Rose Hofmann
Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)
No artigo “Futuro da Amazônia nas mãos do STF” (29.mar.21), publicado nesta Folha, é colocada nas mãos do STF a responsabilidade de decidir sobre a “construção ou não da devastadora Ferrogrão”. O texto se refere à ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6.553, que tem como objeto a análise da constitucionalidade da medida provisória 758/2016, que alterou os limites do Parque Nacional (Parna) do Jamanxim. Segundo o autor do artigo, abriu-se caminho para a obra que “irá rasgar a mata nativa do bioma amazônico”. A abordagem é imprecisa, motivo pelo qual cabe explicar as regras e o contexto do projeto da Ferrogrão (EF-170).
Em 2016, com o intuito de iniciar os estudos ambientais para a avaliação da viabilidade da Ferrogrão, foi solicitada ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) manifestação sobre o termo de referência que nortearia os trabalhos. Naquele momento, o pedido foi negado, não sendo permitido ao solicitante sequer fazer o diagnóstico ambiental para a avaliação dos impactos.
Em função disso, foi editada a referida MP 758, para que os estudos pudessem ser realizados e, caso indicassem a viabilidade da ferrovia, pudessem ser submetidos ao órgão ambiental para análise.
Nesse sentido, a MP promoveu alargamento da faixa de domínio da BR-163, que tinha originalmente 396 hectares e passou a ter 862. Isso significa uma redução de 466 hectares do Parna do Jamanxim, o equivalente a 0,054% de sua área original, de 862.895,27 hectares. O que poucos mencionam é que essa mesma MP também acresceu ao parque uma área de 51.135 hectares em floresta bastante preservada. O balanço da MP, portanto, foi bastante positivo.
Além disso, a edição da medida provisória foi cautelosa ao permitir a realização de estudos sem qualquer prejuízo ou retrocesso ambiental. A MP autoriza apenas a realização de estudos ambientais da ferrovia, não sendo permitido qualquer outro uso imediato que pudesse causar degradação; a área que não for efetivamente ocupada pela ferrovia ou por sua faixa de domínio voltará a ser destinada ao Parna; a efetiva implementação da ferrovia depende de prévio licenciamento ambiental; o licenciamento somente poderá ser concedido mediante autorização do ICMBio.
https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1603800474028612-jamanxim#foto-1603800474349233
Ainda, a MP 758 afirma que, caso a ferrovia seja considerada viável e sua licença ambiental seja emitida, o empreendedor será obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação, e o Parna deverá ser um dos beneficiários da compensação.
A Ferrogrão não irá “rasgar mata nativa do bioma amazônico”, como mencionado. O seu traçado segue majoritariamente paralelo à rodovia, priorizando áreas já antropizadas, nas quais se espera impacto ambiental reduzido.
E o mais importante a ser dito: a não implantação da ferrovia é mais impactante do que o empreendimento em si. Sem a ferrovia, as cargas não desaparecem. Elas continuarão sendo escoadas pela já existente rodovia BR-163, um meio mais poluente e ineficiente de transporte.
Ferrovias abandonadas
https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/6744-ferrovias-abandonadas#foto-112620
Todas essas questões precisam ser debatidas no licenciamento ambiental, que é o espaço adequado para a avaliação e ponderação dos impactos de cada alternativa. A partir do início da elaboração dos estudos ambientais, que só foi possível em função da publicação da medida provisória, alternativas de traçado podem ser mais bem avaliadas.
Investir em infraestrutura no Brasil é um exercício de paciência, resiliência e persistência. É natural que grandes obras de infraestrutura tragam questionamentos. O que nos cabe, nesse cenário, é oferecer informação, transparência e precisão sobre o tema. O debate precisa ser construtivo. Só assim será possível contribuir para uma verdadeira sustentabilidade da matriz de transportes brasileira.
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