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Entrevista com professor Ildo Sauer sobre modelos de concessões do Pré-Sal

Publicado no Jornal dos Economistas, da Conrecon/Sindecon/RJ - 18 de setembro de 2013 1856 Visualizações
Entrevista com professor Ildo Sauer sobre modelos de concessões do Pré-Sal
 
Professor titular da USP e um dos mais reconhecidos cientistas brasileiros na área de energia, Ildo Sauer foi diretor de gás e energia da Petrobras durante o primeiro governo Lula. Nessa entrevista, critica o leilão de Libra e propõe um modelo alternativo.
P: Como você avalia o modelo criado pelo Brasil para exploração e utilização dos recursos do pré-sal? O país vai utilizar bem essa riqueza?
R: Não. O modelo de concessões formulado pelo governo neoliberal de FHC, numa época em que ainda se justificava no discurso a possibilidade de um risco genérico exploratório para encontrar petróleo, não era o melhor. Naquele tempo, o modelo adequado seria a partilha da produção, com a Petrobras comandando.
Eu defendi transformar concessão em partilha. No momento em que se conclui com sucesso a definição de uma nova província de petróleo no pré-sal, nem o modelo de concessão nem o de partilha servem.
Quando já há uma confirmação de sucesso e com pouco investimento se pode descobrir o volume de petróleo disponível a ser produzido, o melhor modelo é o monopólio público de uma empresa puramente estatal ou o modelo de prestação de serviços em que uma empresa, preferencialmente uma estatal híbrida igual à Petrobras, é contratada para fazer o serviço de delimitação do volume de recursos. Depois se contrata essa empresa num regime de prestação de serviços, remunerando-a adequadamente por todos os custos.
Nós temos 50 bilhões de barris já confirmados, mas podemos chegar a 100, 200 ou 300 bilhões.
O governo não autorizou o custo pequeno, da ordem de US$6 bilhões a US$7 bilhões, para que a Petrobras, fazendo cerca de cem poços na área do pré-sal de Santa Catarina ao Espírito Santo, definisse o volume total de petróleo. Essa informação é essencial para delinear um projeto estratégico para o país do que fazer com o petróleo.
O governo está promovendo o sucateamento das duas grandes riquezas do povo brasileiro: o petróleo e, mais importante, a Petrobras, uma construção histórico-social capaz de intervir sobre a natureza e dela arrancar um elemento essencial para a sociedade, a energia.
P: O que motiva o governo a fazer os leilões?
R: O governo precisa de dólares para contrabalançar a situação macroeconômica. O baixo índice de crescimento da economia brasileira, associado à potencial fuga de dólares, fazem com que o Brasil precise do fluxo de dólares para manter o equilíbrio das contas externas. Por isso, decidiu que vai antecipar o leilão de Libra.
A segunda motivação talvez seja ideológica, no sentido de subordinar os recursos naturais à lógica do interesse privado.
Não sei se há também interesses menores do ponto de vista da base de apoio econômico e político ao governo, dinheiro para campanha e para enriquecimento de figuras ligadas ao processo de poder, que está em xeque agora no Brasil depois que o povo foi às ruas.
P: Qual seria a melhor alternativa?
R: Havia uma alternativa mais inteligente para resolver o problema macroeconômico: contrata-se a Petrobras, que delimita o campo de Libra e produz. Ah, faltam US$ 50 ou 60 bilhões para desenvolver o campo. Faz parceira internacional negociada politicamente a partir do governo. Chama a China, eventualmente a Índia e outros parceiros, e investe, produz e controla o ritmo de produção.
Em contrapartida, a China recebe o petróleo a 80 ou 90% do preço internacional e antecipa o dinheiro do investimento, coloca no Brasil o dinheiro necessário para equilibrar as contas externas.
Libra vai produzir cerca de dois milhões de barris por dia, 700 milhões por ano. Se vender o petróleo a US$90 por barril e custar US$20 para produzir, sobram US$70 por barril.
São US$50 bilhões por ano que estão em jogo, ao longo de 20 anos de produção, supondo que as reservas sejam de 15 bilhões de barris, como esperado.
Com US$50 bilhões por ano você mantém as contas externas com afluxo de US$10 ou 15 bilhões em moeda, os outros US$35 ou 40 bilhões usa para investir em infraestrutura.
Criaria a Metrobras que seria a dona e operaria os metrôs de todas as cidades com mais de 500 mil habitantes no país. O Brasil poderia estabelecer uma parceria com a China que estabeleceria fábricas de trens no Brasil. Essa espécie de escambo não danificaria o equilíbrio da taxa de câmbio.
E nessa escala, os recebíveis do próprio sistema de transporte garantiriam o financiamento.
Eu estou dando um exemplo. O mesmo podia acontecer para trens de alta velocidade interestaduais, portos, vias navegáveis. Esse seria o modelo para o pré-sal em geral, não só Libra.
Acima de tudo o ritmo de produção tem que ser coordenado com a OPEP. Você não pode jogar dois bilhões de barris de petróleo no mundo sem coordenação. Do contrário, há um problema da renda petrolífera desaparecer. Está no horizonte uma ameaça geopolítica contra a OPEP e a Rússia comandada pelos EUA, que quer difundir a tecnologia do shale gas. Tem um petróleo e gás barato vindo daí.
P: Você acha que no médio e longo prazo o preço do petróleo vai cair em função do shale gas?
R: O shale não tem força para destruir a hegemonia do petróleo nas próximas cinco décadas, mesmo sabendo que a China tem recursos potenciais até superiores que os dos EUA.
P: Mas já há estudos dizendo que o shale pode tornar os EUA autossuficientes.
R: Sim, mas é efêmero. Por quanto tempo vai ser autossuficiente? Até a semana que vem, depois vai ter que voltar à mesa. Há uma ameaça no horizonte sobre o preço do petróleo como construído historicamente a partir de 2005 pela OPEP, a partir da hegemonia da OPEP no controle do recurso natural.
Em 1960, 84% do petróleo estava nas mãos das multinacionais, 14% nas mãos da URSS, e 2% nas empresas nacionais. Em 2010 era o contrário: 92% nas mãos dos governos, de empresas estatais ou híbridas. Com o controle político, eles conseguiram impor o preço.
O shale agora se apresenta como uma nova ameaça. O papel do Brasil nesse sentido é absolutamente destrutivo da geopolítica dos países que querem extrair renda do petróleo, que é o grupo em que o Brasil está entrando. O modelo que o governo está colocando em Libra e o modelo aprovado no Congresso ou são absolutamente ingênuos, ou destituídos de visão geopolítica estratégica, ou oportunistas, para satisfazer interesses menores no governo.
P: Se você partir do princípio de que a demanda dos EUA cairá, em função do shale, derrubando o preço do barril, não seria melhor para o Brasil explorar logo o pré-sal, e nesse sentido a entrada de empresas internacionais não é importante para acelerar o financiamento?
R: Não acho. O shale não tem dimensão para tomar o lugar do petróleo. Essa é uma possibilidade muito pequena. Depende do modelo de coordenação da indústria mundial do petróleo, via OPEP. Se a OPEP tiver capacidade de coordenação da produção do petróleo líquido, o shalenão vai tomar o lugar. A Arábia Saudita vive exportando dois ou três milhões de barris por dia.
Não precisam exportar 10 milhões. A Rússia também. Eles têm fôlego para enfrentar a guerra com o shale americano.
O problema é que um cachorro louco igual ao que o governo brasileiro está criando, leiloando um campo subordinado apenas à lógica microeconômica, sem levar em conta tudo isso, é um tiro no pé porque vai destruir o preço do petróleo no mundo.
Nem Libra nem os outros podem produzir rapidamente, porque tem que ter coordenação da produção para manter o preço do petróleo com renda elevada.
Os EUA apostam na estratégia de desestabilizar o Oriente Médio, invadindo Síria, Iraque, Líbia, desestabilizando o Irã e jogando shale no mundo. Eles estão tentando extirpar a renda acumulada pelos produtores de petróleo e deslocar esse excedente econômico para as esferas das empresas comandadas a partir da lógica imperialista americana e europeia, as empresas de produção de commodities, produtos, automóveis, informática e serviços.
O Brasil não compreendeu isso e está operando com uma lógica microeconômica, do contrato, do negócio, como se estivesse lidando com uma padaria. É como se a Petrobras fosse a grande filha do povo e o governo tivesse tornado essa filha anoréxica ao asfixiá-la com os preços dos derivados. A Petrobras está sem caixa. E agora o governo quer pegar a terra que pertence ao povo e a filha do povo, que é a Petrobras, e colocar numa espécie de casamento arranjado como faziam as antigas oligarquias. E quem se beneficia disso é o eventual vencedor do leilão. O governo trata Libra como se fosse uma padaria ou pizzaria.
P: As regras dos leilões dizem que a Petrobras é operadora de todos os poços. Essas regras são ruins para a Petrobras?
R: O governo está proletarizando a Petrobras. Asfixiou seu fluxo de caixa com a política de preços. Então a Petrobras não tem poder de barganha de entrar num leilão e valorizar a sua capacitação tecnológica. Tem dois valores em disputa: o petróleo e a capacitação da Petrobras.
E o governo está vendendo as duas por um preço aviltado pela política recente. Então a Petrobras ser operadora é quase ser escravizada em favor do capital financeiro, em vez de usar esse potencial para gerar valor para a sociedade brasileira.
Se ela for prestadora de serviço, recebendo de US$ 15 a 25 por barril, ela vai ganhar dinheiro, pagar bem seus quadros e melhorar a tecnologia. E o governo, vendendo petróleo para a China a 90% do valor, sobrariam entre 65 e 75 dólares por barril, que viram renda para o Tesouro investir em programas nacionais, fazer uma Metrobras, uma Portobras, reforma agrária, reforma urbana, investir em educação e saúde pública, e coordenar o fluxo de capitais para não tornar o Brasil um país rentista, manter o país gerando valor pelo trabalho.