Internet das coisas e mobilidade urbana
Jota.info
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06 de abril de 2018
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Entre as potencialidades da implementação de aplicações de IoT no ambiente das cidades, destacaremos aqui aspectos regulatórios dessas novas tecnologias nos serviços voltados à melhoria da mobilidade.
Desafios em mobilidade
Com centros urbanos altamente congestionados (segundo
estudo de 2015, o tempo gasto no trânsito reduz a produtividade e impede o aumento do PIB brasileiro em 2,83% – resultante em R$ 156,2 bilhões), escassez na oferta de transporte público e elevados índices de acidentes de trânsito, o aprimoramento da mobilidade urbana no Brasil apresenta hoje inúmeros desafios.
Entre eles, destacamos a redução do tempo de deslocamento, a melhoria na segurança e qualidade das vias, dos instrumentos de trânsito e do serviço de transporte público, bem como a priorização do transporte público em detrimento do particular, a expansão da acessibilidade do espaço público e o estímulo à locomoção por pedestres e bicicletas.
Na busca de saídas para esses desafios, a Internet das Coisas – IoT representa uma ferramenta poderosa. Ressalta-se, todavia, que neste artigo abordaremos especificamente as potencialidades e aspectos regulatórios sobre o trânsito, tratando em outro artigo aspectos sobre o transporte público.
IoT e trânsito urbano
A tecnologia IoT tem muito a contribuir para o aperfeiçoamento de mecanismos utilizados no controle do trânsito pela Administração Pública, como o monitoramento por vídeo (as conhecidas “CCTV”) e por radares. A adição de ferramentas OCR (ou reconhecimento ótico de caracteres), capaz de reconhecer de forma automática placas de veículos, e sensores instalados em ciclovias e calçadas para quantificar o fluxo de pedestres ou para produzir energia (
como já ocorre em Londres) podem oferecer suporte adicional ao controle de tráfego. Isso ocorre por conta de sua conexão a uma central de processamento de dados, o que possibilita a identificação das condições do trânsito e a execução de ações de melhoria do fluxo de veículos, ciclistas e pedestres.
Entre as melhorias viabilizadas por tais dispositivos está a configuração mais eficiente do funcionamento dos semáforos, por meio de práticas de redirecionamento do tráfego em tempo real, o que otimiza a circulação de pedestres, veículos e ciclistas. É o que já acontece na cidade de Salvador, que inaugurou recentemente sistema de semáforos inteligentes e interligados. Pelo simples comando da central de controle, será possível alterar o tempo de espera em um cruzamento em razão do fluxo de tráfego.
IoT pode também auxiliar a prestação de informações à população sobre o trânsito nas diferentes localidades de uma cidade. A oferta desse tipo de serviço pode ser aprimorada através de dados provenientes de mídias sociais e plataformas que permitem o monitoramento de condições pelos próprios usuários. Esse é o caso da
cooperação entre a Prefeitura de São Paulo e o Waze para o repasse ao poder público de informações disponíveis em seu sistema sobre semáforos quebrados ou com falhas. De forma similar,
o Centro de Operações Rio utiliza a aplicação para avisar aos moradores sobre situações que podem impactar o tráfego na cidade do Rio de Janeiro.
Desafios regulatórios
A incorporação de novas tecnologias aos sistemas de gestão do trânsito deverá levar em consideração as normas e competências estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro – CTB.
Tendo em vista que a regulamentação das disposições do CTB é de competência do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, este órgão assume um papel de destaque na atualização do sistema de trânsito do país. Por exemplo, ainda que haja proibição para a utilização de mecanismos de sinalização não previstos na legislação de trânsito, é permitido ao CONTRAN autorizar o uso experimental e temporário de diferentes modalidades de sinalização – que é por vezes o caso das tecnologias de IoT.
A fim de regulamentar a utilização de diferentes dispositivos, o órgão vem emitindo regras sobre sistemas de videomonitoramento, medidores de velocidade e instrumentos de identificação de veículos. Dentre elas, as Resoluções nº
471/2013 e nº
532/2015 permitem às prefeituras se utilizarem de imagens geradas por aparelhos audiovisuais para comprovarem infrações de trânsito.
