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Lei dos Portos sem retrocessos

Fonte: Monitor Mercantil - 21 de maio de 2014 1314 Visualizações
 Lei dos Portos sem retrocessos
A nova Lei dos Portos, promulgada em 5 de junho do ano passado, poderá de fato dar impulso à modernização do setor, com reflexos positivos em toda a infra-estrutura logística brasileira, como pretende o governo, desde que não sejam estabelecidas regras complementares, de caráter infralegal, que reintroduzam obstáculos aos investimentos que tanto tempo se levou para afastar. A advertência é oportuna porque, após darmos um passo à frente, corremos o risco de esbarrar num ativismo administrativo que pode comprometer o esforço de reestruturação empreendido até aqui.
Um exemplo do retrocesso está na Portaria número 110 da Secretaria Especial dos Portos (SEP), que ressuscita um tipo de restrição que a própria Lei 12.815 havia oportunamente eliminado. Publicada no Diário Oficial da União de 5 de agosto, ou seja, imediatamente após a promulgação da nova legislação, a portaria proíbe a expansão das instalações localizadas dentro dos portos públicos. Além disso, limita a 25% a ampliação dos terminais de uso privado – os chamados TUPs, fora da área dos portos públicos.
Se o objetivo maior da nova lei é estimular o desenvolvimento do setor, com a ampliação da oferta num mercado concorrencial, atraindo recursos por conta e risco dos investidores, é difícil entender de que forma a referida portaria pode contribuir para que o alcancemos.
Na verdade, mesmo reconhecendo o importante papel da SEP como poder concedente que lhe foi atribuído pelo novo marco regulatório, a regra infralegal provoca ainda maior estranheza. Uma portaria não pode criar regra restritiva que vá além dos limites previstos na Lei. No caso em questão, a norma restritiva não apenas ultrapassa os limites da Lei como está na sua contramão, ao restringir investimentos no momento em que o país mais precisa deles.
Isso por si só cria um problema adicional, de ordem jurídica, mas com efeitos deletérios na esfera econômica, pois, se a nova lei visava a prevenir conflitos e dar segurança jurídica àqueles que operam e investem no setor (bem como aos aspirantes a tanto), a portaria potencializa o cenário inverso, com campo fértil para inúmeros conflitos.
Os problemas do novo ambiente regulatório não param aí. Também nos novos editais de licitação dos terminais há exigências que precisam ser eliminadas. Entre elas os altos valores a serem pagos pelas garantias da proposta e do contrato sobre o valor geral do arrendamento, bem como as elevadas penalidades por cancelamento de projeto.
Aqui é preciso fazer um parêntese. Na questão da mão-de-obra, a própria nova Lei dos Portos retrocedeu-se na medida em que estendeu um modelo anacrônico e que, desde 1993, era restrito à estiva (movimentação de carga a bordo), ao trabalho em terra. Refiro-me à obrigatoriedade, nos terminais arrendados, de contratação de trabalhadores via monopólio do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), e não livremente pela CLT, como ocorre em todos os segmentos da economia, inclusive nos terminais portuários privados.
Cerca de 40 mil trabalhadores encontram-se nessa situação, em contraste com os 41,2 milhões de brasileiros que têm carteira assinada. Sem vínculo empregatício com os operadores portuários, pois são autônomos cadastrados nos OGMOs, eles não podem ser treinados, alocados ou mobilizados de acordo com critérios de eficiência e produtividade. Evidentemente, ao manter o anacronismo nos terminais arrendados e ainda estendê-lo ao trabalho em terra, nessas áreas, a nova Lei gerou uma assimetria com os terminais privativos, que estão livres para contratar e seu pessoal via CLT. Assimetria regulatória provoca insegurança jurídica.
Mas, a despeito da questão da mão-de-obra, a Lei 12.815 representou um grande avanço em todos os seus outros aspectos. E, por essa razão, não devemos permitir os retrocessos por meio das normas suplementares. O governo, e aí incluídos todos os seus organismos com inferência no setor, em especial a SEP, reviu regras e parâmetros de operação cristalizados que constituíam inegáveis fatores de ineficiência, já que impediam a ampla concorrência indispensável ao desenvolvimento portuário.
Durante o trâmite legislativo até a sua aprovação final, não foram poucas as tentativas de introduzir no texto da Lei 12.815 mecanismos que representariam a manutenção de um arcabouço ineficiente. Entre os dispositivos restritivos que o governo soube repelir estava o conceito de terminal-indústria, que retomava a distinção entre carga própria e de terceiros, representando, desta forma, uma barreira à ampla abertura na medida em que restringiria a operação dos terminais privados.
Da mesma forma, rechaçou a proibição para que empresas de navegação operassem terminais. Ora, se o que se pretende é atrair investimentos, e as empresas de navegação operam alguns dos terminais mais competitivos do mundo, em ambiente de aberta e saudável disputa, estava claro que a regra era contrária aos interesses do país.
Na sequência do marco regulatório, o governo também acertou ao disciplinar a renovação e a prorrogação dos contratos dos terminais arrendados, não permitindo o gatilho automático que comprometeria a ampla concorrência e por extensão um volume maior de investimentos.
Nas estimativas mais otimistas, a necessidade de investimentos no setor é de R$ 45 bilhões, no médio prazo. Os gargalos são notórios. No Porto de Santos, maior da América Latina, navios chegam a esperar dias para atracar, gerando custos que se propagam por toda a cadeia produtiva nacional. Com essa estrutura ineficiente, nenhuma economia consegue ser competitiva e conquistar mercados.
A nova Lei dos Portos tem chances de reverter este quadro. Somente com os 50 empreendimentos previstos no primeiro pacote de novos investimentos, espera-se atrair mais de R$ 15 bilhões. Concretizados, esses investimentos representariam mais 105 milhões de toneladas em capacidade operacional, o equivalente a aproximadamente 15% do que movimentamos hoje em todos os nossos portos.
Novas levas de investimentos virão na sequência – um grande estímulo ao desenvolvimento do país. Mas, para que as previsões se confirmem, precisamos eliminar entraves infralegais como os mencionados acima. Não podemos mais retroceder.