O PL do novo Código Comercial e o Agronegócio
No fim de fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das ações que questionavam a constitucionalidade do Código Florestal. Uma das leis mais debatidas pelo Congresso Nacional e pela sociedade desde a Assembleia Nacional Constituinte se converteu em centro das discussões do agronegócio, sob uma falsa dicotomia entre ambientalistas e ruralistas. Reconhecida a constitucionalidade da lei, devemos refletir sobre o julgamento para questionar o impacto do judiciário para o futuro do agronegócio brasileiro.
A questão crucial em jogo na manutenção ou não do Código Florestal foi praticamente ignorada pelos Ministros. A Lei Florestal não se limita a estabelecer diretrizes para a proteção da natureza. Trata-se de uma legislação territorial, que disciplina o uso do solo por meio da definição de espaços protegidos, onde não é possível qualquer intervenção humana ou esta é extremamente limitada.
A ótica de eventual retrocesso em relação à legislação revogada e a falsa oposição entre ruralistas e ambientalistas, argumentos que nortearam os votos de muitos ministros, omitem questão fundamental e estratégica do Brasil: o planejamento da ocupação do vasto território continental, patrimônio fundamental da sociedade brasileira, rural e urbana.
As terras aráveis de dimensões continentais elevam a importância geopolítica do Brasil como promissor fornecedor de fibras naturais, energias renováveis e segurança alimentar do mundo. Assim, a sociedade não pode relegar a discussão do uso do seu território a uma oposição maniqueísta entre um direito de propriedade pleno, com livre uso do solo, e um direito de propriedade convertido em ônus de preservação, recuperação e responsabilidade integral pela vegetação natural.
Nos Países mais desenvolvidos, onde a ocupação do território já se consolidou, os vetores do direito agrário e ambiental se fazem no sentido de garantir uma ocupação sustentável, com utilização econômica das florestas nativas e maximização da exploração das terras aráveis. Nesses Países, as florestas nativas residuais são ativos de produção na construção civil, na indústria de fibras e de energia, não se convertendo em passivo do proprietário rural.
Diferente do que ocorre no Brasil, não há espaço arável em que se abdique de produzir, ainda que se firme como imperativo a produção com sustentabilidade. O Código Florestal e o Supremo Tribunal Federal, infelizmente, mantêm uma visão romântica do meio ambiente, opondo seres humanos ao meio ambiente natural, impondo aos titulares de direito obrigações de responsabilidade integral pelos seus atos e pelos atos da natureza, como se tudo que estivesse nos limites de sua propriedade estivesse sob o seu domínio.
É preciso reconhecer que a definição do uso territorial não pode se basear apenas em regras de responsabilidade, alheias à realidade dinâmica da sociedade. A agropecuária implica na coordenação dinâmica entre a agrobiologia das plantas, dos animais e do ambiente de produção com o interesse econômico da produção de alimentos, fibras e energia. A sustentabilidade não é um imperativo retórico ou legal, mas uma questão de sobrevivência, de permanência do agronegócio no longo prazo. Impedir, de modo estrito e incondicional, a realização de atividades agrissilvipastoris em parcelas relevantes do território brasileiro é uma fatalidade que atenta aos interesses da soberania brasileira, prejudicando a população como um todo, especialmente aquela menos favorecida econômica e socialmente.
A legislação atual tem imposto à população brasileira o ônus de limitar o uso de 65% do território nacional. Ou seja, apenas 35% das nossas terras estão disponíveis para a população, que deverá financiar a manutenção de todo patrimônio territorial do Brasil. Trata-se de evidente exagero, se considerada a situação do restante dos Países do mundo e os custos envolvidos com a gestão territorial de áreas inabitadas e improdutivas.
Os formuladores de políticas públicas devem repensar a política territorial do Brasil alicerçada no Código Florestal, buscando melhor equilíbrio. De nada adiantará esse esforço, no entanto, se os guardiões do nosso ambiente institucional se mantiverem fiéis aos seus próprios e herméticos princípios, sem se atentar aos resultados práticos de suas decisões, especialmente no que se refere ao agronegócio.
Incumbe ao sistema jurídico perceber que a atividade agropecuária necessita de uma atenção diferenciada, pois estabelece uma relação singular entre território, natureza e interesse econômico. Trata-se de uma atividade com ciclos longos e irreversíveis, cuja realidade não pode se curvar à intenção retórica dos textos jurídicos elaborados por quem não conhece a realidade do campo. Os jurisconsultos é que devem curvar-se ao fato técnico da agropecuária e estabelecer um ambiente normativo capaz de dar segurança jurídica à realização dos ciclos agrobiológicos no ambiente natural.
Nina Chaim Meloni* - Advogada Especialista em Direito Ambiental; e Francisco de Godoy Bueno, sócio do Bueno, Mesquita e Advogados; e Vice-Presidente da Sociedade Rural Brasileira