Frustração, mesmo, só para quem apostava que o leilão de Libra seria um fracasso por causa da desconfiança de duas ou três das mais “notáveis” multinacionais do petróleo em relação à funcionalidade do modelo imaginado para a exploração das reservas do pré-sal no litoral brasileiro. A ilusão foi pensar que o governo não tinha consciência clara de que poderia haver predominância de empresas de propriedade estatal interessadas na parceria com a Petrobras, sem que isso significasse excluir as demais gigantes de capital privado, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total. Ambas estão entre as seis maiores produtoras mundiais de óleo e gás e formaram o consórcio para explorar Libra com a gigante estatal Petrobras e as chinesas China National Offshore Oil Corporation (Cnooc) e China National Petroleum Corporation (CNPC). Shell e Total dispensam apresentações ao leitor brasileiro, a primeira com mais de um século em nosso mercado de combustíveis, produzindo por dia em suas operações mundiais cerca de 3 milhões de barris de óleo equivalente. A Shell já possui atividades em blocos de exploração na Bacia de Campos e é parceira da gigante nacional Cosan na Raízen Combustíveis, operadora de uma rede de postos de serviço (gasolina, etanol, lubrificantes etc.). A francesa Total é também uma operadora mundial de grande porte, com produção diária de 2,2 milhões de barris em diversos continentes, com experiência inclusive na extração de petróleo em águas ultraprofundas na costa oeste do continente africano. Participa igualmente da exploração na costa brasileira, em associação com outras empresas internacionais. A estatal Cnooc é outra petroleira gigante, com 70% do capital pertencente ao governo chinês, com a extração diária de 500 mil barris de petróleo em operações em meia dúzia de países da África e na Indonésia, Austrália e Iraque. E, finalmente, a quarta parceira do consórcio liderado pela Petrobras, a também estatal CNPC, é outra gigante com operações em 30 países, dentre os quais Rússia, Irã, Argélia, Canadá e, em nosso continente, Peru, Venezuela e Equador. Mais da metade de sua produção de óleo e gás é no próprio território chinês. O governo festejou o resultado do leilão e a composição do consórcio, o qual, avalia a presidenta Dilma Rousseff, “somou empresas de alta tecnologia, com visões de longo prazo e capacidade financeira, três elementos fundamentais para o sucesso da exploração do pré-sal”. De quebra, derrotou a visão pessimista segundo a qual prevaleceria entre os investidores estrangeiros uma enorme desconfiança diante do excesso de intervencionismo permitido pelo modelo brasileiro. O governo sabia que os chineses queriam participar porque é do interesse deles comprar a garantia do suprimento de petróleo pelos próximos anos. Não havia nenhuma razão para mudanças no edital pela conveniência de atrair o maior número de participantes ao leilão, porque o modelo não foi feito para estimular a competitividade. Igualmente não prevaleceram as dúvidas atribuídas a competidores estrangeiros sobre a ingerência dos administradores da Pré-Sal Petróleo S.A. na execução dos contratos no regime de partilha da produção. Essa nova empresa que vai gerir os contratos está nas mãos de gente séria, profissionais de competência provada durante muitos anos, no próprio setor. Nas palavras do diretor-geral da operação brasileira da Total, Denis Besset, em entrevista ao Valor na terça-feira 22, “foi fundamental a escolha do presidente e todos os diretores da PPSA porque são profissionais que conhecem esse tipo de trabalho, não são pessoas que vão manejar isso politicamente”. Há quem ache que o gerenciamento da exploração poderia ser muito mais simples, mas o governo tinha razão em mudar o regime, pois o pré-sal não é propriedade da Petrobras, mas um patrimônio de toda a sociedade brasileira, no presente e no futuro. Às vezes assusta a ideia de mudar um regime que estava funcionando muito bem. Talvez por isso a criação dessa empresa eventualmente contribuiu para afastar potenciais concorrentes ao leilão, o que não impediu o seu sucesso. |