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Tecnologia, engenharia e tributação para o desenvolvimento

- 31 de outubro de 2018 1116 Visualizações
Tecnologia, engenharia e tributação para o desenvolvimento
O artigo que publicamos a seguir é o desdobramento de importante pronunciamento do engenheiro Irineu Soares, membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia e subchefe da Divisão Técnica Especializada de Petróleo e Gás. A exposição feita em reunião ordinária do Conselho Diretor, em 08/10/2018, é apresentada agora em um quadro mais amplo de um plano de desenvolvimento que abrange a tributação no contexto da importância da tecnologia e da engenharia. No artigo, o conselheiro Irineu Soares aponta para uma linha desenvolvimentista e estuda seus aspectos não só econômicos, mas também tributários, ponto-chave a ser dominado para que existam os recursos necessários para que as políticas preconizadas sejam de fato implementadas.


TECNOLOGIA, ENGENHARIA E TRIBUTAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
Irineu Soares.
Engenheiro aposentado da Petrobrás, onde exerceu funções técnicas e gerenciais. É subchefe da Divisão Técnica Especializada de Petróleo e Gás e membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia.

 Em todas as atividades relacionadas tanto à administração pública, como à administração privada, duas grandes vertentes podem ser identificadas: a vertente estratégica e a operacional, usualmente tratada como gestão de processos. No caso da administração pública, pode-se considerar que a vertente estratégica está relacionada ao desenvolvimento, que envolve os aspectos sociais, ambientais, econômicos e políticos, para que se alcance o desenvolvimento sustentável. Estando os aspectos sociais e políticos mais ligados ao âmbito da filosofia política, pode-se considerar que os aspectos ambientais e econômicos estão estreitamente relacionados à tecnologia.

Assim, o presente trabalho procura apresentar algumas contribuições colhidas na literatura, relativamente ao papel da tecnologia e da engenharia no processo de desenvolvimento. Como decorrência, está implícita a adoção de uma linha desenvolvimentista no que concerne à economia, adicionando-se também algumas considerações sobre a questão da tributação, face à necessidade de equacionamento da questão da fonte dos recursos para a implementação das políticas preconizadas, o que é feito por meio de considerações a respeito da questão tributária.

 Revoluções tecnológicas
A questão do desenvolvimento das nações é certamente uma das mais complexas que desafia o ser humano. Observando os diferentes estados de desenvolvimento atual dos países, pode-se verificar a ocorrência de diferentes graus de desenvolvimento, o que leva à natural indagação da origem desse fenômeno. Tratando-se de uma questão complexa, envolvendo aspectos sociais, ambientais, culturais, tecnológicos, econômicos e políticos, não é de se esperar explicações detalhadas. Entretanto, diversos estudos sobre o tema podem indicar algumas orientações para a compreensão adequada da questão.

De início, pode-se identificar alguns fatores que projetam luz sobre a questão. Neste sentido, Diamond (2011) apresenta uma valiosa análise, com bases em estudos históricos e arqueológicos em que se baseia a sua tese de que o clima e a geografia desempenharam papel importante no desenvolvimento, desde a Antiguidade até o século XV. Observa que, das Ilhas Britânicas ao Japão, encontram-se vastas planícies que gozam de clima temperado, sendo facilitado o contato entre essas regiões e, consequentemente, a disseminação do desenvolvimento tecnológico, este entendido em sentido amplo. A este respeito, cabe destacar que a tecnologia determina basicamente a estrutura do processo produtivo e influencia fortemente a organização social, como mostrado por Darcy Ribeiro (1999).

Desta forma, Diamond considera que, por volta de 1500, a Europa e a Ásia estavam aproximadamente no mesmo nível de desenvolvimento. Observa que, curiosamente, o Império Romano e o Chinês alcançaram graus de desenvolvimento semelhantes e coexistiram sem praticamente nenhum contato. Entretanto, considera que, na época dos grandes descobrimentos, a Ásia sem encontrava em pequena vantagem tecnológica, tanto que contribuiu com o desenvolvimento do Ocidente por meio da pólvora, da bússola e do papel.

O fator geográfico teria contribuído favoravelmente à Eurásia, dadas as áreas de planícies que facilitavam a disseminação de desenvolvimentos tecnológicos, tais como o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais. Situação diversa ocorreria desfavoravelmente às Américas e à África, tanto pelo fator clima, por envolverem regiões equatoriais e tropicais, como pelo fator geográfico, por meio dos obstáculos constituídos pelas montanhas, desertos e florestas. A este respeito, observa-se que o maior desenvolvimento nas Américas ocorreu em regiões montanhosas e mais frias, ressaltando o fator clima, como é o caso das civilizações astecas, maias e incas.

