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O princípio da precaução no Direito Ambiental

ConJur - 12 de julho de 2021 833 Visualizações
O princípio da precaução no Direito Ambiental

Entre as várias características do dano ambiental, é possível destacar a difícil ou impossível reversibilidade como o que chama mais a atenção. Com efeito, a exceção das lesões de menor monta, a regra é que a recuperação é lenta, muito difícil ou impossível.

Por isso, Antônio Herman Benjamindestaca que a prevenção é mais importante do que a responsabilização do dano ambiental, já que a dificuldade, improbabilidade ou mesmo impossibilidade de recuperação é a regra em se tratando de um dano ao meio ambiente. Com efeito, são inúmeros os casos em que as catástrofes ambientais têm uma recuperação difícil e lenta ou que até não têm reparação, e seus efeitos acabam sendo sentidos principalmente pelas gerações futuras.

Por conta dessas características do dano ambiental, a Constituição Federal reconheceu que deve ser dada prioridade àquelas medidas que impeçam o surgimento de lesões ao meio ambiente. Tanto ocaputdo artigo 225, quando fala sobre o dever do poder público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, quanto a maior parte do restante do dispositivo determina a adoção de medidas na defesa dos recursos ambientais como uma forma de cautela em relação à degradação.

O problema é que o princípio da prevenção é aplicado em relação aos impactos ambientais conhecidos e dos quais se possa estabelecer as medidas necessárias para prever e evitar os danos ambientais, não levando em conta a incerteza científica. Contudo, inúmeros danos ao meio ambiente têm ocorrido e podem continuar a ocorrer simplesmente porque não existia conhecimento científico suficiente a respeito da repercussão dos empreendimentos e tecnologias implementados, como é o caso das estações rádio base (ERBs) ou dos organismos geneticamente modificados (OGMs).

Em decorrência disso, é possível afirmar que por si só a prevenção aos danos não garante a efetividade o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deixando de seguir a determinação constitucional. Para suprir a necessidade de criação de um dispositivo que fizesse frente aos riscos ou à incerteza científica ganhou corpo o princípio da precaução, que exige uma ação antecipada diante dos riscos de danos ambientais ou à saúde humana.

O princípio da precaução estabelece a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não causaram reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos. A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento consagrou pioneiramente o princípio no âmbito internacional.

Existe realmente uma grande semelhança entre o princípio da precaução e o princípio da prevenção, já que o primeiro é apontado como um aperfeiçoamento do segundo, e prova disso é que os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente que se prestam a efetivar a prevenção são apontados também como instrumentos que se prestam a efetivar a precaução. No sentido de que a precaução é uma compreensão mais alargada do conceito de prevenção caminha a opinião de Ana Carolina Casagrande Nogueira:

"O 'princípio de precaução', por sua vez, é apontado, pelos que defendem seu status de novo princípio jurídico-ambiental, como um desenvolvimento e, sobretudo, um reforço do princípio da prevenção. Seu fundamento seria, igualmente, a dificuldade ou impossibilidade de reparação da maioria dos danos ao meio ambiente, distinguindo-se do princípio da prevenção por aplicar-se especificamente às situações de incerteza científica".

Dessa forma, ao passo em que a precaução diz respeito à ausência de certezas científicas a prevenção deve ser aplicada para o impedimento de danos cuja ocorrência é ou poderia ser sabida, estando esta mais relacionada ao conceito de perigo e aquela ao de risco. Dentro de uma acepção teleológica, é possível dizer que esse princípio significa que é mais correto errar tentando defender o meio ambiente do que correr riscos ambientais em favor de interesses individualizados. Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado afirma o seguinte:

"A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo".

No Brasil já existem diversas referências legais a esse princípio, já que o artigo 5º do Decreto nº4.297/02 determina a observância da precaução em relação ao zoneamento ecológico-econômico, entre outros princípios do Direito Ambiental, e o §3º do artigo 53 se refere à precaução como instrumento de proteção do meio ambiente. Além do mais, para alguns autores esse princípio estaria implícito no inciso IV do §1º do artigo 225 da própria Constituição Federal, que exige oestudo prévio de impacto ambiental(Epia) em relação às atividades potencial ou efetivamente causadoras de significativa degradação ambiental.