O CONTRAN também regula o uso de radares, por meio da Resolução nº
396/2011. A implementação de radares cabe ao órgão competente sobre a via onde ele estará localizado (isto é, no caso de vias de responsabilidade dos municípios, caberá às entidades locais estabelecer sua localização, instalação e operação).
Entretanto, a implementação do SINIAV tem encontrado entraves em seus meios de financiamento, uma vez que as Resoluções não dispõem sobre quem são os responsáveis para arcar com custos, além de atores do sistema de trânsito apontarem a
inexistência de orçamento específico para a persecução da meta. Embora as tentativas de implantação do SINIAV tenham sido inauguradas em
2006, o sistema segue inativo pois
apenas o Estado de Roraima conduziu licitação para a aquisição de chips.
Para além da regulação federal de trânsito e da atuação expressiva do CONTRAN, os municípios também possuem função importante na modernização dos dispositivos de trânsito. Isso porque são responsáveis pela implantação, operação e manutenção do equipamento de controle viário, devendo tais atividades estarem devidamente descritas em plano diretor ou política de mobilidade municipal.
Um exemplo disso é o
Plano Diretor da cidade de São Paulo, que prevê ações relativas ao aumento nos intervalos de funcionamento dos semáforos em locais com grande fluxo de pedestres e à elaboração de planos de comunicação com controladores para viabilizar a fluidez no trânsito e priorizar o transporte coletivo. A metrópole conta também com o
Estatuto do Pedestre, que determina a instalação de sinais de trânsito luminosos com tecnologia inteligente.
Como visto, a modernização da infraestrutura de trânsito com o uso de tecnologia IoT deverá observar tanto a legislação federal como a legislação municipal (em especial, os planos diretores e de mobilidade). As Resoluções do CONTRAN se mostram alinhadas às novas tendências tecnológicas, sendo o maior desafio da conjunção entre IoT e equipamentos de trânsito a incorporação das mudanças tecnológicas pela legislação local.
No próximo artigo da série, seguiremos tratando de obstáculos e potencialidades decorrentes da implementação de dispositivos de IoT para a prestação de serviços públicos e na infraestrutura dos municípios. Até lá!
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1 Os setores priorizados pelo
Estudo de Internet das Coisas desenvolvido pelo Pereira Neto | Macedo Advogados em conjunto com McKinley e Fundação CPqD, apoiado pelo BNDES e pelo MCTIC, foram Cidades Inteligentes, Rural e Saúde.
2 Ainda que seja considerado tema crucial nas discussões globais sobre desenvolvimento econômico e social, não há consenso sobre o conceito de “cidades inteligentes”, visto que tal ideia é relativamente nova e se encontra em constante transformação. As experiências urbanas com serviços inteligentes seguem diferentes caminhos conforme os tipos de políticas, objetivos almejados e até mesmo formas de financiamento existentes em cada cidade.
3 Vale mencionar que o emprego do termo “inteligente” é questionado quando utilizado para referenciar as relações entre cidade e tecnologia. Argumenta-se que o uso de tal vocábulo levaria a um discurso tecnocrático, com a promoção da virtualização das relações interpessoais no ambiente urbano e a desconsideração das limitações inerentes às tecnologias. Para uma análise entre a interligação entre o conceito de cidades inteligentes e políticas públicas urbanas, ver: FERRAZ, Fábio.
As cidades inteligentes devem ser reflexo de uma sociedade inteligente. Nexo, 22 ago. 2017.
Daniel Douek – mestre em Direito da Concorrência pela King’s College London. Sócio de Pereira Neto, Macedo Advogados
Mateus Piva Adami – professor do programa de pós-graduação lato sensu da FGV Direito SP (GVlaw). Sócio de Pereira Neto, Macedo Advogados
Natalia Langenegger – doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada de Pereira Neto, Macedo Advogados
Olívia Bonan Costa – Graduada em Direito pela USP. Advogadas da equipe de Mídia, Tecnologia e Propriedade Intelectual do Pereira Neto I Macedo Advogados