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Descoberto complexo de produção de cal utilizada na construção de Beja

Carlos Dias - Público - 20 de março de 2014 1579 Visualizações
 Descoberto complexo de produção de cal utilizada na construção de Beja
Arqueólogos admitem que o achado não tem paralelo na Península Ibérica e lamentam que a EDIA não aceite o alargamento da área de investigação para interpretar o contexto que ficará submerso.
Fez-se finalmente luz sobre o mistério da construção da cidade romana Pax Julia, que deu origem a Beja. Os arqueólogos descobriram a cerca de 15 quilómetros da capital do Baixo Alentejo os fornos nos quais, ao que tudo indica, se transformou no século I D.C, a pedra em cal.
A identificação do local, no Monte do Magra, freguesia de Baleizão, foi feita por uma equipa de arqueólogos da empresa ERA em Agosto de 2013, cerca de 18 meses após ter sido descoberto no centro histórico de Beja, um conjunto de edifícios, entre eles um templo religioso, que integrava o fórum romano de Pax Julia.
O arqueólogo Carlos Fabião já se deslocou ao sítio arqueológico, situado a cerca de 15 quilómetros da capital baixo alentejana, onde foram encontrados vários fornos romanos de onde saiu o material que contribuiu para o nascimento de Pax Julia. Nesta importante cidade funcionava o Conventus Pacensis que administrava uma das regiões que constituíam a Lusitânia naquela época. O mais interessante que se extrai daquela descoberta, explicou ao PÚBLICO, é que a estrutura funcionou durante o século I D.C, quando se iniciou a fundação da cidade romana.
“Até aqui perguntávamos onde é que se fez e onde se foi buscar” a cal para a sua construção. “Agora podemos dizer: é aqui”, assinala Carlos Fabião, dando conta de como ficou “impressionado” não só pela quantidade de fornos mas também pela dimensão de cada um deles. Embora tenham tamanhos distintos, rondarão os três metros por quatro.
O novo sítio arqueológico foi localizado na base de uma pequena encosta, nas proximidades de uma ribeira, no local onde vai ser erguida a barragem do Magra que faz parte do sub-sistema de rega do Pedrogão, uma obra a cargo da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA).
Os trabalhos de escavação já executados expuseram a mancha geológica que forneceu a matéria-prima para a produção de cal, alguns dos fornos onde se processou a transformação da pedra, as respectivas áreas de trabalho e locais de despejo de resíduos.
A arqueóloga Lúcia Miguel, directora científica das escavações no Monte do Magra, explicou que “aos fornos estavam associados poços onde era guardada a cal que era coberta com uma película de água para que não solidificasse”.
Embora não seja possível datar com precisão, admite-se que a actividade no local tenha sido iniciada na década de 20 do século I e terá prosseguido ao longo de 30 a 40 anos.
“Encontrámos pisos que pareciam betão”, refere Lúcia Miguel descrevendo o ambiente de trabalho que se presume que tenha sido, pelos testemunhos arqueológicos recolhidos, “muito doloroso” para os trabalhadores da época que terão suportado “temperaturas altíssimas no Verão”. Vêem-se ainda as marcas da queima e as paredes de pedra calcinadas e ainda restos de lenha e folhas de oliveira que alimentavam os fornos.
Foram encontradas talhas grandes com cal que era utilizado para estuque. Este material misturado com areia, pedra e materiais de cerâmica dava origem ao que se chamava na época o Opus Caementicium, o cimento dos romanos. Com este construíam-se os pisos dos edifícios, que depois eram cobertos com blocos de mármore vindos da pedreira de Trigaches, nas proximidades de Beja, e que ainda hoje existe.
Não foi encontrado nenhum complexo de produção de cal semelhante ao localizado em Baleizão “o que não quer dizer que não encontramos por aí outros iguais”, admite a arqueóloga.