De qualquer forma, o artigo 1º do Decreto nº5.591/05 impõe expressamente a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente em se tratando de OGMs, o que já era previsto nas considerações da Resolução n°305/02 doConselho Nacional do Meio Ambiente(Conama), que versa sobre o licenciamento ambiental de transgênicos. Ao prever em seu preâmbulo que quando existir"ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça",a Convenção da Diversidade Biológica deixou claro que a precaução é a postura mais indicada no caso dos transgênicos. É nessa linha a lição de José Rubens Morato Leite e Mateus Almeida Caetano:

"O princípio da precaução constitui um dos elementos do conceito material de sustentabilidade, sendo invocado diante de contextos de incerteza científica, o que não significa a mitigação ou a exclusão da ciência, mas simplesmente que esta deve levar em conta as incertezas e as suas consequências para o meio ambiente e a saúde humana. Portanto, são claros os vínculos desse princípio com o futuro (equidade intergeracional) minimamente saudável do ponto de vista ambiental (a sustentabilidade forte). Diante da possibilidade de extinção de espécies animais e vegetais e da devastação de biomas, cujos reflexos diretos recaem sobre as gerações presentes e futuras, o princípio da precaução—frente à nefasta impossibilidade de retorno ao status quo ante—é o mecanismo jurídico que melhor desenvolve a função de preservação do meio ambiente sadio.
Ao se perceber que o meio ambiente não pode ser reconstituído, pois a perda de uma espécie, um habitat ou um bioma, jamais poderá ser compensando com indenizações, desenvolvimentos industrial, econômico ou social, voltam-se os olhos para uma cultura de antecipação de riscos ambientais. Esse princípio possui dois requisitos para ser aplicado: a ameaça de danos e a ausência de certeza científica".

A questão é que o princípio da prevenção oferece uma alternativa mais concreta, ao restringir as atividades humanas com o intuito de evitar os danos ambientais tendo em vista a falta de embasamento científico, ao debate sobre desenvolvimento e meio ambiente. Nesse diapasão, Marcos Nobrevislumbra a possibilidade de o princípio da precaução servir como norte como critério de compatibilização nos debates sobre economia e meio ambiente. De fato, seja em um processo administrativo ou em um processo judicial, há de se adotar a postura precaucional para dar concretude a uma verdadeira proteção do meio ambiente.

Paulo de Bessa Antunespondera que o impedimento de uma determinada atividade com base no princípio da precaução somente deve ocorrer se houver uma justificativa técnica fundada em critérios aceitos pela comunidade científica,já que por vezes opiniões isoladas e sem maior embasamento têm sido utilizadas como pretexto para a interrupção de experiências e projetos socialmente relevantes. Também não parece razoável procurar aplicá-lo em relação aos casos de impacto ambiental menor, já que o inciso VI do artigo 170 da Lei Maior estabelece o"tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação". Logo, além do fundamento na ciência, há se se levantar a possibilidade de ocorrência de riscos significativos ao meio ambiente e à saúde humana.

BENJAMIN, Antônio Herman. Função socioambiental.In: BENJAMIN, Antônio Herman (coord).Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 227.

Princípio 15. De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. O conteúdo jurídico do princípio da precaução no direito ambiental brasileiro. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (orgs). Estado de Direito Ambiental: tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p 199.

RIOS, Aurélio Virgílio Veiga. O Mercosul, os agrotóxicos e o princípio da precaução. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, nº 28, 2002, p. 50.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 57.

COLOMBO, Silvana Brendler. O princípio da precaução no Direito Ambiental. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 488, 7 nov. 2014. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto .asp?id=5879>. Acesso em: 09.jul.2021.

LEITE, José Rubens Morato; CAETANO, Matheus Almeida. Aproximações à sustentabilidade material no Estado de Direito Ambiental brasileiro. LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini; CAETANO, Matheus Almeida. Repensando o Estado de Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012, p. 169-170.

NOBRE, Marcos. Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 94.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Precautionary Principle on Brazilian Environmental Law. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 13, n. 27, p. 63- 88, set./dez. 2016. Disponível em:http://www.domhelder.edu.br/revista/ index.php/veredas/article/view/877. Acesso em: 09.jul.2021.

Nesse sentido: "EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito Constitucional e Ambiental. Acórdão do tribunal de origem que, além de impor normativa alienígena, desprezou norma técnica mundialmente aceita. Conteúdo jurídico do princípio da precaução. Ausência, por ora, de fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica abaixo do patamar legal. Presunção de constitucionalidade não elidida. Recurso provido. Ações civis públicas julgadas improcedentes" (STF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 627.189/SP, Rel. Min. Dias Tóffoli).