Estudantes da FAU na aula de Desenho Arquitetônico montando uma maquete estrutural da Casa Gerassi – Foto: Acervo pessoal/Artur Rozestraten
Várias iniciativas educacionais têm buscado integrar cada vez mais as tecnologias digitais para contribuir com o aprendizado dos alunos. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, destaca-se a utilização da plataforma web colaborativa Arquigrafia, que reúne mais de 13 mil imagens de edifícios e espaços urbanos do Brasil e de países lusófonos. A plataforma é aberta a estudantes de qualquer faculdade e também ao público em geral que pode acessar o acervo gratuitamente e, mediante cadastro, contribuir com suas próprias imagens. Ela está disponível neste link.
No curso de arquitetura e urbanismo da FAU, duas disciplinas obrigatórias da graduação se destacam nessa experiência: a Desenho Arquitetônico e a História da Arquitetura e do Urbanismo II. Dentre as atividades realizadas no início deste semestre em interação com a plataforma Arquigrafia encontram-se pesquisas iconográficas on-line, visita à Casa Gerassi, projetada por Paulo Mendes da Rocha (ganhador do Prêmio Pritzker de 2006, condecoração máxima para os arquitetos), e uma promenade no centro histórico de São Paulo.
Um roteiro arquitetônico
Beatriz Bueno, professora da FAU e ministrante da disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo II, conta que a promenade é uma visita de campo envolvendo um roteiro, neste caso, em busca de tesouros da arquitetura no centro histórico da capital paulista.
“Em função da exposição ‘Arquitetura italiana no estado de São Paulo’, que eu tive a oportunidade de montar no CAU [Conselho de Arquitetura e Urbanismo] de maio a agosto de 2024, optamos também por dar um pouco de foco para a arquitetura realizada com mãos italianas no estado de São Paulo, especialmente na Colina Histórica de São Paulo [espaço mais antigo da cidade]”, afirma.
Turma de História da Arquitetura e do Urbanismo II no CAU/SP, localizado no centro histórico de São Paulo – Foto: Ana Beatriz Tuma
Durante a promenade, os alunos foram convidados a fazer fotografias e desenhos do que viam para serem disponibilizados no acervo digital do Arquigrafia. Para a professora, essa é uma possibilidade “de fazer da própria cidade um laboratório, uma experiência imersiva, em que os alunos têm a oportunidade de descobrir com os próprios olhos, apalpar, perceber as características da arquitetura vigente no chamado longo século XIX da era do capitalismo industrial, que é o foco da disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo II, que eles estão cursando no momento”.
Na opinião dela, o Arquigrafia é uma plataforma de hiperconvergência de vários tipos de imagens e, portanto, de imaginários. “Para a disciplina, ela acaba se comportando como um repositório, uma memória dessa experiência de campo realizada pelos alunos”, explica.
A arquiteta formada pela FAU e integrante da equipe do Arquigrafia Ana Carolina Ribeiro reconhece a importância do uso da plataforma em visitas de campo como a promovida na disciplina da professora Beatriz Bueno.
Estudantes, monitores e professores da FAU na Casa Gerassi, com seu proprietário Antonio Gerassi – Foto: Ana Beatriz Tuma
“Uma coisa que eu acho que, dificilmente, acontece nessas visitas é justamente a comparação da passagem do tempo que o edifício sofre, porque se a gente for pensar, uma arquitetura pode durar muito mais do que a vida de quem a construiu. Então, eu acho que um espaço como o Arquigrafia é interessante para a gente recuperar essa memória”, afirma.
Outro ponto levantado por Ribeiro é o registro, na plataforma, de imagens sobre várias perspectivas, oriundas do olhar de cada estudante. “Do ponto de vista de quem está estudando Arquitetura, isso pode ser bastante interessante: registrar sua própria visão e isso ficar para outras pessoas, depois, aprenderem também, entenderem essas múltiplas facetas que um edifício pode ter”, destaca. Dessa forma, é gerada uma diversidade de representações sobre o que é a arquitetura e a própria cidade.
