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Bioconstrução e permacultura

Artigo escrito por Catarina Pinto - 14 de agosto de 2013 1516 Visualizações
Bioconstrução e permacultura
 
A bioconstrução pretende minimizar o impacto ambiental das construções gerando desenvolvimento sustentável que não esgote os recursos do planeta, garantindo equilíbrio no presente e no futuro e favorecendo os processos evolutivos da Vida, assim como a biodiversidade.
Se algo nos ensina a história da construção ao longo dos tempos é que o ser humano sempre levou muito em conta a meio ambiente em que se encontrava e os recursos naturais à sua disposição no local, não utilizando um modelo tipificado de construção. Com o passar dos tempos, os avanços tecnológicos desviaram as nossas sociedades de tão notável adaptação. Do século XX à atualidade observamos que as características construtivas bem como os materiais utilizados se convertem em algo semelhante em qualquer parte do mundo, independentemente do clima e dos recursos disponíveis localmente. Afastámo-nos da benéfica e saudável interação com a natureza.
Estudos médicos sobre saúde ambiental confirmam que a saúde humana está intimamente relacionada com o meio edificado. A síndrome do edifício enfermo é um conceito que surge no século XX ligado às construções atuais por se verificar que certos edifícios são causadores de doenças como, por exemplo, a fadiga crônica. As principais causas relacionam-se com a falta de ventilação adequada, com o excesso de concentração de produtos tóxicos nos materiais interiores e com a existência de campos electromagnéticos nocivos.
A responsabilidade social dos intervenientes no setor da construção é elevada e torna-se urgente sensibilizar para que todos estejam conscientes destes aspectos que têm de ser melhorados.
A bioconstrução trata-se também de um regresso às origens, através do uso de técnicas e materiais tradicionais, melhoradas pelo grande conhecimento de que dispomos atualmente. Por exemplo, Portugal tem grande tradição na construção com terra crua – taipa e adobe - no centro e sul do país. Já a norte, a pedra é a construção tradicional mais comum. Como acabamento encontramos tradicionalmente os rebocos à base de terra e os rebocos de cal.
Bom será recuperar este conhecimento, que durante a segunda metade do século XX se foi perdendo, aliando-o aos conhecimentos e materiais atuais de forma a melhorar o conforto e a qualidade de vida. Sabemos que um bom desempenho térmico dos edifícios é fundamental para reduzir gastos energéticos com climatização pelo que este é um ponto fundamental da bioconstrução. Materiais de isolamento térmico como a cortiça, a celulose proveniente de papel reciclado, o cânhamo, os fardos de palha, a lã de ovelha e até outros materiais reciclados são opções para isolar integralmente e eficazmente uma construção, mantendo as paredes permeáveis ao vapor de água, para que o ambiente interior permaneça nos níveis de humidade adequados ao conforto humano.
O ideal é que toda a pele do edifício – paredes, pavimentos e coberturas – seja bem isolada, sem pontes térmicas e estanque ao ar, mas permeável ao vapor de água.
A bioconstrução tira partido das técnicas passivas para aquecimento e arrefecimento, através de uma correta orientação do edifício e das áreas envidraçadas, do correto sombreamento nos meses quentes e da correta ventilação. Por exemplo, uma estufa adoçada à construção funciona bem como uma área de transição exterior/interior. Durante os meses de frio permite ganhos de calor através dos envidraçados, sendo nos meses quentes aberta e sombreada. Estes espaços proporcionam ainda uma excelente possibilidade para plantar vegetação, por exemplo plantas aromáticas e pequenos hortícolas para consumo. Do mesmo modo, vegetação exterior de folha caduca é ideal para sombrear nos meses quentes.
A gestão da água é outro fator de extrema importância, fazendo uma correta gestão para minimizar os gastos, armazenando as águas pluviais para que possam ser aproveitadas e tratando as águas cinzentas para que possam servir, por exemplo, para rega.
A gestão adequada da energia permite minimizar os gastos e recorrer a fontes de energias renováveis para aquecimento das águas e produção eléctrica.
O aquecimento no interior pode, por exemplo, ser feito utilizando queima de biomassa em lareiras/recuperadores eficientes que utilizam massa térmica e condutas de ventilação para reter e difundir o calor por todo o espaço. 
Associados à gestão eficaz dos recursos e à utilização de materiais de baixo impacto ambiental, biodegradáveis e abundantes como os materiais naturais e os materiais reciclados, muitos outros aspectos estão relacionados com a bioconstrução. Por exemplo, a construção de espaços públicos que favoreçam as relações de vizinhança, a mobilidade, a segurança, a beleza, o aproveitamento eficaz das qualidades naturais do lugar, o desenho arquitetônico energeticamente saudável inspirado em formas orgânicas e em geometria sagrada, a ocupação ética do solo e a minimização da sua impermeabilização, a auto-suficiência local ao nível de energia, economia e produção alimentar biológica, a proteção contra o ruído, a minimização da contaminação eletromagnética, etc.
Se este conceito é novo em Portugal, em muitos outros países europeus a bioconstrução já está estudada e difundida através de anos de experimentação. Por exemplo na nossa vizinha Espanha existem diversos centros dedicados à bioconstrução, realizam-se congressos, feiras e cursos. Também existem bastantes profissionais do sector que se complementam desde os fornecedores de materiais ecológicos, aos arquitetos e engenheiros responsáveis pelos projetos, aos construtores e artesãos. Portugal está agora a iniciar este percurso com crescente entusiasmo e poderá beneficiar da experiência e conhecimento técnico já alcançado noutros países, nomeadamente ao nível dos testes e ensaios laboratoriais e normativas para boas práticas construtivas que demonstram o bom desempenho técnico face às exigências de segurança e saúde. Há uma crescente dinâmica em torno da bioconstrução que anima cada vez mais pessoas a abrir caminho neste sector: surgem novos materiais ecológicos, técnicas, oportunidades e cada vez mais espaços de formação.
É ainda necessário, abrir caminho para que a legislação portuguesa acompanhe estas práticas e atrair mais investidores que produzam e vendam materiais ecológicos, bem como, promotores imobiliários conscientes de que um bom futuro passa pela valorização da bioconstrução. Outro sector estratégico é a reabilitação pois, atualmente, muita da atividade do sector da construção passa pela intervenção no edificado existente. Em vez de demolir uma construção, melhor será recuperá-la, renovando apenas o necessário, dentro dos pressupostos da bioconstrução.
É também importante que os dirigentes entendam a importância da divulgação e da educação das gerações futuras e facilitem a dinamização de centros informativos com exposição de materiais e técnicas ecológicas, públicos ou privados, à semelhança do que acontece noutros países europeus, onde existem núcleos regionais para divulgar as tecnologias apropriadas localmente, prestando serviços de aconselhamento ao consumidor e projetistas.
Muitas das vezes, estes núcleos de construção ecológica estão interligados com outras áreas, partilhando o mesmo espaço físico, com lojas de produção justa e consumo ecológico, com associações locais de permacultura, agricultura biológica, desenvolvimento humano, entre outros.
O termo pode ser outro, podemos falar em construção ecológica, edificação sustentável, construção ambiental, etc. O importante é que a ideia se enraíze na nossa sociedade para reduzir o impacto ambiental que a construção tem atualmente e criar um futuro harmonioso. 
Catarina Pinto é arquiteta licenciada em 2004 pela Faculdade de Arquitetura de Lisboa.