MP altera marco legal do saneamento básico
A Medida Provisória (MP) 868/18, em análise no Congresso Nacional, reformula o marco legal do setor de saneamento básico. A principal mudança na legislação é a previsão de que a Agência Nacional de Águas (ANA) atuará como reguladora dos serviços públicos de saneamento básico, que abrange as atividades de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana.
A proposta facilita a privatização de empresas públicas de saneamento básico, estimula a competitividade no setor e obriga o pagamento de tarifas mesmo sem conexão ao serviço de água e esgoto.
O texto, assinado nos últimos dias do governo de Michel Temer pelo então ministro das Cidades, Alexandre Baldy, modifica as leis 9.984/00, 10.768/03, 11.445/07 e 13.529/17, que tratam do assunto. A proposta é semelhante à MP 844/18, que perdeu a vigência em 19 de novembro.
Até a edição da MP, a ANA era responsável pela regulação do acesso e uso dos recursos hídricos de domínio da União, como rios que passam por mais de um estado. As diretrizes nacionais do saneamento básico, que agora serão assumidas pela agência, estavam a cargo do Ministério das Cidades, que no governo de Jair Bolsonaro foi incorporado ao Ministério de Desenvolvimento Regional.
De acordo com a matéria, as normas de referência tratarão dos padrões de qualidade e eficiência dos serviços de saneamento básico; da regulação tarifária; da padronização dos instrumentos negociais entre o titular do serviço público (município) e a empresa concessionária; dos critérios para os procedimentos contábeis para as concessionárias (contabilidade regulatória) e a redução da perda de água.
Condição
Os municípios e o Distrito Federal, a quem cabe a titularidade dos serviços de saneamento, não serão obrigados a cumprir as diretrizes da ANA. O texto, porém, prevê um incentivo ao cumprimento das resoluções da agência: os recursos públicos federais para o setor somente serão disponibilizados aos entes que obedecerem às normas regulatórias emitidas pela agência. A única exceção é para os investimentos federais em áreas rurais, comunidades tradicionais e áreas indígenas, que independerão do atendimento às diretrizes regulatórias nacionais.
A MP 868 cria ainda o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), com a função de promover a coordenação das ações de órgãos federais na alocação dos recursos destinados ao saneamento básico e na implementação da política federal do setor.
Consórcios
Outro ponto tratado pela MP é a adequação das regras de consórcios públicos ao setor de saneamento. A Lei 11.107/05 traz regras gerais para os entes federados se associarem, porém algumas dessas normas foram consideradas inadequadas pelo governo passado, como a dispensa de licitação para a celebração de contratos de programa, o que reduziu a concorrência no setor.
O texto também estabelece a possibilidade de participação em fundo de universalização do saneamento. Os recursos inicialmente serão investidos na elaboração de projetos executivos, permitindo que mais municípios possam se beneficiar desses serviços.
Por fim, a MP inclui no escopo das ações públicas de saneamento a ampliação dos serviços nos assentamentos urbanos irregulares e consolidados ocupados por população de baixa renda. Argumenta-se que a desocupação dessas áreas é difícil e que, portanto, os serviços de saneamento trarão maiores retornos sociais e econômicos.
Acesso a saneamento
O argumento do governo passado ao apresentar a medida é que a população brasileira ainda enfrenta graves problemas de acesso aos serviços públicos de saneamento básico. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento Básico (SNIS), o índice de tratamento do esgoto coletado no Brasil não ultrapassa os 44,9%.
“Não se pode conviver com 35 milhões de brasileiros sem acesso a água de qualidade, 104 milhões sem esgoto tratado adequadamente, em um país considerado a nona economia do mundo e subjugada à 123º posição no ranking mundial de serviços públicos de saneamento ambiental”, afirma Baldy, na justificativa da medida provisória.
Conforme o então ministro, seriam necessários investimentos superiores a R$ 22 bilhões por ano até 2033, para universalizar a cobertura de água e esgoto em todo o território e evitar a morte prematura de mais de 15 mil pessoas por ano por doenças de veiculação hídrica ou causadas pela ausência de saneamento.
O texto lembra ainda o cancelamento, entre 2007 e a data de edição da MP, de 160 contratos, no valor de R$ 3,5 bilhões do Orçamento Geral da União, somente no Ministério das Cidades, porque os estados e as concessionárias públicas não conseguiram executar os empreendimentos previstos, basicamente obras de saneamento ou elaboração de projetos executivos de engenharia.
Tramitação
A MP 868/18 será analisada primeiramente em uma comissão mista. Depois, o relatório aprovado seguirá para votação nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado.