Um arranha-céu tropical
EL País
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23 de março de 2018
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Vista do arranha-céu desenhado pelo escritório B720 em São Paulo.
Os arranha-céus recentes se fecham ao espaço exterior. Ao mesmo tempo em que aproximam a vista, separam o corpo. Suas paredes envidraçadas os blindam contra os ventos, protegem-nos dos acidentes e favorecem o caráter rotundo da sua implantação, o que é a sua marca arquitetônica. Mas perdem-se as brisas, a expressão fragmentada e a história. Só que nem sempre foi assim.
É verdade que as alturas aumentaram, e que os prismas sólidos resolvem com um único gesto e poucos materiais muitas questões estruturais, de segurança, manutenção e de marca formal. Entretanto, os primeiros arranha-céus erguidos em São Paulo abriam suas janelas para refrescar seus interiores. O edifício Martinelli, o primeiro edifício dessas dimensões construído no Brasil, leva o nome do seu dono e arquiteto e cresceu de 12 para 30 andares depois de uma primeira inauguração, em 1929. Também o Altino Arantes, conhecido como Banespa, deixa passar a brisa, embora, em 1947, fosse o arranha-céu mais alto do mundo fora dos EUA – aliás, Plínio Botelho do Amaral alterou sua planta para que se parecesse com o Empire State de Nova York. Essas duas pioneiras torres paulistanas falam um idioma mais próximo ao das moradias habituais, com uma parte interna e outra externa, ou seja, uma arquitetura permeável, de país tropical, simplesmente empilhada na altura. Isso é possível? Pode-se viver em andares altos sem estar enclausurado? Qual será o modelo para adensar as moradias urbanas? Os 25 andares do primeiro edifício construído pelo arquiteto espanhol Fermín Vázquez em São Paulo demonstram que a ideia de empilhar ordenadamente o melhor da moradia térrea não é uma má opção para o futuro.
Vázquez e sua equipe levaram uma década para poder inaugurar seu primeiro edifício no Brasil. Tiveram a intuição de que seu futuro estava neste país quando ganharam o concurso (ainda não executado) para revitalizar a orla fluvial de Porto Alegre. Não foi fácil resistir à passagem do tempo, aceitar a mudança nas encomendas e ganhar a confiança de um mercado repleto de brilhantes arquitetos locais. Vázquez conta que foi, na verdade, uma lição contínua e cotidiana sobre como reaprender a maneira de pensar a arquitetura e a própria profissão de arquiteto. O fato é que o edifício Forma Itaim foi inaugurado em São Paulo, no miolo desse bairro em profunda transformação, que vem substituindo uma malha de moradias unifamiliares baixas por um skyline que também quer ser doméstico. Como se vive bem nas alturas no Brasil? O arranha-céu de Vázquez parece indicar que empilhando moradias e respeitando a ordem urbana.
É a próspera classe média-alta da capital econômica do Brasil que demanda adensar os centros, para não precisar se afastar e ir viver nos subúrbios. Por isso, nos 25 andares desta torre cabem 123 apartamentos e um térreo com áreas comuns (portaria, academia de ginástica, salão de festas, piscina coberta e restaurante).
Vázquez apostou nos grandes terraços para lutar com as limitações volumétricas impostas pela lei de zoneamento. Não queria um arranha-céu monótono nem estridências gratuitas que dessem um caráter artificioso à sua torre. Preferia que essa personalidade nascesse do próprio edifício. Por isso recorreu à cor e procurou desenhar um edifício esbelto. Queria a singularidade das boas maneiras, conta.
Assim, nas fachadas norte e sul as sacadas são profundas, para evitar a excessiva radiação solar, enquanto que as voltadas para o leste e o oeste, as mais expostas no clima de São Paulo, ficam protegidas por uma fachada ventilada de peças de cerâmica esmaltada (a cor) de grande formato. Esse revestimento se transforma em persiana ao chegar às sacadas laterais, preservando a intimidade, mantendo a ventilação e conservando a forma homogênea do edifício.
O cliente pediu um prédio expressivo e colorido. E a equipe de Vázquez soube agradá-lo e dar sentido à cor e às decisões arquitetônicas, num exercício marcado por ambos, o lugar e o conhecimento arquitetônico.