Há conflito entre atividade humana e preservação da água
Abaixo da lâmina de água do rio Tamanduateí há uma faixa entre 15 e 20 metros de profundidade de sedimentos contaminados. (Foto: Pedro Diogo)
O modelo de urbanização e dos meios de produção adotados nos grandes centros urbanos do mundo inteiro têm como base o uso intensivo da água. Por esta razão, necessário se faz ter água com regularidade e também com qualidade para sustentar a economia e a própria vida. A questão é que existe uma relação de conflito entre as atividades humanas e a manutenção desses dois atributos, fundamentais para que se tenha saúde, qualidade de vida e empregos.
Por este motivo, Água melhor, emprego melhor é o tema adotado este ano pela Organização das Nações Unidas (ONU) para comemorar o Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março. A Organização mostra em um vídeo de 50 segundos a importância que a água e o trabalho têm de transformar a vida das pessoas. A ONU também busca valorizar os esforços daqueles trabalhadores e empresas que garantem água de qualidade nas torneiras de milhões de pessoas em todo o mundo.
Segundo a entidade internacional, apesar dos esforços e dos resultados positivos obtidos ao longo dos anos, cerca de 748 milhões de pessoas (10,3% da população mundial) ainda não têm acesso à água potável e 2,5 bilhões a saneamento básico. Por conta disso, o tema é bastante pertinente, segundo o arquiteto e urbanista Renato Tagnin, um dos especialistas que ajudou a elaborar um plano de recuperação da represa Billings.
“Quando a gente olha o desenvolvimento industrial de áreas como a Grande São Paulo ou da mineração no caso da Samarco, em Minas Gerais, que se deram às custas de geração de poluentes, de mobilização de substâncias perigosas ou mesmo de atividades de expansão sem limites das cidades, fica claro que temos atividades humanas que em boa parte desconsideram o equilíbrio ambiental e a manutenção de dois importantes atributos que é a qualidade e a regularidade da água”, analisa Tagnin.
O urbanista lembra que a consequência da ação do homem sobre a natureza pode ser observada no clima. Se antes os períodos de chuva e de estiagem se alternavam gradualmente, na atualidade, as populações são obrigadas a enfrentar extremos. As ocorrências em São Paulo nos últimos anos ilustram a teoria.
Após dois anos de seca que quase zerou os reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo, o que se registrou foram chuvas torrenciais que alagaram cidades e causaram mortes. Em alguns municípios paulistas, as precipitações que, historicamente, ocorrem no período de 30 dias foram registradas em poucas horas de um único dia.
“Quando o homem expande a cidade em cima de áreas de mananciais ou de fundos de vale, ele gera emprego, mas esse emprego vai destruir o emprego futuro porque vai acabar com as condições necessárias para preservar essa água, essencial para continuar a manter atividades industriais e para manutenção da vida e dos alimentos que sustentam a vida”, diz.
Dessa forma, Tagnin sugere que a sociedade reflita qual o tipo de emprego ela deseja. As atividades atuais conflitam com a manutenção da água, não se deve aceitar qualquer tipo de trabalho, somente aqueles que se mostrem sustentáveis a longo prazo. “Veja a construção civil. Ela expande as bases territoriais das cidades, não para atender necessidades básicas e sociais e sim com a finalidade de acumulação de capital. O que se vê é que as cidades se expandem muito além do crescimento populacional”, comenta.
Essa expansão, além de ser desnecessária, gera a necessidade de obras posteriores para despoluir rios e córregos e para evitar alagamentos. Gera-se, então, novos empregos para reparar o que foi destruído. “Esse é o tipo de atividade ruim. É o emprego de má qualidade que devemos evitar. Muita gente fala: se tem problema cria emprego para resolver. É um raciocínio perigoso. É como um médico querer que todo mundo fique doente para ele se dar bem”, diz.
Rios urbanos do ABC não têm recuperação, diz engenheiro
João Carlos Mucciacito, professor de engenharia ambiental da Faculdade de Engenharia do Centro Universitário Fundação Santo André, afirma que os rios e córregos urbanos que cortam as cidades da Grande São Paulo não podem ser recuperados. A questão é que mesmo que o esgoto seja tratado em 100%, os sedimentos localizados abaixo da lâmina de água estão contaminados com produtos químicos e metais pesados que não podem ser removidos. “Abaixo da lâmina de água do rio Tamanduateí, por exemplo, há uma faixa entre 15 e 20 metros de profundidade de sedimentos contaminados. A água que corre por cima dessa base poluída e serve apenas como reúso, para uso industrial. Não é possível usá-la para beber, tomar banho ou lavar roupa ou louça”, afirma.
Segundo o engenheiro, as águas de rios e córregos são classificadas em quatro níveis distintos: potável (1), tratamento simples (2), tratamento sofisticado (3) e rio morto (4). No ABC, há o tipo 4 nas áreas urbanas e o tipo 1 em regiões próximas à Serra do Mar, como Paranapiacaba.
Evolução
Apesar de os rios das áreas urbanas estarem mortos, Mucciacito considera o tratamento atual que prefeituras e empresas do ABC dão à água como exemplar se for comparado ao que é feito em outras parte do País. Na sua opinião, no período de estiagem, o braço Rio Grande da represa Billings foi o único reservatório a não secar porque a mata em sua volta está bem preservada, ao contrário do que ocorre no entorno de outras represas como, o sistema Cantareira. “Foi a única represa que suportou a ponto de o governo estadual levar água do rio Grande para o Alto Tietê. Isso é fruto de um trabalho bem feito de preservação”, garante o professor de engenharia da Fundação Santo André.
Mucciacito também cita o engajamento das grandes empresas, após campanha da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), nos projetos para instalação de sistemas de tratamento próprios e destaca o projeto Aquapolo, que leva água de reúso da estação de tratamento de esgoto do ABC (ETE-ABC) para o Polo Petroquímico de Capuava, na divisa entre Santo André e Mauá. “Com a adoção da água de reúso, o Polo Petroquímico economiza água potável suficiente para abastecer a cidade de Mauá”, afirma.
A empresa Aquapolo conta com 50 colaboradores e considera a relação entre água e emprego evidente, porque sua atividade é a principal responsável, atualmente, pela permanência do Polo Petroquímico na região, que mantém cerca de 25 mil postos de trabalho.
Por meio de nota, a Aquapolo informa que “com a crise hídrica em 2014, uma série de empresas foram em busca de soluções, como o reúso, enquanto que as empresas do Polo Petroquímico já haviam se preparado para essa situação anos antes. O projeto Aquapolo possibilita ainda que a Sabesp aumente a oferta de água potável para a Região Metropolitana de São Paulo, já que o volume usado pelo Polo Petroquímico é substituído pela água de reúso para fins industriais. Deixa de ser usado mensalmente 450 milhões de litros de água tratada, o que corresponde a 175 piscinas olímpicas”.
Apesar de a água de reúso não poder recuperar córregos e rios da região, a empresa entende que o maior ganho ambiental proporcionado está no fato de “mostrar que é possível fazer um uso mais racional da água, evitando-se o uso de ‘novas águas’ para processos industriais”.