Essa visão é corroborada pela estudante de Arquitetura e Urbanismo da FAU Larah Agostinho, que conta que a promenade foi uma oportunidade de olhar a cidade com outros olhos, associando-a ao que é falado em sala de aula. “Foi muito legal poder tirar esse momento para desenhar, para fotografar e para poder observar pequenos detalhes que, normalmente, quando a gente passa durante a rotina, não para para observar”, comenta. Segundo a graduanda, o registro de imagens no Arquigrafia ajuda também outros alunos, que não tiveram acesso a esse momento, a verem os referidos detalhes.
Casa Gerassi: um projeto de Paulo Mendes da Rocha
Já os alunos da disciplina de Desenho Arquitetônico tiveram a oportunidade de visitar a Casa Gerassi, localizada no Alto de Pinheiros, após realizarem uma pesquisa iconográfica na internet, com especial atenção às imagens disponíveis no Arquigrafia, e de se dedicarem à montagem de uma maquete estrutural da casa. “A relevância de se utilizar o Arquigrafia antes da visita à Casa Gerassi é reconhecer que essa plataforma colaborativa é também uma fonte de informações iconográficas que possibilitam uma apreensão da arquitetura à distância”, comenta Artur Rozestraten, um dos professores da disciplina e coordenador da plataforma.
Para o professor, são várias as razões que levam a Casa Gerassi a ser um objeto de estudo dos graduandos. Primeiro, porque ela é construída com elementos pré-fabricados que, em geral, são raros na arquitetura residencial. “Uma outra característica é que esse projeto, tão singular, foi desenvolvido pelo Paulo Mendes da Rocha, que tem várias outras residências feitas em concreto moldado in loco, aquele concreto que é moldado diretamente na obra, e essa técnica da pré-fabricação diferencia, então, a solução da Casa Gerassi”, elucida.
Somado a isso, Rozestraten acredita que essa residência é “muito didática no sentido de expor, com muita clareza, quais são os elementos que compõem a sua estrutura e todos os demais itens da obra”. Tal clareza didática pode ser apreendida na montagem da maquete estrutural e, em seguida, in loco, na visita à casa. De acordo com ele, para todas essas partes da Casa Gerassi, Paulo Mendes da Rocha desenvolveu soluções características de sua arquitetura, que também são apreendidas pelos estudantes via Arquigrafia e, posteriormente, na visita de campo.
Na percepção de Eduardo Pizarro, também professor da disciplina Desenho Arquitetônico da FAU, essa plataforma promove uma retroalimentação entre teoria e prática no aprendizado de arquitetura e urbanismo. “O Arquigrafia permite às pessoas tomarem contato inicial com um problema, com uma questão, com uma potencialidade. Ao mesmo tempo, é interessante que, a partir dessa primeira aproximação, as pessoas podem ir a campo e tentar responder algumas das dúvidas que surgiram, algumas provocações que foram trazidas pelo Arquigrafia e, ao fazer essa visita, também são produzidas mais imagens. Isso volta para essa plataforma”, detalha.
A respeito do uso do Arquigrafia, o estudante de Arquitetura e Urbanismo da FAU Gustavo Araujo diz que ter tido contato com ela antes da visita à Casa Gerassi ampliou o seu olhar sobre essa obra arquitetônica. “É como se tivesse um olhar anterior para você consolidar o seu. É como se você fosse se planejando, tipo um preparo, sabe? E aí você organiza tudo para quando você chegar ver tudo da sua forma para conseguir passar essa experiência para outras pessoas”, observa.
Antonio Gerassi, proprietário da residência, tem acompanhado de perto as visitas feitas pelos alunos da FAU ao longo dos anos. “Essa atividade já faz parte da história da Casa Gerassi, que está sempre de portas abertas para esse delicioso exercício de conhecimento”, salienta. De uma das visitas, Gerassi se recorda de alguns alunos que disseram que ela foi incrível, pois haviam estudado os detalhes antes, como os vãos da casa, e que, no futuro, iriam utilizar isso em seus projetos arquitetônicos.
Os próximos passos dos graduandos na disciplina envolvem desenhar a casa em planta, corte e elevação e fazer upload, no Arquigrafia, das imagens originais produzidas por eles com o uso das hashtags #aut0512 e #CasaGerassi, as quais permitem a recuperação desse material por qualquer pessoa interessada no tema.