estabelecerem a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços. Mas, é baixo o número de municípios que instituíram, no espírito da lei, alguma tarifa para esse fim. Muitos informam cobrar uma taxa de lixo que, a rigor, mostra-se insuficiente, pois na maioria dos casos os recursos vão para o caixa comum das prefeituras e sua utilização invariavelmente é dirigida a outras atividades.
O Marco do Saneamento foi conceitualmente o complemento legal adequado para que finalmente se cumprisse a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de agosto de 2010. Esta havia estabelecido a extinção dos lixões até 2014. Entretanto, o que se viu foi uma romaria de executivos municipais em direção ao Parlamento, com o propósito de postergar as medidas e deixar de cumprir a legislação. Conseguiram... E é lamentável constatar que os novos prazos estabelecidos pela Lei 14.026/2020 também passaram a ser descumpridos. O resultado é que ainda os lixões são o grande desafio a ser vencido neste país.
Algo precisa ser feito com urgência. Cabe ao Governo Federal exigir o cumprimento da lei e aplicar as devidas sanções legais aos transgressores. Mais do que isso, considerando-se os princípios federativos, União, estados (especialmente aqueles que têm ICM ecológico) e prefeituras precisam entender-se e adotar medidas eficazes em favor do meio ambiente e da saúde dos brasileiros. Há toda uma legislação eficaz para a solução dos problemas, por meio da realização de licitações que universalizem a coleta e acabem de uma vez por todas com essa excrecência ecológica chamada lixão.
*João Gianesi Netto é o presidente e Luiz Gonzaga Alves Pereira, vice-presidente, ambos do instituto Valoriza Resíduos by ablp.