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Brasil na “nova” rota da seda

Poder 360 - 16 de novembro de 2021 1558 Visualizações
Brasil na “nova” rota da seda

A adesão brasileira à Nova Rota da Seda ainda é um ponto de interrogação nas relações Brasil-China. A iniciativa firmada pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013 oferece investimentos e acordos bilaterais a mais de 140 nações ao redor do mundo –incluindo 19 da América Latina e Caribe. Mas não entrou na agenda das relações sino-brasileiras.

O Banco Mundial já classificou a Nova Rota da Seda como o maior programa de infraestrutura do mundo. Desde 2013, bancos e empresas chinesas financiaram US$ 40 trilhões em usinas de energia, ferrovias, rodovias e portos. Os avanços mais recentes estão na entrega de vacinas à covid e nas redes de telecomunicações, como o 5G.

Do lado brasileiro, nenhum governo desde Dilma Rousseff (2011-2016) sinalizou interesse em aderir à iniciativa. Em 2017, no 1º encontro realizado pela China, o Brasil foi representado pelo embaixador Marcos Caramuru, e pelo então secretário especial de Michel Temer, Hussein Kalout. Na 2ª edição do encontro, em 2019, nenhum brasileiro foi ao fórum.

Pequim prioriza a iniciativa em sua política externa e criou linhas de financiamento exclusivas para países parceiros, como o Fundo da Rota da Seda. “É um projeto estratégico para a China. Isso não deve significar que devemos rejeitá-lo, mas sim identificar aquilo que converge com a estratégia de desenvolvimento do Brasil”, diz Evandro Menezes de Carvalho, doutor em Direito Internacional e coordenador do Núcleo Brasil-China da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro.

A China já afirmou interesse na adesão brasileira. Em seminário do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em 18 de outubro, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, disse que o Brasil tem “todos os motivos” para estar à frente da iniciativa. No encontro, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), saudou a iniciativa e colocou a cidade à disposição para ser a “capital da Nova Rota da Seda” na América Latina.

O QUE ESTÁ EM JOGO

Mesmo fora da iniciativa, o Brasil tem a China como o principal parceiro comercial há pelo menos 12 anos. Em agosto, por exemplo, as trocas com a China foram de US$ 35 bilhões.

No 1º trimestre deste ano, a corrente de comércio entre os 2 países cresceu 19,5% em relação a 2020. Já as exportações brasileiras para a China saltaram 28% –quase 80% em soja, petróleo e minério de ferro, segundo o Ministério da Economia.

“Muitos argumentam que não deixamos de participar de alguma forma, porque temos muitos investimentos chineses”, disse a presidente da Coordenação Estadual das Relações Brasil-China da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), Camila Mendes Vianna Cardoso.

Diferente de um tratado ou uma zona de livre comércio, como a UE (União Europeia), a Nova Rota da Seda não cria uma organização internacional, nem um acordo para troca de mercadorias. Os países participantes não têm relação entre si, só com Pequim.

“É um projeto de integração que tem como coluna vertebral o investimento em infraestrutura, mas isso não significa que a China criará um grande bloco comercial”, afirma Carvalho. O intermédio chinês facilita a movimentação de moedas estrangeiras –em especial o yuan –, mas não o dólar, dos Estados Unidos, seu principal adversário comercial.

A não-adesão não é exclusiva do Brasil. Na América do Sul, a Argentina e Paraguai também não ingressaram no programa. Outros exemplos são México, Alemanha, França e Reino Unido. A Austrália, em conflito com Pequim pelo avanço chinês no mar do Sul da China, deixou o tratado em abril.

QUESTÃO DO CAPITAL

A defesa à não-adesão da Nova Rota da Seda também tem a ver com experiências da iniciativa ao redor do mundo. Parte dos países beneficiários se depararam com empréstimos acompanhados de elevadas taxas de juros comerciais.

No Sudeste Asiático, uma linha ferroviária de alta velocidade financiada pelo programa no Laos custará o equivalente a 40% do PIB (Produto Interno Bruto) do país: US$ 6 bilhões. Outros 7 países inscritos corriam alto risco de superendividamento em 2018: Djibouti, Quirguistão, Maldivas, Mongólia, Montenegro, Paquistão e Tadjiquistão. O levantamento é do Center for Global Development.

Neste ano, o centro de pesquisa do College of William and Mary (EUA), mostrou que 42 países de baixa e média renda teriam dívidas superiores a 10% do PIB com a China por conta da Nova Rota da Seda.

A tendência é que esses países precisem de apoio para atender aos empréstimos da iniciativa –em especial do FMI (Fundo Monetário Internacional). O Paquistão, por exemplo, já pleiteia um resgate no Fundo. A China investiu US$ 62 bilhões no país –um quinto do PIB paquistanês –em projetos de infraestrutura e energia.

A cooperação do Fundo, porém, depende da transparência dos termos dos empréstimos –uma das principais críticas às concessões da Nova Rota da Seda, cujas cláusulas tendem a ser opacas.

“Nações do Sudeste Asiático e da África, por exemplo, têm uma demanda muito grande por infraestrutura mas há uma fragilidade muito grande não só econômica, mas institucional. Isso torna as relações desses países com Pequim muito assimétricas”, afirma Roberto Zanchetta Borghi, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

O Brasil não está na mesma situação. É a maior economia da América Latina, o que amplia o espaço para barganha. “Não seria uma relação tão assimétrica. O Brasil se torna cada vez mais um grande exportador de commodities, em especial daquilo que a China precisa, como soja e minério de ferro”, diz Borghi.

Com a Nova Rota da Seda, Pequim já fechou 7 acordos de livre comércio e pelo menos 20 tratados de cooperação bilateral. “Está aberta a todos os tipos de governos políticos e culturais, livre de padrões ideológicos e círculos fechados”, afirmou o embaixador chinês no seminário da FGV.

Entre os governos está a junta militar que liderou golpe em Mianmar, em fevereiro, ou o Talibã, que retomou o poder no Afeganistão em agosto.

VANTAGENS PARA O BRASIL

É possível que a articulação internacional impulsionada pela China ganhe espaço e peso simbólico nos próximos anos –em especial pela desarticulação do Mercosul.

“Para Pequim, é muito mais fácil privilegiar as relações bilaterais”, disse Aline Tedeschi da Cunha, doutora em Ciências Sociais pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e coordenadora do ObservaChina. “O Mercosul está muito prejudicado. Paraguai, inclusive, reconhece Taiwan –um ponto extremamente sensível para a China. Por isso precisamos prestar atenção: os produtos exportados para a China competem entre si”.

Nesse caso, países mais bem relacionados e alinhados com a China levarão os investimentos, disse a pesquisadora. A questão é, sobretudo, geopolítica. “Daí a importância do Brasil se manter equidistante dos polos”, completou Borghi.

Um exemplo de país que teve prejuízo: a Austrália. Camberra liderou uma convocação internacional para descobrir as origens da covid em Wuhan, na China. Pequim interpretou a medida como uma “caça às bruxas geopolítica”.

Resultado: suspensão das importações de ouro australiano, estimadas em US$ 1 bilhão. Em seguida, veio cevada, carne, vinho, trigo, lã, lagostas, açúcar, cobre, madeira e uvas de mesa.

Os importadores chineses também foram instruídos a parar de comprar carvão e algodão australianos e concessionárias de energia foram incentivadas a não comprar mais gás natural liquefeito do mercado australiano. “Fracasso espetacular”, classificou a revista Foreign Policy em 9 de novembro.