Impactos do aquecimento global no Brasil
Cientistas e climatologistas fizeram uma conferência virtual para debater quais são os impactos para o Brasil dos dados revelados nesta semana pelo novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas Globais)
"A temperatura média global é distribuída geograficamente. Por isso, não é sentida da mesma forma em diferentes regiões do planeta," justificou Paulo Artaxo, da USP (Universidade de São Paulo).
Em um cenário de aquecimento de 2 ºC, a temperatura no Brasil pode aumentar entre 3 ºC e 3,5 ºC. Já se a média global aumentar em 4 ºC, a do país pode subir entre 5 ºC e 5,5 ºC, principalmente na porção central.
"Isso desencadearia impactos importantes, inclusive para a economia brasileira, baseada no agronegócio," afirmou o pesquisador, que é um dos autores do relatório.
Aquecimento e contra-aquecimento
Segundo o relatório do IPCC, em razão do aumento das emissões de gases de efeito estufa nos últimos 50 anos, a temperatura da superfície global se elevou a uma taxa sem precedentes e é muito provável que a década mais recente tenha sido a mais quente desde o pico do último período interglacial, há 125 mil anos.
A temperatura da superfície global foi 1,1 ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que entre 1850 e 1900, com aquecimento mais forte sobre a terra do que sobre os oceanos.
A temperatura média nos continentes, contudo, já aumentou 1,6 ºC, uma vez que eles aquecem muito mais do que o planeta como um todo porque os oceanos absorvem gigantescas quantidades de calor. "Nos continentes, já ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1,5 ºC," afirmou Artaxo.
De acordo com o relatório, é provável que as emissões de gases de efeito estufa - principalmente gás carbônico (CO2) e metano - tenham contribuído para esse aquecimento de 1,1 ºC da temperatura da superfície global. Em contrapartida, as partículas de aerossóis atmosféricos gerados pela poluição podem estar contribuindo com um resfriamento de 0,5 ºC da temperatura do planeta. "Os aerossóis estão mascarando cerca de um terço do aquecimento atual," afirmou Artaxo.
Se essas partículas, que refletem a radiação do Sol de volta para o espaço, ajudando a resfriar o planeta, forem retiradas da atmosfera por meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas termelétricas e da eletrificação do setor de transporte, esse mascaramento deixará de existir, indicou o pesquisador.
"Só com isso a temperatura do planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas," disse Artaxo.
Padrões de chuva
Os cenários regionais indicam que acontecerão no Brasil alterações no padrão das chuvas, essenciais para a agricultura e para geração de energia hidrelétrica - a chuva nos continentes aumentou globalmente desde 1950.
"Todos os cenários indicam que principalmente a região central do Brasil e a parte leste da Amazônia se tornarão mais secas, com queda de 10% a 20% na precipitação. Isso acontecerá tanto em um cenário de aquecimento global de 2 ºC como de 4 ºC," disse Artaxo.
Outras regiões do país, como a Sul, podem registrar maior intensidade de chuvas.
"Na região mais ao sul do Brasil já tem se observado um aumento das precipitações e se projeta que elas se elevarão em diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa," afirmou Lincoln Alves, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e também coautor do relatório.
Cada meio grau adicional de aquecimento global também causará aumentos estatisticamente significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de chuvas fortes e na gravidade de secas em algumas regiões, como no Nordeste do Brasil e no leste da Amazônia.
Em um cenário de aquecimento global de 2 ºC, as ondas de calor e secas devem ocorrer com maior frequência e simultaneamente, causando graves prejuízos à saúde, aos ecossistemas e à produção agrícola, estimam os cientistas.
"Não é só o clima médio que está mudando, mas também as características dos extremos climáticos, como ondas de calor, de frio, enchentes, secas e ciclones. O número desses eventos está aumentando e se projeta uma elevação significativa em sua ocorrência em todas as regiões do globo, incluindo o Brasil," afirmou Alves. "Teremos cada vez mais eventos climáticos extremos simultâneos que tendem a intensificar os impactos, como ondas de calor combinadas com secas que, em regiões propícias a queimadas, os efeitos são exacerbados."