Ana Jayme, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Foto: Divulgação/IPPUC
Durante a Iniciativa Transformadora de Mobilidade Urbana, mais conhecida como TUMI, no seu acrônimo em inglês, vêm à tona histórias de pessoas impactadas positivamente com a transição energética dos transportes públicos, que também busca por equidade e melhoria dos serviços. Por trás dessas histórias, estão pessoas que trabalham na gestão pública, dedicadas a melhorar a qualidade de vida da população.
Um exemplo é Ana Jayme, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, o IPPUC. Com quase 30 anos de experiência trabalhando para a Prefeitura de Curitiba, Ana Jayme realizou contribuições significativas em diversas áreas, como planejamento urbano e legislação, desenvolvimento e gestão de projetos estratégicos integrados multissetoriais, captação de recursos junto a organizações internacionais e nacionais, tomada de decisões estratégicas, identificação de oportunidades de parcerias público-privadas, planejamento de longo prazo e avanço da agenda climática.
Ela participa também ativamente da Rede Mulheres em Movimento, que reúne líderes dos setores público e privado, dos campos da mobilidade, energia e meio ambiente, para amplificar o impacto das mulheres nas agendas de transporte, energia e sustentabilidade.
Leia a seguir a entrevista com Ana Jayme ou assista em video neste link.
O que despertou o seu interesse pela intersecção entre arquitetura, urbanismo e mobilidade urbana sustentável. Houve algum marco ou projeto que consolidou essa escolha de caminho na sua carreira?
Teve um marco muito importante, antes de eu começar a me dedicar à mobilidade urbana. Em 2014, recebi um convite para fazer parte de uma academia, numa parceria com o C40 e com o Banco Mundial, atrelada ao financiamento climático. E, até então, eu confesso que eu não tinha essa vivência. Como fui indicada para participar, eu fui estudar o que que era um financiamento climático, tentar entender o que Curitiba tinha sobre isso, e fui apresentada aos inventários os gases de efeito estufa, algumas ações estratégicas elencadas para a cidade. Olhando esses dados, me chamou muito a atenção que o principal setor em emissão de gases de efeito estufa em Curitiba era o setor de transporte. Quase 67% das emissões da cidade vinham do setor de transporte.
É curioso, porque Curitiba é muito conhecida, seja nacionalmente ou internacionalmente, pelo seu sistema de transporte público coletivo. Então, tem uma história de sucesso, mas olhando nessa perspectiva de clima, o setor de transporte não está alinhado com esse nosso reconhecimento. E, a partir dali, eu percebi que se a gente quer de fato ter uma cidade neutra em carbono, é essencial trabalhar com a mobilidade.
E aí eu comecei a prospectar, a estudar um pouco mais, entendendo como que isso deveria acontecer, e ficou claro que investir na descarbonização da mobilidade em Curitiba era determinante para a gente alcançar essa meta de neutralidade. Então, aí fui um pouco apresentada ao tema e, lógico, acabei mergulhando de cabeça, me apaixonando pela área. Clima e mobilidade em Curitiba são indissociáveis. Elas precisam estar caminhando juntas para a cidade ser exitosa no desafio que a gente tem pela frente.
Você estava nos últimos cinco anos como assessora de investimentos no IPPUC e, em janeiro, foi promovida à presidência. É a primeira vez que você se torna presidente de uma organização e como você está enxergando esse desafio?
Essa posição é a primeira vez. Já tive a oportunidade de, anteriormente, trabalhar como secretária executiva. Preciso confessar que dá um friozinho na barriga, porque o IPPUC é uma instituição que este ano vai completar 60 anos de história. Já foi presidida por três ex-prefeitos, Jaime Lerner, que foi uma pessoa que já teve a frente aqui do Instituto, outros nomes emblemáticos, e eu estou sendo a primeira mulher a chegar a essa posição em 60 anos.
Então, é óbvio que, estou feliz pelo reconhecimento, eu entendo que é pela trajetória que eu construí ao longo desses quase 30 anos um reconhecimento. As pessoas entenderam que eu teria todas as competências necessárias para assumir o IPUC nesse momento e, principalmente, para pensar o IPPUC para os próximos 60 anos. Esse é um desafio. A gente vive um momento de mundo que a gente já tinha desafios conhecidos, mas novos desafios, como a cidade é algo muito dinâmico, estão sendo apresentados e colocados para a gente, e a gente vem percebendo a necessidade, como planejadores urbanos, de como lidar com isso, como é que a gente resolve, e está ficando claro que novas competências são necessárias. Então, acho que eu chego super feliz, cheia de gás.
