Diébedo Francis Keré. Nascido a 10 de abril de 1965, no Burkina Faso. Foi ele o primeiro vencedor do Pritzker, o mais conceituado prémio de arquitetura do planeta. Foi um prémio que, ao contrário de tantos outros, que o arrecadariam pelo trabalho desenvolvido um pouco por tudo o mundo, foi conquistado, maioritariamente, pelo trabalho desenvolvido na vila onde nasceu, Gando. Não obstante, passou a viver em Berlim, cidade na qual estabeleceu a sua fundação e através da qual se ligou ao mundo, dando aulas, entre outras instituições, em Harvard ou em Yale. Deste modo, singrou, de um país aparentemente remoto, para um olhar cada vez mais amplo e recetivo a diferentes fazeres de diferentes lugares.
Na sua comunidade local, Kéré seria o primeiro jovem a frequentar a escola, já que o chefe da sua pequena vila e seu pai necessitava de alguém que conseguisse ler e traduzir as cartas que recebia. Assim, como filho mais velho, sairia desta para viver com o tio, que vivia na cidade da sua escola. Depois de frequentar a escola, receberia uma bolsa para estudar na Alemanha, numa fase em que já havia dominado a arte da carpintaria e da marcenaria, enquanto frequentava o ensino secundário. Ficaria fã do país, já que neste se inscreveria na Universidade Técnica de Berlim, licenciando-se no ano de 2004, com quase 40 anos. Ainda hoje aqui leciona e colabora, contribuindo com a sua experiência para ensinar técnicas e metodologias de fazer arquitetura de um modo sustentável e ecológico. Foram temas que levou para outras universidades, como a Técnica de Munique ou a da Bauhaus, em Weimar; para além de exposições que foi apresentando, de Frankfurt a Nova Iorque, de Londres a Coachella, em conjunto com palestras que concedeu. As suas raízes, porém, nunca seriam esquecidas, já que assumiu, como missão de carreira, contribuir para o bem-estar da sua família e da sua comunidade local, dando, de igual modo, estímulo para os seus mais jovens. É nesse enquadramento que também nasce a sua Kéré Foundation, na qual procurou fazer uma mescla única do conhecimento técnico e teórico adquirido na Europa com os métodos tradicionais do seu país, Burkina Faso.
Neste sentido, Kéré começou a desenvolver um trabalho único na sua pequena aldeia, no sudeste da capital do país, Ougadougou. Enquadrando-se num país no qual é escasso o acesso a água e a eletricidade, o nível de literacia é bastante baixo e o desenvolvimento do país continua muito aquém – dependente de uma economia de subsistência com grandes turbulências climáticas – Kéré deparou-se com uma conjuntura hercúlea. No entanto, arregaçou as mangas e procurou envolver os membros da comunidade neste projeto urbano, com técnicas ecológicas e inovadoras, mas também com os seus preceitos locais e com os materiais existentes em seu redor. Foi um pouco à imagem daquilo que havia sentido em criança, quando ajudava os membros da sua comunidade nas mais diversas tarefas coletivas. Foi, precisamente, por isto que, em 2009, viria a arrecadar o Global Award for Sustainable Architecture, que premeia essa inovação com pendor sustentável.
Contudo, o primeiro edifício que lá concebeu foi erigido em 2001, sendo este uma escola primária. Keré procurou desenvolvê-la por intermédio de recursos disponíveis localmente, como tijolos de barro, ao invés do típico betão, embora este, para além de caro, tornava os edifícios bastante quentes no seu interior, prejudicando o bem-estar de quem os ocupa. Apesar do ceticismo dos locais, a aplicação de um teto de zinco, que protegia as paredes da chuva e que facilitava a circulação do ar para manter a escola arejada, surpreendeu-os e tornou-se numa referência futura para as construções arquitetónicas do lugar. Kéré explicaria aos locais através de esboços na areia, de forma a envolvê-los no processo de construção e de preservação. Esta obra valeu-lhe o prémio Aga Khan em 2004, num prémio que, de facto, pertence a todos os membros de Gando, já que estes, após receber formação quanto às técnicas de construção – que se tornaram referências futuras no continente africano -, contribuíram diretamente para esta realização. Desde os homens, que fizeram as paredes, até às mulheres, que preparavam o chão. Esta iniciativa fez com que surgissem oportunidades de emprego presentes e futuras para as suas gentes.
