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Em harmonia com o meio ambiente

Marilena Dêgelo - Revista Casa e Jardim - 20 de março de 2014 2399 Visualizações
 Em harmonia com o meio ambiente
 
(Ilustração: Yumi Shimada)
2014 deve ser o ano da sustentabilidade no país. A partir de agosto, passa a vigorar a lei sobre os resíduos sólidos, que obrigará as empresas a dar um destino para as sobras dos materiais industriais que não seja poluir nossos rios e solo. No mesmo mês, a Green Building Council – GBC Brasil lançará o selo Leed referencial para casas. Para isso, a organização acompanha dez obras residenciais em várias regiões do Brasil. Cada uma segue processo construtivo diferente, de acordo com o clima e os recursos disponíveis no local.
Para a certificação das casas, os técnicos consideram três fatores. Um deles é a menor geração de resíduos na obra. Nesse item, pontuam a favor do projeto o reúso de peças, como esquadrias antigas, madeiras e tijolos de demolição. Outra questão é a procedência dos materiais: devem ser extraídos, processados e manufaturados no raio de 1 mil km da construção. “Em vez de usar aço de jazidas do Pará, é preciso buscar alternativa regional para estrutura, como madeira certificada ou bloco de concreto, que não passa por queima como o cerâmico”, diz a arquiteta Maria Carolina Fujihara, do GBC Brasil, que acompanha as obras.
Por último, a organização estimula o emprego de produtos recicláveis, não contaminantes e com conteúdo de materiais reciclados pós-consumo, como tubos de pasta de dente, ou pré-consumo: restos industriais de alumínio. “O selo Leed considera um conjunto de práticas que somam pontos de acordo com o percentual desses itens no custo total da obra”, explica Maria Carolina. Ela calcula que a casa sustentável fique entre 1% e 7% mais cara do que uma convencional, dependendo do sistema construtivo e dos acabamentos. “Com o aumento de produtos ecológicos e do número de fabricantes, a diferença deve ser cada vez menor.”
Além de buscar materiais de fontes renováveis com certificação, recicláveis e de reciclagem, a arquiteta Tânia Regina Parma, do escritório Gesto, adota soluções que geram iluminação e ventilação naturais. “Protegemos as fachadas da insolação direta para reduzir a necessidade de controle artificial da temperatura interna e especificamos isolante proveniente de reciclagem de garrafas PET para o miolo da parede de drywall”, diz.
O arquiteto Gustavo Calazans defende o uso de materiais duráveis e que não gastem muita água e energia na produção. “Pela lei de resíduos sólidos, a indústria deve mandar o lixo para usina ou outra empresa reaproveitar. O problema é que o processo industrial gera gás carbônico, como na transformação de garrafas PET em pastilhas”, diz. Ele é a favor da instalação de teto verde, que abaixa em 5% a temperatura dentro da casa. Já o arquiteto Rogério Shibata, do estúdio Casacinco, de Curitiba, procura usar mais os materiais locais. “Temos de pensar que o trajeto longo do cimento até a obra interfere no meio ambiente”, afirma. 

Estruturas
Metálica e obra seca
Atualmente, tem sido muito difundido o sistema de construção seca, que usa a estrutura de perfis de aço (steel frame) ou de madeira (wood frame) com lajes (teto e piso), paredes externas e internas feitos com placas estruturais de OSB. “Na obra de steel frame, o aço recomendado é o que possui maior conteúdo de reciclados, que varia de 50% a 90%, com a mesma resistência e as mesmas propriedades finais”, alerta Maria Carolina. Segundo a arquiteta, a estrutura metálica causa menos impacto ambiental porque tem zero desperdício de materiais. As peças de aço são pré-fabricadas e chegam prontas na obra.
O mesmo acontece com as paredes feitas de placa de OSB e cimentícia, de 1,50 cm a 2 cm por fora, recheio de um isolante termoacústico, e uma placa de drywall dentro. Com material e mão de obra, a casa construída pela empresa Lacerda Steel Frame fica em cerca de R$ 1.300 o m². “A obra seca inclui paredes externas de 13 cm e internas de 11 cm, além das lajes. Todo o material é pré-moldado, inclusive as vigas ou os perfis de aço galvanizado para a estrutura”, explica o empresário Thiago Lacerda. A marca Organum também fornece materiais para obra seca com selo sustentável, como os painéis Ecoplac, para o fechamento de paredes, e o Forroplac, para teto, ambos feitos de resíduos plásticos: como embalagens Tetra Pak, EVA (etil-vinil-acetato), cargas vegetais e minerais.