Entretanto, surge a dúvida: por que, a partir do século XV, o desenvolvimento se acelerou na Europa? Aí, a História mostra claramente que a cultura grega, que fora absorvida pelos romanos, foi preservada na Idade Média pelo Império Muçulmano, foi retomada na Europa no Renascimento, de forma que os europeus passaram a estudar os clássicos gregos e romanos, dando origem a uma nova fase diferenciada de desenvolvimento, envolvendo fatores culturais, científicos, tecnológicos, econômicos e políticos, destacando-se o desenvolvimento da ciência, que acarretou o surgimento da tecnologia moderna. Sumarizando, pode-se considerar que dois fatores foram predominantes: a tecnologia moderna, como decorrência do desenvolvimento da ciência, e a democracia, como desenvolvimento social e político, com base nas ideias dos filósofos gregos, o que levou à Revolução Francesa e à Revolução Industrial, eventos essenciais para a formação do mundo contemporâneo.

A análise de Diamond pode ser complementada pela de Darcy Ribeiro (1999), que faz uma ampla análise da questão da tecnologia, desde a mais remota Antiguidade, identificando que a Revolução Industrial constitui uma fase mais recente de uma série de revoluções tecnológicas pelas quais passou a humanidade. No estado mais primitivo, antes da Revolução Agrícola, que ocorreu devido ao desenvolvimento da agricultura e à domesticação de algumas espécies de animais, a subsistência humana era provida pela caça, pela pesca e pela coleta, que levava a uma vida nômade e na qual toda a natureza era um bem comum, não existindo a propriedade privada, surgida com a agricultura e a consequente sedentarização. De forma sumária, pode-se registrar que este autor identificou uma série de revoluções tecnológicas: Agrícola, da Irrigação, dos Metais, Pastoril, Comercial, Industrial e Termonuclear. Ressalte-se que esta última poderia ser hoje considerada como Revolução da Informação, mas sua base científica e tecnológica é a Física Quântica e a Eletrônica.

Com relação à Revolução Industrial, ela poderia ser considerada como compreendida por três etapas de um mesmo processo de desenvolvimento tecnológico:

  • Primeira Revolução Industrial – baseada ainda em tecnologias de base empírica, constituídas pela tecelagem mecânica, máquina a vapor, ferrovias e navios a vapor;
  • Segunda Revolução Industrial – esta de base científica, constituída pela eletricidade, química, petróleo, automóvel e avião;
  • Terceira Revolução Industrial – também de base científica, constituída pelo rádio, energia nuclear, automação industrial, televisão, telecomunicações, informática e aplicação generalizada da microeletrônica.
Observa-se, portanto, que, a partir da Segunda Revolução Industrial, a importância da pesquisa científica e tecnológica passou a ser fundamental para o desenvolvimento social e econômico. Considerando as análises de Diamond e de Darcy Ribeiro, não fica difícil constatar por que a Europa foi pioneira na Revolução Industrial, seguida pelos Estados Unidos e consequentemente tiveram um desenvolvimento econômico e social diferenciado.

Assim, verifica-se que, para os países menos desenvolvidos, é atualmente necessário um esforço específico em pesquisa científica e tecnológica, com vistas ao desenvolvimento econômico e social, uma vez que a eficácia e eficiência dos processos produtivos é fortemente dependente da tecnologia. Entretanto, cabe considerar que o processo tecnológico é um processo de aprendizagem, uma vez que, a rigor, tecnologia não se compra, nem se vende, tecnologia se desenvolve. Certamente, outras rotas de capacitação tecnológica, tais como o desempacotamento de tecnologias (engenharia reversa) e a transferência de tecnologia, podem ser usadas de forma complementar.

Como parâmetro para se avaliar o esforço de iniciativas de desenvolvimento científico e tecnológico, o indicador usualmente adotado é definido como o investimento anual em pesquisa e desenvolvimento, medido pelo percentual do PIB que ele representa. Destaca-se que, nos países mais desenvolvidos, este percentual está na faixa de 2% a 3%, estando o Brasil em torno de 1%, o que indica o esforço adicional necessário.

Com relação à tecnologia, verifica-se ainda a importância do papel das empresas genuinamente nacionais no desenvolvimento, em virtude de contribuir para a produção de produtos de maior valor agregado, por meio de um processo orgânico, sistêmico, para o aumento qualitativo e quantitativo do PIB, e também para o PIB per capita. A este respeito, em artigo relativamente recente, Ha-Joon Chang, economista coreano que é professor da Universidade de Cambridge, mostrou que, na década de 1960, o PIB do Brasil era maior do que o dos Tigres Asiáticos somados, sendo atualmente um percentual deste, o que ele atribuiu ao maior desenvolvimento tecnológico daqueles países.