Gosto de desafios, gosto de ser desafiada, ainda mais com um desafio tão bom como esse. Já está muito associado com projetos que eu já vinha, nesses últimos cinco anos, organizando, que tem muito a ver com a agenda clima do município. Então, estou muito animada, com um pouquinho de medo, que acho que é natural, mas cheia de energia para poder ajudar a instituição a encontrar esse novo caminho, entregar bons projetos para a cidade nos próximos 60 anos.
O medo é uma emoção que às vezes pode nos atrapalhar, nos congelar. Mas, como você disse, é muito natural. O medo é importante para a evolução humana, seja para nos proteger ou nos motivar. Você é uma pessoa muito preparada para esse desafio, seu currículo tem diversas formações além da graduação em Arquitetura e Urbanismo, você se especializou em sustentabilidade, Governança, Gestão Pública, Liderança na Transição Energética dos Transportes. Como você enxerga o papel de uma liderança transformadora no setor público?
Hoje, a liderança transformadora tem um item que eu entendo como fundamental, que é a habilidade de fazer uma concertação entre várias pessoas e a sociedade. Um outro aspecto que considero fundamental, e que eu me coloco nesse desafio, agora, à frente do IPPUC: como posso atuar para despertar e fazer florescer o talento das pessoas? Falamos antes do medo, e eu não acho que, de fato, seja uma coisa ruim, porque é essencial um desconforto e ser, naturalmente, inconformado com a situação.
Essa liderança transformadora que se coloca é como despertar o melhor das pessoas, como fazer essa concertação entre esses diversos atores, porque os problemas apresentados para a cidade são problemas complexos. Então, conseguir criar essa conexão entre diversos talentos, sejam de dentro do IPPUC, com a sociedade, nessa articulação, tentando despertar o melhor de cada um. E para essa concertação ser muito efetiva, temos que trabalhar com uma gestão por propósito. A liderança transformadora tem que ter essa habilidade de construir uma narrativa muito poderosa, em prol de um grande propósito que precisa ser compartilhado e servir de base para criar essas conexões, para fomentar um bom ambiente e propício para que as soluções aos desafios e aos problemas complexos que são apresentados encontrem bons caminhos para serem resolvidos.
Fazer uma concertação, essa importância de construir consensos, um tema que a TUMI está trabalhando, e entendo que seja um dos legados que você quer deixar. Quais outros legados você espera deixar, então, ao final da sua gestão na presidência do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba?
Olhando mais para o ponto de vista institucional, a gente está com uma geração jovem, um time cheio de energia e brilhante, ou seja, como é que eu preparo essa geração jovem para enfrentar os desafios no futuro? Planejadores que sejam naturalmente inconformados, que tenham uma capacidade de ter ação para rodar as soluções é fundamental, que aprendam a fazer essa concertação e que também aprendam a fazer narrativas poderosas para mobilizar as pessoas.
Como agenda, nós temos metas de longo prazo: Curitiba ser uma cidade neutra (em emissões de carbono) até 2050 e mais resiliente. A gente tem uma trajetória, projetos já em andamento. Para mim, o meu legado é se a gente conseguir organizar um pipeline (de projetos) onde a gente consiga vislumbrar que nos próximos quatro anos a gente avançou nessa agenda e a gente vai estar mais próximo dessa meta colocada a 2050, com Ippuc, com a cidade preparada para fazer essa conexão com esses projetos e colocar isso cada vez mais na rua.
Nós estamos com algumas ações importantes em andamento na cidade. Temos esse ano a nova concessão do transporte público coletivo e é uma grande janela de oportunidade para avançar na descarbonização da mobilidade. Esse processo bem estruturado, com um contrato diferente, repensando modelos de negócio para promover essa transição para mobilidade sustentável, talvez seja um dos grandes legados que a gente pode deixar, que vai inspirar até outras cidades no Brasil, eu considero um item muito importante.
E o outro é que nós temos a revisão do plano diretor, que também acaba sendo a razão de ser do próprio Ippuc e um instrumento fundamental para que a cidade caminhe em uma boa direção, em torno de ser neutra em carbono, de ter práticas cada vez mais sustentáveis na cidade. E esse processo nós vamos iniciar esse ano. Está fechando dez anos do plano diretor, então vamos deixar um plano diretor atualizado, conectado com todos esses desafios do futuro e com boas diretrizes, e já projetos ancorados, eu entendo que vai ser um legado também dos maiores que eu posso deixar agora durante a minha gestão.