Madeira certificada e bambu
Na construção de casas com estrutura e paredes de madeira, é importante verificar se o material possui a certificação DOF – Documentação de Origem Florestal para os processos de extração, transporte, estoque e produção. “As madeiras mais sustentáveis são o pínus, o eucalipto e o bambu, cujas árvores demoram menos de cinco anos para ficarem adultas”, diz Maria Carolina. A estrutura de bambu é mais cara do que a de eucalipto por conta da montagem: custa 50% a mais porque precisa de preenchimento com concreto e de mão de obra especializada. “O material pode ficar 1/3 mais barato se aumentar a escala de produção no país”, diz o engenheiro agrônomo Danilo Candia, sócio-diretor da Bambu Carbono Zero. Na empresa, a estrutura sai por R$ 600 a 800 o m², dependendo do tipo de telhado e do tamanho do vão. “Se a cobertura for leve, como a de policarbonato, cai para R$ 400 a 500 o m²”, afirma o empresário.

Concreto armado ou pré-moldado
O movimento modernista na arquitetura, em meados do século passado, levou as estruturas de concreto para a construção de casas, principalmente em função da plasticidade do material. Mas o cimento, elemento que o compõe, é em si poluente. “Hoje, existem materiais agregados que o tornam sustentável”, diz Rogério. O cimento indicado é o CP III, que tem resíduos do alto forno incorporados à sua produção. Costuma ser mais barato do que os outros. Na estrutura de concreto com armação de aço, o ideal é misturar esse cimento à brita e à areia reciclada, segundo Maria Carolina. Melhor ainda se for empregada na obra a estrutura de concreto pré-fabricado, que resulta em menos desperdício de material e de resíduos. “A estrutura moldada in loco é considerada sustentável se feita com forma de madeira plástica, que dura mais. A de OSB só pode ser usada duas vezes”, afirma ela.

Tijolo ecológico 
Feito à base de terra híbrida (70% de areia e 30% de argila) e cimento, sem passar por queima e forno, o tijolo modular de solo-cimento, da Construvan, é mais caro do que o convencional. Em compensação, a alvenaria não precisa de reboco, o que acrescentaria R$ 50 a mais no custo da parede pronta. O preço de 45 peças ou do m² de uma parede é de R$ 61,50 o m², sem o frete nos casos em que a obra é em São Paulo. Outra vantagem: as peças podem substituir a caixa de madeira na confecção de vigas de concreto, que ficam embutidas na parede para apoiar as lajes.

Conforto térmico
Iluminação e ventilação natural
O pé-direito alto, os grandes vãos e a posição correta das janelas podem garantir melhor entrada de luz e ventilação natural na casa, o que leva à economia de energia elétrica. O ideal é fechar a fachada com vidros, que pedem a colocação de brises para diminuir a insolação maior. Há ainda a opção de utilizar vidro com controle solar, como o modelo ClimaGuard Light de 8 mm, da Guardian, que custa R$ 69,05 o m². O produto reduz em até 64% a incidência de calor na área interna, segundo a empresa.
Para as esquadrias das janelas, o alumínio é boa solução por ser material 100% reciclável, mas não é eficiente no isolamento termoacústico. Nesse caso, o PVC (policloreto de vinila), que possui conteúdo contaminante, é melhor. Já a madeira, que precisa ser certificada, não tem longa durabilidade.
Outra sugestão para economizar energia elétrica é a iluminação zenital, que pode ser obtida com telhas transparentes na cobertura. Embora seja de material malvisto pelos ambientalistas, há a telha translúcida de PVC, da Fortlev e da Braskem, que é reciclável.

Paredes eficientes
Bastante usada nos Estados Unidos, a parede feita de painel EPS (poliestireno expandido) entre tramas de ferro galvanizado preenchidas de argamassa na obra tem função estrutural, dispensando vigas e pilares. Entusiasta desta tecnologia, a engenheira civil Lourdes Cristina Printes, diretora da construtora LCP, explica que o painel em treliça de ferro com espaçamento de 15 cm resiste a 40 toneladas. Deitada, a placa é usada nas lajes. Dá isolamento acústico de 40 decibéis por face e permite a passagem de somente 0,04 kg/caloria por m² com 2,50 cm de argamassa nas duas faces. “Isso deixa a parede eficiente: no verão, dispensa o ar-condicionado e, no inverno, mantém a temperatura interna”, diz Lourdes. “Reciclável, é um material amigo da natureza. Não produz lixo na obra. É rápido: em 30 dias construo 100 m².” Além disso, reduz o custo da obra em 15% a 20% em relação às técnicas convencionais, segundo a engenheira. O m² do painel, sem argamassa, sai entre R$ 110 e R$ 130. A construção completa fica em R$ 1.900 o m², sem os acabamentos e revestimentos.

Teto verde
No lugar do telhado tradicional, a instalação de jardim na cobertura da casa proporciona conforto termoacústico dentro dela. Isso reduz o uso de aparelho de ar-condicionado, o que leva à economia de energia elétrica. A Ecotelhado vende o Telhado Verde com preço que varia de R$ 50 (sem vegetação) a R$ 150 o m² (com vegetação), dependendo do sistema, instalação e tipo de plantas. Para laje plana, a empresa oferece o Telhado Verde Laminar, com cisterna própria para captar a água de chuva, que custa R$ 190 o m², com a vegetação.