É oportuno observar que o citado autor mostra (Chang 2015) que a economia não é uma ciência exata, mas, também de acordo com muitos outros autores, uma ciência social, não sendo similar às ciências naturais, particularmente à Física, que pode adotar uma visão positivista da realidade, na qual as teorias podem ser justificadas de forma objetiva, por meio da observação e da experimentação. Assim, como ciência social, a economia não pode ser mecanicista e reducionista, abrigando diferentes escolas de pensamento, como mostrado pelo autor. Portanto, não cabe em economia a afirmativa de Margareth Thatcher, de que “não há alternativa”.

Engenharia e desenvolvimento
A engenharia pode ser considerada como uma categoria específica de tecnologia, com características próprias que caracterizam o seu papel no desenvolvimento. Isto pelo fato de que as atividades de engenharia compreendem pesquisa e desenvolvimento, projeto, construção e montagem, operação, inspeção e manutenção, todas envolvendo a aplicação da ciência e da tecnologia. Neste sentido, um plano de desenvolvimento consistente deve contemplar a integração de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico ao desenvolvimento industrial.

Somente com esta integração é possível alcançar a autonomia tecnológica que permite o desenvolvimento local de produtos e processos, de forma a alcançar um perfil de PIB com grande conteúdo tecnológico e, consequentemente, de maior valor agregado. Desta forma, o objetivo do país não deve ser o de participar de forma secundária, de cadeias globais de produção, executando apenas tarefas de menor valor agregado, tais como fabricação de produtos com tecnologia e projeto estrangeiros.

A este respeito, cabe destacar o papel das empresas estatais, quando criadas de acordo com uma política desenvolvimentista, que deve incluir a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e engenharia. Neste caso, o exemplo da PETROBRÁS serve de referência, dado ter alcançado capacitação plena nas tecnologias e na engenharia do setor petróleo, servindo de referência para o país.

Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento tecnológico é imprescindível para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, no sentido de contribuir para a soberania do país, por meio do alcance de um PIB com maior valor agregado, o que, consequentemente, pode gerar mais recursos para os programas do governo, por meio do aumento de sua capacidade de investimento.

Tributação: necessidade de contribuir para o desenvolvimento e colher seus frutos
Na presente conjuntura, muito se fala sobre a necessidade de reforma tributária, o que é perfeitamente apropriado. Entretanto, pode-se observar que muitos equívocos são cometidos, principalmente no enfoque mais difundido pelos meios de comunicação. Serão feitas algumas considerações gerais sobre gestão, aliadas à consideração da estrutura tributária brasileira, comparativamente com a dos países mais desenvolvidos. Desta forma, procura-se identificar proposições sistêmicas, que possam abranger a atividade econômica com maior valor agregado e, consequentemente, a possibilidade de geração de maiores recursos para o governo.

Como ressaltado, o desenvolvimento que atenda às necessidades sociais, ambientais, econômicas e políticas, requer, como um instrumento de efetividade, o desenvolvimento tecnológico, para alcançar um nível de produção de maior valor agregado, para o que contribui de forma expressiva a engenharia, que faz a ligação entre a tecnologia e a produção.

Desta forma, a implementação de uma política de desenvolvimento tecnológico e industrial é imprescindível, sendo conveniente considerar que o sistema tributário pode contribuir tanto como causa, como efeito do desenvolvimento. Como causa, a tributação adequada pode contribuir de forma significativa para viabilizar o processo de desenvolvimento, reduzindo custos nas etapas adequadas do sistema produtivo, como também como efeito, contribuindo para o alcance de uma distribuição de renda mais equitativa.

Neste ponto, algumas análises disponíveis podem contribuir significativamente para a formulação da proposta de uma reforma tributária, consistente com um plano de desenvolvimento econômico, social e ambiental, ou seja, sustentável. Não é preciso ir muito longe para isto. Em recente artigo (Guedes 2018), é mostrada de forma bastante didática a inadequação da atual estrutura tributária brasileira. Considerando, de forma sintética, parte dos dados apresentados, são sumarizados na tabela abaixo alguns dados de três países, que permitem conclusões importantes, como detalhado no artigo.