Como a escola foi desenhada para acolher somente 120 alunos, houve a necessidade de, em 2007, alargá-la, de forma a receber 300. Assim, construíram-se quatro salas de aula, uma cantina, uma biblioteca e um campo de futebol, conseguindo albergar 700 estudantes. Todas as manhãs, as próprias crianças levaram, durante um ano, uma pedra para o lugar dessa construção, mostrando como as suas próprias ações poderiam contribuir para um projeto comunitário como este. A energia solar e a energia termal unem-se nessa proteção do teto, que se torna abobadado, sem a necessidade de tantos materiais metálicos no seu suporte. Estas temperaturas arrefecidas contribuíram, desta feita, para que as condições de aprendizagem dos petizes melhorassem substancialmente.
De seguida, compôs-se a biblioteca, somente finalizada em 2018, símbolo de um combate contra a iliteracia do seu povo, que rondava os 75%. De forma a permitir que os alunos pudessem conviver de perto com os livros, para além de abrirem as portas aos graúdos, Kéré desenhou um espaço onde reinaria a calma e a amplitude, aplicando os eucaliptos no seu recheio, de forma a evitar a sombra e de secar o solo. De igual modo, foram usados potes de barros tradicionais, divididos a meio e colocados no teto, de forma a viabilizar a entrada de luz e a circulação do ar.
Escola Primária de Gando. Fotografia de Erik-Jan Ouwerkerk.
Também as próprias residências para os docentes foram consideradas neste projeto (ainda em 2003), já que muitos professores receavam deslocar-se das cidades para a zona rural para desempenhar a sua profissão. Isto porque as suas casas seriam, como até então, de parca acessibilidade e sustentada por poucos mantimentos. De forma a não descurar a qualidade do ensino prestado, as casas foram desenhadas com uma perspetiva, como sempre, sustentável, aliando, também, o conforto à viabilidade financeira de cada um. Moldável, já que pode ser singular ou plural (os professores como ou sem as suas famílias), a sua construção foi, de novo, em muito, movida pelos residentes daquela terra. As já típicas paredes de barro, aliadas a tetos feitos de adobe (tijolos de terra), permitiam, como referido, uma amenização e regulação da temperatura do interior. O epíteto que, por lá, se tornou famoso seria “frigoríficos maravilhosos”, por essas mesmas condições tão agradáveis.
Para lá da componente letiva, Kéré quis criar um autêntico oásis para os residentes dessa aldeia. Para isso, decidiu plantar mangueiras – árvores de mangas -, de forma a combater a carestia e a alimentação precária dos seus residentes. Essas mangas conseguiriam dar resposta às necessidades vitamínicas destes e as suas árvores de conceder muitos espaços de sombra, combatendo as temperaturas bastante altas que se fazem sentir amiúde. De igual modo, espaços para as crianças usufruírem do seu lazer, mas também com a responsabilidade de cuidar das árvores, assumindo a missão de plantar e de zelar por estas e de transmiti-la aos seus descendentes. São árvores que contribuem, assim, para olhar pela fertilidade do solo, pela salvaguarda da biodiversidade e pelo combate à desertificação, para além de simbolizarem a ligação das comunidades às raízes e aos seus momentos de convivência e de lazer. A sua plantação é feita através do preenchimento do lugar das suas raízes com ossadas e carne, de forma a que as formigas possam devorar as térmitas que são atraídas e que erodem o solo. Para o seu crescimento, potes de barros robustos para prevenir a evaporação da água e para garantir um abastecimento certo de água.
Este trabalho não se restringiu à plantação de árvores como forma de organização do território, mas também como necessidade de, sobre isto e outras práticas agrícolas, educar e formar. A grande dependência dessa agricultura de subsistência levou Kéré a dedicar uma parcela da escola para fazer um poço de água, que permitisse, para além de fornecê-la para o consumo doméstico, usá-la para cuidar das plantas por intermédio de técnicas sustentáveis, tornando a sua própria alimentação mais rica e regrada.
No ano de 2010, com o crescimento dos pupilos de Gando, Kéré pôde pensar na construção de uma escola secundária munida de várias componentes, desde as salas de aula, uma biblioteca, um edifício para instalação dos serviços administrativos e diversos campos desportivos. Inspirando-se na disposição típica das casas rurais no Burkina Faso, as salas de aula possem uma disposição circular, protegendo-se dos ventos e das areias e formando um terraço protegido. De igual modo, aberta a poente, permite a entrada de uma brisa fresca nesse complexo e, desta feita, assegurar a ventilação natural, complementada pela plantação de várias árvores e pelo uso de canos perfurados debaixo do solo, por onde o vento circula até ao interior. O teto ondulado permite que o ar possa circular e ascender, permitindo que as brisas possam entrar por via dos canos já mencionados. A sua manutenção torna-se, assim, simples e pouco dispendiosa. A madeira dos eucaliptos volta a ter uso, assim como as mangueiras, já que garantem as tão procuradas sombras e exigem menos do solo. Para a construção, a mistura de barro e de cimento permitiu agilizar este processo, replicando outros exemplos já apresentados e estimulando o uso de métodos sustentáveis.
Atelier Gando. Fotografia de Daniel Schwartz
Por fim, nesta aldeia de Gando, pensou-se, em 2013, num atelier vocacionado como centro comunitário e de conceção, planeamento e execução de projetos arquitetónicos. Como ambição, a utilização de paredes feitas de barro com perfurações na sua constituição, elevadas numa altura de sete metros. Kéré convidou os estudantes da Accademia di Architettura di Mendrisio, da Suíça – instituição com a qual o arquiteto também colabora – para se juntarem nesta empreitada, sendo movidos pela premissa do “aprender enquanto se faz”. Este pendor experimental e de convivência entre investigadores, arquitetos e trabalhadores fomenta o espírito que Kéré procura cultivar: o da união dos saberes locais, mais rudimentares, com os teóricos e técnicos, muitos deles a carecer de terreno.
Para lá de Gando, o arquiteto desenvolveu mais obra, embora grande parte dela concentrada no seu continente africano. Ainda no Burkina Faso, Kéré materializou uma escola secundária em Dano, no ano de 2007, neste que é um povoado situado no sudoeste do país. De forma a combater, de novo, o problemas do sobreaquecimento, recorreu à laterita, pedra nativa desta região, para poder arrefecer o edifício, para além da orientação este-oeste, que ajuda a mitigar a radiação solar direta para as paredes, para além do proeminente teto. Constituído por três salas de aula, uma sala de informática, um escritório e um anfiteatro, o arquiteto colocou aberturas nos seus tetos de forma a que o ar pudesse circular e que o calor pudesse ser filtrado através desses orifícios. Com isto, evitou a necessidade de instalar ar condicionado e, deste modo, usar recursos elétricos. De novo, a mão-de-obra adveio dos anteriores projetos de Kéré, nomeadamente da aldeia de Gando, formando uma equipa local, capaz de resolver eventuais problemas de manutenção e de tornar a obra onerosa.
Ainda no Burkina Faso, concebeu uma vila da ópera, um espaço cultural e musical, de pluralidade cultural e de convivência interfamiliar. Dessa forma, e depois das cheias de agosto de 2009 terem levado muitos a se tornarem sem-abrigos, para além do terreno pensado para acolher a casa ser “varrido”, Kéré fez parte da equipa que idealizou uma forma de reconstrução desses lares perdidos e o reconverteu num centro de aúde e de bem-estar social. Assim, num terreno constituído por 12 hectares, situado em Laongo, dispôs um grande recinto com um teatro, um centro médico, várias residências, uma escola, um grande poço e vários painéis solares. Este espaço tornou-se altamente modulável, já que o suporte desta construção foi feito de forma a ser rotativo e variável, dependente daquilo que acolhem e a que fins se dedicam. Protegido das condições atmosféricas por um revestimento de 15 metros, o projeto foi encabeçado pelas pessoas locais, responsáveis pelo empregar dos materiais locais habituais (onde se incluem a madeira de goma e a loma) no desenho destes módulos. Porém, o recurso ao betão não foi dispensado, em especial nas fundações, nas colunas, nas vigas de anel e nos demais feixes, compensado pela dispensa de ar condicionado, dada a altura das paredes e dos tetos.
A norte, no Mali, foi ele o responsável, em 2010, por edificar o Centro para a Arquitetura da Terra, na cidade de Mopti. Um espaço multifuncional, tornou-se mais do que um mero lugar expositivo, mas com funções que respondem às necessidades de lazer das comunidades locais. Recorrendo a técnicas de construção ancestrais, foi concebido e desenhado de forma simples, em harmonia com a mesquita existente nas suas imediações. Composto por três prédios, estes ligam-se através de duas superfícies superiores, como sempre, compostas pelo barro vermelho, que contrastam com os típicos moldes da construção naquela zona. As paredes e as abóbadas foram feitas por blocos de terra comprimidos, algum destes pendentes no ar, de forma a aliviar as temperaturas no interior e a conceder sombra aos espaços exteriores. De novo, as tais aberturas nas paredes e nas abóbadas, de forma a não ser necessário recorrer ao ar condicionado, mas também a não exigir a presença de madeira nos tetos, não sobrecarregando a já grande deflorestação.
Na celebração dos 50 anos da independência do Mali, ainda em 2010, o arquiteto colaborou na renovação do Parque Nacional da capital do país, Bamako. Aqui, concebeu um restaurante no topo de uma formação rochosa e articulada em diferentes níveis de altitude, usufruindo de vistas privilegiadas debruçadas sobre o parque. O centro desportivo recicla algumas das premissas do restaurante, sendo composto por três pavilhões dispostos elipticamente, de forma a gerar o máximo de sombra possível para as áreas de lazer. Todos os edifícios constituintes deste espaço foram erigidos com pedras locais, de forma a salvaguardar a identidade local e a limitar despesas. As paredes de pedra no exterior permitem, de igual modo, a criação de interiores isolados e com temperaturas reguladas; com os tetos a gerar sombras e a contribuir para condições climatéricas mais amenas. Pontualmente, recorre-se ao ar condicionado, de modo a que o espaço entre a parede e o teto seja fechado.
A sul, no Gana, na cidade fronteiriça de Léo, o projeto que liderou foi o de construir um centro médico que pudesse servir as comunidades rurais em seu redor, sendo este aberto em 2014. A utilização de módulos pré-planificados ajudou à necessidade de manter os custos baixos e de atentar ao financiamento limitado existente. Com paredes feitas de terra e tetos feitos de zinco, os funcionais módulos permitem conceder maior sombra aquando da sua sobreposição, originando o surgimento de espaços interiores, que funcionam como vias de circulação e de descontração.
Centro Médico de Léo. KÉRÉ ARCHITECTURE
Bem distante de África, na China, o arquiteto fez parte da idealização – não passou, por enquanto, do papel – de um projeto de reabilitação urbana, protagonizado pelo arquiteto Wang Shu, numa zona portuária, em Zhou Shan. Aqui, desenhou uma galeria expositiva, um centro de informação, um conjunto de ateliês e um jardim vocacionado para a criatividade cultural. Trata-se de um espaço de transição entre o ambiente manipulado pelo ser humano e o ambiente natural, desenhado pelas montanhas. Amplificando o espaço à disposição, Kéré usou uma antiga fábrica de gelo para transformar o seu reservatório de água num jardim com plantas na sua órbita, acabando por potenciar a qualidade do ar e as vistas à disposição de quem usufrui daquele espaço. De igual modo, outros dois edifícios aproximam-se da montanha, nesse saudável diálogo arquitetura-natureza, usados para acolher a galeria expositiva e os mencionados ateliês.
Harmonizando todos os espaços numa só configuração, estes são envolvidos pelo tal jardim da criatividade, ao ar livre, construídos por materiais simples e básicos, embora sustentados pelo betão, de forma a resistir à humidade. A reutilização dos espaços envidraçados para toda a envolvência dos edifícios, desde o solo até ao teto, permite amplificar o raio de visão dos espaços e potenciar a exposição solar. O bambu e a forma irregular dos seus ramos também é usado como forma de garantir algumas sombras exteriores, mas também painéis de madeira, para garantir a harmonização entre a transparência e a proteção da exposição solar. As camadas das fachadas permitem a deslocação do ar, de forma a prevenir o sobreaquecimento.
Em Genebra, em 2012, no seu Museu Internacional da Cruz Vermelha, Kéré compôs um projeto dedicado à reconstrução dos elos familiares. Neste, idealizou uma passagem sinistra à entrada, com paredes feitas de betão de cânhamo, para intensificar as emoções sufocantes e aterrorizantes, advindas de tragédias e de conflitos bélicos. Aliás, são estes que são relembrados em conjugação com a natureza, com uma grande torre a simbolizar o abrigo tradicional de uma família. Não obstante, também as ideias de transparência e de esperança são invocadas, dado o potencial de cada um na ação humanitária. O uso de materiais simples e elementares convida a essa associação umbilical entre a família, as suas raízes e a natureza, usando-a como mote de procurar o que desapareceu. Cinco anos depois, pensaria num projeto residencial, em especial dedicado ao alojamento estudantil, com a rotineira conjugação entre os interiores e os exteriores e com o recurso a materiais transparentes e naturais, procurando, com um layout em asas, atender à proteção da poluição visual e sonora citadina.
Mais recentemente, também são de salutar importância o liceu Schorge (2016), situado em Koudougou, composto por nove módulos dispostos a impedir o vento e a poeira de penetrarem no interior, cuja barreira protetora é munida por lateritas, que gera uma grande massa termal e que favorece a absorção de luz de dia e a sua radiação pela noite. O recurso aos eucaliptos como fachada secundária permite criar um espaço intermédio e potenciar a emergência da já apontada luz. Em 2017, realizou o Serpentine Pavillon, na cidade de Londres, inspirando-se na mais majestosa árvore de Gando, com um grande revestimento em metal, capaz de fazer entrar a radiação solar, evitando, todavia, a chuva, embora a sua morfologia se apresente como um coletor de água, esse bem tão precioso e fundamental. Elementos em madeira complementam esta peça, permitindo criar efeitos dinâmicos com o avistar das nuvens e da luz solar e, de igual modo, ser, ela própria, uma fonte de luz. Algo similar ao projeto do Parlamento Nacional do Benim, em que é também sustentado na ideia de uma árvore, no caso, de um palaver, simbolizando o respeito pelas forças majestosas da Natureza. Neste caso, assinale-se o desenho de um grande terraço superior, adjacente aos demais troncos que revestem e que arejam o projeto.
Em 2018, em Moçambique, erigiu uma escola secundária, criando um espaço harmonioso no meio de uma realidade urbana. As paredes da escola, transparentes, evocam as escamas dos peixes e permitem abrir portas à educação e à formação. Nesse mesmo ano, em Léo, desenvolveu um conjunto de residências para os médicos do centro que lá já tinha projetado. Numa dinâmica de partilha de conhecimento e de competências, o projeto é composto por cinco apartamentos (com quarto, jardim e terraço exterior particulares) que comungam do mesmo recinto, facilitado pelo sistema modular sustentado pelas paredes de betão – melhorando a privacidade e a segurança, formando uma espécie de santuário – e de blocos de terra comprimidos. Esta dupla camada reforça a integridade estrutural e facilita o arejamento dos interiores, para além da própria entrada de luz solar. Complementado é pelo recurso ao metal no teto, que permite, de igual modo, atender ao sobreaquecimento. O uso de gesso no revestimento permite, de igual modo, proteger o exterior de danos climáticos; para além da plantação de espécies aquíferas, que limitam a evaporação e a presença de insetos portadores de vírus.
No ano de 2019, para Coachella, no estado norte-americano da Califórnia, instalou a casa da celebração, inspirando-se na baobá, uma árvore nativa do seu continente com propriedades medicinais. Assim, e enquanto essas doze torres de baobá se vão expandindo, desenvolvem espaço para a luminosidade natural entrar e para a ventilação surfar pelo interior. A evocação do encanto da luz solar é capacitada, de igual modo, pela disposição de três torres centrais envolvidas por outras seis mais pequenas, iluminando o recinto à volta. Com isto, e através de materiais disponíveis naquela zona, como os típicos painéis de madeira, aqui multicoloridos (azul, rosa, laranja e vermelho), potenciando a entrada do Sol para projetar os matizes da linha montanhosa a si contígua, para além das próprias caraterísticas naturais particulares do amanhecer e do anoitecer. Não obstante, é o metal que prevalece como sustentáculo deste trabalho.
Ainda neste ano, no estado do Montana, compôs o chamado Xylem, um pavilhão de convivência no Tippet Rise Art Centre. De novo, o objetivo do arquiteto é evocar as espécies arborícolas da sua região, nomeadamente aquilo que a estrutura internamente, criando um espaço harmonioso e de contemplação. Kéré usa os álamos locais e recorre à madeira para criar essa ambiência, especialmente a de pinheiros, de forma a evitar insetos parasitas (aqui, usa um processo de poda natural). Esses componentes de madeira são agrupados circularmente numa estrutura hexagonal modular de aço, sustentada em sete grandes colunas. O desenho da superfície do topo torna-se sinuosa, paralela às colinas que circundam este trabalho. Com proporções massivas, Kéré homenageia a tugana, um espaço comunitário sagrado para os seus conterrâneos do Burkina Faso e também usa a palha de forma a proteger do Sol, ao mesmo tempo que viabiliza a ventilação. O binómio luz-sombra é jogado, assim, através desta circularidade do espaço, que possibilita diferentes perspetivas por parte de quem usufrui do espaço.
Em 2020, emergiu o Instituto de Tecnologia Burkina, na cidade de Koudougou. Tratou-se de uma expansão do liceu Schorge, no qual se desenhou um sistema de módulos repetidos, com uma disposição ortogonal que permitia desenhar um recinto retangular, passível de ser incrementado de acordo com as necessidades funcionais. O ar circula através dos espaços entre o escalonamento dos módulos, formando um espaço arejado para a descontração. Com paredes compostas por barro local fundido in loco, a construção tornou-se célere por esta razão, possibilitando uma melhor gestão futura dos módulos e atender às necessidades dos interiores, em muito preenchidas por tecnologias e os seus hardwares. Os perfis dos tetos são esticados e projetados para cima, orientando a expulsão do ar aquecido, recorrendo, de igual modo, ao eucalipto e a tons transparentes para iluminar os interiores e complementar as paredes. Para evitar as habituais cheias, foi construído um tanque subterrâneo que também serviu para irrigar as plantações de mangas nesse campus.
Instituto de Tecnologia de Burkina. Fotografia de Francis Kéré.
Campus esse que foi quase replicado no Quénia, no Startup Lions Campus, vocacionado para as tecnologias de informação e comunicação, de forma a combater o grande desemprego jovem da região. Tornou-se, este, um projeto de formação e de acesso a oportunidades nacionais e internacionais, coroado com um espaço que potenciou a beleza natural da zona do lago Turkana. Esse ambiente natural tornou-se complementado com tetos repletos de vegetação, que reforçam o ambiente agradável e harmonioso que se procura obter.
A inspiração do edifício advém das torres feitas pelas colónias de térmitas da zona, torres que foram replicadas em alta estatura para gerar ventilação natural, expelindo o ar quente e recebendo o ar fresco através de entradas baixas. Permite, de igual forma, proteger o equipamento tecnológico das poeiras do ar e, a partir da pedra extraída diretamente de pedreiras e de acabamentos de gesso, todos estes argumentos fortes para assegurar a sustentabilidade ecológica do espaço, assim como o baixo custo na sua elaboração. Para isso, como habitual, Kéré contou com os preciosos saberes e com a tomada de decisão das comunidades locais, conhecendo bem os materiais e as redondezas da obra a erigir.
Francis Kéré tornou-se o primeiro arquiteto africano a arrecadar um Pritzker para a sua conta pessoal. Para isso, fez-se sustentar pelos sabores técnicos mais vanguardistas, mas, em especial, pelos saberes locais, fruto das comunidades locais com quem aprendeu e desenvolveu muitas das suas paixões. Como prova de gratidão, compôs um corpus arquitetónico de referência, que continua a ser ensinado e transmitido para os seus conterrâneos e demais interessados. Para além do Pritzker, já havia conquistado outros prémios de proa, como o Schelling Architecture Award (2014), o Prince Claus Award (2017) e a Thomas Jefferson Medal in Architecture (2021). Deste modo, Keré é um dos mais relevantes arquitetos da atualidade, com uma presença forte na academia, mas também no mundo onde se edificam e se materializam os sonhos. Sonhos esses que já foram seus e que, por força e vida da sua obra, se tornam de outros tantos.