Quando no final do século passado começou a se falar em cata-ventos espalhados pelo Estado para gerar energia elétrica, havia tanto ceticismo quanto o que cerca, hoje, o projeto do polo aeroespacial. Em pouco mais de uma década, o Rio Grande do Sul se tornou referência em geração eólica, tem 15 parques e projeta investimentos totais de R$ 6 bilhões até 2017, conforme informações da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimentos (AGDI). Até o final da década de 1990, no entanto, nem produzir eletricidade a partir dos ventos nem tornar o Rio Grande do Sul competitivo nesse segmento pareciam ambições ao alcance da mão. O programa lançado no governo de Fernando Henrique Cardoso, marcado pelo apagão, foi abraçado pela então secretária de Energia e Minas do Estado, Dilma Rousseff, e por empresários nacionais e internacionais. Na época, Dilma costumava mostrar a curiosos, em seu gabinete, os anemômetros usados para medir a velocidade dos ventos — tarefa essencial para mostrar que a geração a partir dos ventos era possível. No estilo impositivo hoje conhecido no Brasil inteiro, a então secretária chamava aos brados assessores ao seu gabinete para trazer os cones que cabem na palma da mão. Um deles, Ronaldo Custódio, chegou a perder um boné em uma das medições da força do Minuano. Da instalação desses pequenos indicadores da velocidade até as torres de mais de cem metros de altura que hoje bordam o Litoral e a Fronteira Oeste, foi um caminho árduo. Um dos pioneiros na implantação, Telmo Magadan lembra que desconfiança e preocupação marcavam a primeira reação de interlocutores quando o assunto era a construção de um parque eólico no Rio Grande do Sul. Até o nome, eólico, era desconhecido. — Muitos falavam aeólico — lembra Magadan, divertido. Se alguns gaúchos eram apenas arredios a novidades, outros tipos de estranheza representavam maiores entraves. Magadan, que ajudou a desenvolver o projeto do parque de Osório, recorda que órgãos técnicos, como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), hesitaram frente à inovação. O ONS não sabia qual seria o impacto de um parque de 150 megawatts (MW) — até então o maior da América Latina — nas redes de energia, e o BNDES pediu uma auditoria extra na medição dos ventos às vésperas da aprovação do financiamento que tiraria o projeto do papel. — Depois, o próprio BNDES disse que o Ventos do Sul (nome do parque de Osório) foi um caso que deu confiança ao banco e ao mercado — relata Magadan, hoje sócio-diretor da Brain Energy Energias Renováveis. A primeira a apostar no Estado foi a espanhola Enerfín, subsidiária do grupo Elecnor. Felipe Ostermayer, gerente-geral da empresa no Brasil, conta que Osório recebe com frequência visita de pessoas em busca de referências de sucesso na empreitada. Até o final do próximo ano, a potência instalada na cidade será duplicada, e Palmares do Sul também recebeu investimentos. — Optamos pelo Rio Grande do Sul desde o início porque o ambiente regulatório era muito estável, definido. Para um empreendedor que faz um investimento desse porte, isso é muito importante — pondera, calculando que só a Enerfín tem projetos de cerca de R$ 2 bilhões no Estado. Se nasceu com bênçãos de governos liderados por partidos adversários e aposta de investidores privados nacionais e estrangeiros, o desenvolvimento da geração eólica também passou a ser aposta de estatais como a Eletrosul, que desenvolveu parques em Santana do Livramento. Em uma das diretorias da empresa, está o mesmo assessor de Dilma que perdeu o boné medindo a força dos ventos. A concentração de parques diversificou negócios de empresas gaúchas como a Ernesto Woebke, de Gravataí, e a Intecnial, de Erechim, que passaram a fazer torres de concreto e de metal. Também ajudou a atrair investimentos: as fabricantes de torres Alstom e Engebasa e a de aerogeradores — a máquina que transforma vento em energia — Impsa. Agora os gaúchos enfrentam uma dura concorrência dos nordestinos pelos recursos aplicados em energia eólica, mas em uma década criaram e consolidaram um novo segmento. Se no Rio Grande do Sul foi possível tirar lucro do Minuano, também será possível, com vontade e esforço, virar a página para o futuro. Perfil Número atual de parques: 15 Potência instalada: 460 MW Cidades que recebem investimento: Chuí, Osório, Palmares do Sul, Pelotas, Rio Grande, Santana do Livramento, Santa Vitória do Palmar, Tramandaí, Xangri-lá e Viamão |