(Imagem: Arte Migalhas)
A legislação sobre barragens de mineração vem passando por modificações relevantes nos últimos anos – seja em nível federal, seja em nível estadual. Sobre o tema, as normas recentes de maior relevância são (i)a Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020, que alterou a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), instituída pela Lei nº 12.334/2010; (ii)os atos normativos infralegais (Resoluções) expedidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM); e (iii)em Minas Gerais, a Lei Estadual nº 23.291, de 25 de fevereiro de 2019, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e suas sucessivas regulamentações infralegais, que abriu caminho para outras regras estaduais no Brasil.
Dentre as recentes alterações normativas, uma das principais que tem surtido grandes discussões é a proibição da utilização de barragens de alteamento a montante e determinação da descaracterização das já existentes. Como se sabe, nos últimos anos Minas Gerais presenciou dois grandes acidentes envolvendo barragens de rejeito com método construtivo a montante, o que foi o determinante para que houvesse a proibição deste tipo de barragem no país.
A obrigatoriedade de descaracterização das barragens a montante encontra respaldo tanto na normativa federal, por meio da Lei nº 12.334/2010, alterada pela Lei nº 14.066/2020, e Resolução nº 13/2019 da ANM, quanto na estadual mineira por meio da Lei nº 23.291/2019.
Neste ponto, além das inúmeras discussões que circundam esta determinação, merecem destaque as disposições divergentes quanto aos prazos de descaracterização indicados no âmbito da regulamentação nacional e na política mineira, o que acarreta dificuldade de cumprimento da obrigação pelos empreendedores. É imperiosa a necessidade de conciliação dessa divergência, o que se entende possa ser solucionado por meio de uma interpretação da diretriz constante do dispositivo inaugural da Lei nº 23.291/2019, que dispõe que a implementação da PESB deve ocorrer de forma articulada com os dispositivos da PNSB.
Parece mais razoável, quanto à divergência dos prazos instituídos, priorizar a segurança do procedimento técnico de descaracterização, mesmo que imponha a sua conclusão em um tempo mais elastecido, em detrimento da fixação de prazos legais comuns a todas as barragens alteadas pelo método a montante, desprezando-se as peculiaridades de cada estrutura, o que deve ser levado em consideração pelos agentes fiscalizadores. Nesse sentido, considera-se acertada a previsão da Resolução ANM nº 13/2019, que dispõe expressamente que a Agência “poderá, a seu critério, em casos excepcionais e quando devidamente justificado pelo interessado, estabelecer prazos e obrigações distintas das previstas nesta Resolução”.
A descaracterização de uma estrutura é um procedimento complexo, que envolve inúmeras discussões técnicas, seja pelo ineditismo das determinações legais e infralegais, seja pelos riscos inerentes ao processo de descaracterização das barragens a montante, principalmente aquelas que não têm a sua estabilidade declarada. Desta forma, é primordial a avaliação do caso concreto pelos agentes fiscalizadores de modo a permitir, nas hipóteses excepcionais, o estabelecimento de prazos e obrigações próprias, sob pena de incremento de risco à barragem e, consequentemente, às pessoas e meio ambiente.
Ademais, a aplicação da legislação referente às barragens de mineração traz outros inúmeros desafios aos empreendedores. No entanto, para além destes desafios, surgem discussões atinentes à Governança no processo de gestão de segurança de barragens, que foram reforçadas por diversas determinações normativas instituídas para garantir a aplicação das melhores práticas, e também pela própria preocupação dos empreendedores em se evitar situações como aquelas ocorridas nos últimos anos. Desse modo, surgem desafios relacionados à implementação das diretrizes trazidas por guias internacionais que, também de forma inédita, não se limitam ao aspecto técnico do gerenciamento das barragens de mineração, propondo uma profunda alteração da cultura de gestão e governança dos empreendedores.
O que se pode perceber é que, embora relativamente recente no Brasil, a legislação de segurança de barragens de mineração vem se tornando cada vez mais avançada, e se aproximando com os melhores e mais atualizados padrões adotados internacionalmente.
Por fim, importa dizer que o desenvolvimento da atividade minerária no Brasil apresenta outros desafios constantes do regramento jurídico, que também vem passando por diversas modificações nos últimos anos, principalmente em decorrência da Lei nº 13.575/2017, que transformou o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM em Agência Nacional de Mineral – ANM. Todo o regramento minerário brasileiro foi objeto do nosso Mining Guide, lançado pelo escritório no último PDAC - Prospectors & Developers Association of Canada 2021 (Cescon Barrieu lança Mining Guide 2021| Cescon Barrieu). O guia gratuito, em inglês, está disponível para download em PDF no link https://tinyurl.com/545wf83a.
* Marcelo Mendo de Souza e Paula Azevedo de Castro são, respectivamente, sócio e of counsel do Cescon Barrieu