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Claramente se verifica que a carga tributária como percentual do PIB não é um indicador adequado, uma vez que, se considerarmos que o objetivo final do processo produtivo/econômico é o bem-estar da população, o fator população deve ser levado em conta. Se considerarmos as variáveis PIB e população, os resultados são bem diferentes, como mostra o autor do artigo. Assim, considerando estas duas variáveis, não é possível dizer que o Brasil tem uma carga tributária maior que a dos Estados Unidos, como usualmente se propaga nos meios de comunicação. Por outro lado, tendo a Alemanha uma população menor e um PIB maior, ela apresenta o percentual do PIB maior do que o do Brasil. Entretanto, Estados Unidos e Alemanha apresentam uma capacidade de investimento per capita do governo significativamente maior do que a do Brasil, sendo cerca de cinco vezes a do Brasil. Considerando que melhorias de gestão não podem acarretar melhorias de desempenho desta ordem de grandeza, conclui-se que o Brasil não pode prover serviços públicos no mesmo nível do apresentado pelos países mais desenvolvidos, mantendo o atual sistema tributário.

Conclusões semelhantes podem ser obtidas a partir de dados de outros países mais desenvolvidos. Conforme dados disponíveis no sítio da The Heritage Foundation, relativos a 2014, Noruega, Estados Unidos, Suíça, Canadá e Áustria apresentaram PIB per capita anual na faixa de US$ 55.000 a 42.000 e carga tributária per capita anual (recursos do governo) na faixa de US$ 23.000 a 17.000. Assim, os países considerados mais desenvolvidos apresentam PIB per capita acima de US$ 20.000 e carga tributária per capita anual acima de US$ 10.000. Sendo o PIB per capitado Brasil da ordem de US$ 12.000 e a carga tributária per capita anual da ordem de US$ 3.000, conclui-se que é impossível o Brasil apresentar um nível de serviços públicos semelhantes ao dos países mais desenvolvidos, mantendo-se a atual estrutura tributária.

A respeito da questão tributária, Horta (2018) apresenta uma fecunda análise da questão tributária, destacando que “O nosso sistema tributário desempenha um papel perverso dessa paisagem de esmagamento do largo segmento mais pobre. Países mais desenvolvidos e menos desiguais tributam renda e riqueza maiores com alíquotas variadas crescentes. Trata-se da progressividade tributária. A forma mais usual da técnica progressiva é aplicar alíquotas maiores, à medida em que as bases de cálculo (de tributos) vão também se elevando. ”

Ao contrário da tributação direta progressiva, o Brasil adota a tributação regressiva, com base em falsas premissas, como criticado por Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, em “O preço da desigualdade”, como citado por Horta: “Presumia-se que essa redução (obs.: dos impostos para os mais ricos) criasse mais empregos e poupança,… Reagan prometeu que o efeito dos incentivos desses cortes seriam tão poderosos que as receitas fiscais aumentariam … mas a única coisa que aumentou foi o déficit”. No mesmo sentido, Horta cita o também Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman (https://www.nytimes.com/2014/08/08/opinion/paul-krugman-inequality-is-a-drag.html), que diz que “Ser generoso com os ricos e cruel com os pobres não é, ao que tudo indica, a chave para o crescimento econômico. Ao contrário, fazer a nossa economia mais justa faz ela mais rica”.

Conclui-se, portanto, que é urgente a realização de uma reforma tributária, porém diferente da que é difundida usualmente pelos meios de comunicação. Neste sentido, convém considerar, dentre outras análises similares, em especial as de Stiglitz e Krugman acima citadas, aquelas apresentadas por Horta (2018) e por Dowbor (2018), considerando que revelam que os países mais desenvolvidos adotam um sistema progressivo de tributação direta. Desta forma, em um sistema tributário progressivo, que taxa mais os que têm maior capacidade contributiva, é dado maior peso maior à tributação direta (sobre a renda) e menor à indireta (sobre o consumo), o que acarreta dois efeitos positivos: a redução de custos dos produtos e serviços, estimulando a demanda e aumentando os recursos do governo para prover melhores serviços públicos.

Referências bibliográficas
Chang, Ha-Joon. Economics: The User’s Guide. Bloomsbury Press, 2015

Diamond, Jared. Armas, germes e aço. Editora Record. Rio de Janeiro, 2011

Dowbor, Ladislau. O fim da farsa: o fluxo financeiro integrado. In: Souza, Jessé e Valim, Rafael. Resgatar o Brasil. Editora Contracorrente. São Paulo, 2018

Guedes, Odilon. O que interessa ao povo brasileiro? Le Monde Diplomatique Brasil. Setembro 2018

Horta, André. Imposto é coisa de pobre. In: Souza, Jessé e Valim, Rafael. Resgatar o Brasil. Editora Contracorrente. São Paulo, 2018

Ribeiro, Darcy. O processo civilizatório. Companhia das Letras. São Paulo, 1999

Souza, Jessé e Valim, Rafael. Resgatar o Brasil. Editora Contracorrente. São Paulo, 2018