Cobertura termoacústica 
Nas casas modernas, as coberturas planas ou curvas, geralmente, são de placas metálicas com manta isolante, como a da marca alemã Alwitra. Outro material usado para o recheio é o EPS. “Nossa principal preocupação é com os materiais contaminantes desses isolantes, como a lã de vidro, que é tóxica, o PVC e os plásticos”, explica Maria Carolina. “Preferimos o preenchimento com embalagem PET reciclada ou papel.” Como solução termoacústica, o Green Building Council recomenda mesmo o telhado branco, que reflete a luz solar e reduz o calor interno, além do teto verde.

Telhas ecológicas
Feitas a partir da reciclagem do plástico e do alumínio que compõem os tubos de pasta de dente, as telhas, da Ecotop, são mais caras do que as convencionais de cerâmica ou PVC, mas apresentam como vantagem a redução do calor em 30% a 40%, além de serem mais leves e duráveis. A peça de 0,90 x 2,20 m com 6 mm de espessura custa R$ 40,60. Para a parede, há placa de 2,20 x 1 m com 4 mm a 15 mm de espessura. A mais grossa sai por R$ 95,20.  

Soluções autossuficientes
Aquecimento de água
Nas casas antigas, a água era aquecida em serpentina de ferro colocada no fogão a lenha. Prática ainda recomendada para economizar energia elétrica nas zonas rurais. Mas, atualmente, está mais acessível o aquecimento de água por placas receptoras de energia solar instaladas sobre o telhado. A Aquatherm, por exemplo, tem sistemas com várias dimensões: placa de 1 m² a 2 m² e reservatório térmico com capacidade de 200 a 1 mil litros. No programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, as casas recebem duas placas de 2 m² e reservatório térmico de 200 litros ao custo de R$ 1.500 a R$ 2 mil, incluída a instalação e a manutenção. O valor varia de acordo com a região do país. Na Soletrol, o sistema para uma casa com quatro pessoas, dois banheiros e um ponto de água quente na cozinha tem reservatório de 400 litros e quatro placas de 1,60 m². O preço de R$ 3.536 não inclui instalação, material de montagem e manutenção.

Energia eólica
Outra forma de geração de energia limpa renovável é o sistema eólico. Já existe hélice caseira que produz eletricidade armazenável. Segundo o engenheiro Luiz Cesar Pereira, diretor da Enersud, fábrica de aerogeradores, há turbinas com eixo horizontal indicadas para zonas rurais e litorâneas e, com eixo vertical, recomendadas para zonas urbanas, porque são instaladas em torre baixa. “Elas produzem acima de 240 kW/h por mês, consumo de uma casa pequena. A energia pode ser acumulada em bateria ou conectada à rede elétrica pública, fazendo o relógio rodar ao contrário para o morador recebê-la de volta quando precisar”, explica Luiz Cesar. Uma turbina fabricada por sua empresa custa R$ 14 mil. Para ser conectada à rede precisa de um inversor que, por ser importado, tem valor de R$ 10 mil. Uma bateria sai em torno de R$ 1 mil e pode ser usada para guardar a energia gerada pelos painéis solares. “É bom associar uma turbina e uma placa solar porque, quando o sol é fraco, venta muito”, diz o engenheiro.

Armazenamento da água
A partir de simples calhas colocadas junto ao beiral do telhado, é possível conduzir a água da chuva até uma cisterna subterrânea. Hoje, nem é mais preciso construir uma de alvenaria. Há modelos de polietileno da marca Fortlev com capacidade de 5 mil litros que custam R$ 2.843, na Leroy Merlin. Na mesma loja, o modelo de material similar da marca Acqualimp, com capacidade de 10 mil litros, sai por R$ 6.799. Além da cisterna, é preciso instalar bomba, canos, torneira e mangueira para a irrigação do jardim.
Rogério Shibata estima investimento extra na obra de R$ 1.200 para o uso da água na irrigação de jardim. Para toda a rede hidráulica da casa, o custo é maior.
“É necessário aumentar o reservatório e criar sistema de tubulação paralelo, que fica entre R$ 4 mil e R$ 6 mil”, diz. “Em uma casa de 200 m², concluída há cinco anos, com o uso da água de chuva nos sanitários, no jardim e na calçada, o gasto mensal caiu para o mínimo cobrado pela empresa de abastecimento.”
Há ainda a possibilidade de reuso da água da pia, conduzindo o líquido através de canos direto para caixa de descarga de sanitários A Ecotelhado tem sistema integrado com biodigestor para tratamento da água de esgoto, que depois é bombeada até a cisterna do teto verde. O valor é de R$ 250 o m².