O Brasil não se encontra em um ambiente político similar àquele que propiciou a criação das agências reguladoras, na década de 1990. Nos moldes do sistema inglês, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso buscou alcançar uma nova administração pública gerencial, sob o comando de Luiz Carlos Bresser Pereira. Naquela fase, a segregação de competências entre a administração pública direta e a indireta em setores estratégicos (telefonia, energia elétrica etc.), por meio de entidades estatais dotadas de autonomia, se apresentou como sendo fundamental. Vieram as agências reguladoras como um forte instrumento de política pública. As características básicas para identificar uma entidade estatal como sendo uma agência reguladora passam por quatro pontos. A organização autárquica deve ser colegiada. A exoneração dos seus dirigentes só pode ser motivada. Os mandatos devem ser estabelecidos com prazos escalonados. Deve ter autonomia financeira e independência decisória. Por trás desse movimento estava a necessidade de se criar um ambiente propício à segurança jurídica e atração de capital privado (notadamente estrangeiro). Também se buscava a descentralização da regulação de temas complexos, naturalmente distantes dos debates e interesses políticos do Congresso na atual sociedade em rede a que se refere o sociólogo catalão Manuel Castells. Como, então, explicar a iniciativa da presidente Dilma Rousseff de criar mais uma agência reguladora, com as mesmas características desenhadas no passado e, outrora, tão criticadas por seu partido político? É fato de que, nos dias atuais, estamos diante de uma intensa integração econômica mundial, isso sem falar dos aspectos nos campos social, cultural, político e ambiental. A globalização passa pela troca de bens, serviços e informações que aumentaram, significativamente, com o surgimento da internet. As empresas, a cada dia, tornam-se multinacionais, inclusive as estatais brasileiras passaram a ter filiais no exterior. Suas ações são negociadas em bolsas de valores do exterior, sujeitando-se, portanto, às regras estabelecidas fora de nossas fronteiras. Organismos internacionais também impactam diretamente as atuais funções estatais. Certas regras estabelecidas para os jogos da Copa das Confederações e Copa do Mundo foram impostas pela Federação Internacional de Futebol e lançadas em lei. Outras normas (econômicas) aplicadas em solo brasileiro são regidas pelo Fundo Monetário Internacional. Até o tráfego aéreo nacional se rende às regras criadas pela Associação Internacional de Transporte Aéreo. Esse preâmbulo ajuda na compreensão do processo de agencificação como sendo uma exigência do mercado internacional globalizado. Passa por aspectos macroeconômicos, independemente dos interesses direitos do partido político que está no poder. As agências reguladoras ajudam na atração e manutenção de empresas, nacionais ou multinacionais, que buscam aportar recursos financeiros em atividades de utilidade pública. As regras do jogo devem ser conhecidas e, em tese, mantidas por entidades alheias e dependentes do cenário político-eleitoral. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a vantagem das agências é que elas podem ajudar a isolar as atividades regulatórias de considerações políticas de curto prazo e a influência de interesses das empresas reguladas. Reduzem os percalços inerentes aos processos político-partidários. É nesse contexto que a presidente Dilma Rousseff submeteu ao Congresso o Projeto de Lei nº 5.807/2013, que cria mais uma entidade reguladora: a Agência Nacional de Mineração. Essa ideia não é nova no Partido dos Trabalhadores. Em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, na edição de 20 de setembro de 2010, o então ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, apontou para a reestruturação do setor de mineração como hoje se apresenta. Anunciou que o Projeto de Lei para criação dessa nova agência reguladora deveria ser enviado ao Congresso ainda naquele ano. O objetivo do governo com a criação dessa nova entidade é, como nas demais que regulam atividades econômicas, atrair mais investimentos para a área de mineração brasileira de forma estruturalmente semelhante à do setor de petróleo e gás. Por exemplo, o referido Projeto de Lei propõe a criação do Conselho Nacional de Política Mineral, trazendo regras para concessões por meio de contratos precedidos de licitação ou chamada pública ou, até mesmo, autorização. Na Agência Reguladora de Mineração haverá um diretor-geral e os demais membros da diretoria serão escolhidos e nomeados pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado. Os membros da diretoria da ANM cumprirão mandatos de quatro anos, não coincidentes, sendo permitida a recondução. Somente poderão perder o mandato em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou condenação em processo administrativo disciplinar. Nesses casos, caberá ao ministro de Estado de Minas e Energia instaurar o processo administrativo disciplinar e compete ao presidente da República determinar o afastamento preventivo, quando for o caso, e proferir o julgamento. A nova agência reguladora terá função normativa e decidirá em última instância sobre as matérias de sua competência, só cabendo recurso hierárquico ao Ministro das Minas e Energia em situações restritas. Sobre esse aspecto, nada foi alterado no referido Projeto de Lei. Prevalece o Parecer AGU/MS-04/06, escrito pelo consultor da União Marcelo de Siqueira Freitas. Esse parecer foi adotado por meio do despacho do consultor-geral da União nº 438/06, vinculando toda a organização administrativa federal. Notadamente pelo momento por que passa o país, com a sociedade nas ruas clamando por mais eficiência e transparência nas funções estatais, merece destaque a previsão de que os atos normativos da ANM, que possam afetar direitos de agentes econômicos e de trabalhadores, deverão ser acompanhados da exposição formal dos motivos que os justifiquem. E submetidos à consulta ou à audiência pública. Espera-se, agora, diante do clamor das ruas, o aperfeiçoamento desse Projeto de Lei no Congresso para que a ANM não padeça dos mesmos males impostos às demais agências reguladoras federais. Deve-se criar mecanismos para por fim à politização dos cargos de diretoria e ao contingenciamento de recursos, dentre outros aspectos, que maculam o modelo internacionalmente adotado de entidades reguladoras independentes. Sérgio Guerra é pós-doutor em Administração Pública e professor titular de Direito Administrativo da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas |