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Sustentabilidade

Construir o futuro com biocimento e betão autorregenerativo

Construir o futuro com biocimento e betão autorregenerativo

É necessário um pensamento inovador para tornar os materiais de construção mais sustentáveis, mantendo-os acessíveis e versáteis. Foto: Pedro Correia/Global Imagens.

Depois da água, o betão é a substância mais amplamente utilizada na Terra. Com aplicações desde a habitação e a indústria à defesa e infraestruturas costeiras, o betão e o cimento são, literalmente, a pedra angular da vida.

Infelizmente, a indústria da construção também tem um grande impacto ambiental. Só a produção de cimento gera até 8% das emissões globais de carbono, mais do que a aviação (2,5%) embora menos do que o setor agrícola (12%), de acordo com um relatório.

É necessário um pensamento inovador para tornar os materiais de construção mais sustentáveis, mantendo-os ao mesmo tempo acessíveis e versáteis. Algumas pessoas na indústria estão a utilizar novas tecnologias para tornar o betão ultra durável, enquanto outros estão a recorrer à biologia para tornar o biocimento sustentável.

Novos tipos de betão sustentável são fundamentais para fornecer as bases de outras infraestruturas sustentáveis, tais como parques eólicos, diz Liberato Ferrara, um professor de análise estrutural e design na Universidade Politécnica de Milão, em Itália.

"Se pensarmos em todas as necessidades que temos agora para a transição energética, eu diria que não podemos fazê-lo sem o betão", afirmou.

Condições extremas

Liderou um projeto chamado ReSHEALience, que se propôs desenvolver betão de ultra alta durabilidade (UHDC). Este betão é capaz de resistir a condições extremas e de se autorregenerar quando utilizado para a construção em cenários agrestes como ambientes marinhos e centrais de energia geotérmica.

"Estes ambientes estão entre as situações mais agressivas para estruturas de betão", considera Ferrara.

As composições adaptadas são o que dá a estas misturas de betão a sua resistência e durabilidade, incluindo componentes tais como aditivos cristalinos, nanofibras de óxido de alumínio e nanocristais de celulose.

O betão racha inevitavelmente durante a sua vida útil, mas uma das características das misturas cristalinas é que elas estimulam a autorregeneração. Ao reagirem com a água e os constituintes no betão, formam cristais em forma de agulha que crescem para preencher as fissuras. As nanofibras adicionadas acrescentam resistência mecânica ao material e ajudam a aumentar a sua durabilidade, permitindo-lhe suportar condições extremas.

O UHDC foi testado como um substituto duradouro para as tradicionais jangadas de madeira na criação de mexilhões, e para fazer partes de plataformas flutuantes de turbinas eólicas nas zonas costeiras. Foi também testado nas duras condições de uma central geotérmica, onde o mostrou melhor desempenho em relação aos métodos tradicionais de construção. A sua utilização no restauro de uma antiga torre de água em Malta demonstra o potencial do betão para a manutenção da arquitetura patrimonial.

Material sustentável

"Os projetos piloto estão a corresponder às expectativas de todos os pontos de vista. Conseguimos demonstrar que o UHDC é intrinsecamente um material sustentável. Permite a utilização de menos material para construir a mesma estrutura, pelo que, no final, a pegada ambiental e o equilíbrio económico são melhores", garante o especialista.

O material reduz a utilização de recursos, tanto pela redução da quantidade de produtos necessário em primeiro lugar, como por uma duração muito maior, com Liberato Ferrara a prever que pode ter o potencial de durar até 50 anos antes de necessitar de manutenção significativa.

Pode ser produzido numa grande variedade de locais para muitas aplicações diferentes, utilizando materiais locais. Além disso, a brita de UHDC promete ser um constituinte reciclado para produzir betão novo com o mesmo desempenho mecânico e durabilidade que o betão de base.

A crescente urgência de cumprir os objetivos de sustentabilidade exige novas formas de olhar "holisticamente" para a construção.

"Trata-se de difundir uma nova forma de pensar para as estruturas de betão" que considera toda a cadeia de valor e a vida útil das estruturas planeadas, disse. "É preciso pensar na conceção estrutural, na aquisição de materiais, na durabilidade e no ciclo de vida dos materiais. Se não pensar assim, terá sempre uma informação parcial e as inovações não conseguem vingar".

É necessário um pensamento inovador para tornar os materiais de construção mais sustentáveis, mantendo-os acessíveis e versáteis. Foto: Muratart/Shutterstock

Biocimento

Noutros lugares, os investigadores estão a procurar formas bastante diferentes de inovar no setor da construção, aproveitando os processos naturais dos organismos vivos.

Para as empresas ferroviárias, o assentamento de solos ao longo do tempo em aterros por baixo das linhas dos caminhos-de-ferro pode criar sérios problemas e aumentar os custos de manutenção e os atrasos dos passageiros.

As soluções mais comuns passam pela utilização de métodos mecânicos para a fixação de materiais triturados ou estabilizadores de base química. No entanto, estes podem ser prejudiciais e dispendiosos, podem ter efeitos secundários ambientais e gerar emissões de carbono. O projeto NOBILIS está portanto a fazer com que as bactérias façam o trabalho, vendo o solo como um organismo vivo em vez de uma massa amorfa a ser movida por bulldozers.

A ideia é que um solo mais forte, criado através de um processo chamado "biocimentação", pode reduzir a necessidade de terraplanagens e a utilização de materiais como o betão.

Construído por bactérias

No processo de biocimentação, o crescimento e a atividade metabólica das bactérias é estimulado, fornecendo-lhes nutrientes e os chamados agentes cimentícios. As enzimas resultantes, produzidas pelas reações catalisadoras das bactérias, formam substâncias como o carbonato de cálcio, que ligam as partículas do solo.

A técnica foi reconhecida como tendo potencial em solos com partículas maiores, tais como solos arenosos, incluindo a formação de rochas de praia para proteção contra a erosão costeira e para outras aplicações em engenharia civil ou ambiental.

Contudo, um desafio maior surge com solos mais finos como a argila e a turfa, devido à circulação mais restrita de bactérias, água e outras substâncias. Sem se deixar intimidar, o NOBILIS procura explorar formas de utilizar a biocimentação numa gama mais vasta de solos.

Trabalhos recentes no Reino da Ânglia Oriental, no Reino Unido, demonstraram a possibilidade de biocimentação de solos turfosos. O projeto NOBILIS visa ampliar este trabalho através de ensaios no terreno, disse a Professora Maria Mavroulidou, investigadora geotécnica e líder do projeto na London South Bank University (LSBU).

Mudança de paradigma

Mavroulidou acrescenta que este tipo de abordagem de inspiração biológica requer novas formas de pensar e fé em técnicas novas e pouco conhecidas.

"Dizer a um engenheiro civil no ativo que se vai usar bactérias para cimentar o solo, faz com que ele levante as sobrancelhas", diz, "porque é uma mudança de paradigma para a indústria".

Wilson Mwandira, um investigador de engenharia ambiental, também da LSBU, disse-nos que o NOBILIS está a investigar técnicas para bloquear o dióxido de carbono no solo à medida que a biocimentação ocorre, bem como a analisar o potencial de utilização de mais bactérias indígenas no processo.

A utilização de bactérias já presentes no solo evitaria um impacto negativo nos organismos já presentes no ambiente, explicou Mwandira. "Se trouxer novas bactérias para uma comunidade, causará uma perturbação no sistema", disse.

A esperança é que tais técnicas de biocimentação se tornem mais amplamente aplicáveis aos trabalhos de construção em geral. "Estamos também a tentar alargar a técnica de forma mais geral a outros materiais geotécnicos encontrados em fundações de edifícios e construções de engenharia civil", explica Michael Gunn, engenheiro geotécnico também da LSBU."«Toda a construção requer alguma forma de melhoria do terreno".

Considera que poderia levar alguns anos até que estas técnicas fossem utilizadas de uma forma mais rotineira, mas que é essencial que estes métodos inovadores sejam explorados para enfrentar os desafios na construção a longo prazo.

"Uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa sob a forma de dióxido de carbono deve-se à indústria da construção", disse. "Por isso, precisamos de nos afastar dos processos tradicionais".