A moradia digna é um direito garantido pela Constituição Federal e, neste ano eleitoral, deveria estar entre as principais prioridades das campanhas municipais em todo o Brasil. No entanto, a produção habitacional continua sendo um desafio em toda nova gestão, tanto devido à desigualdade social nas cidades brasileiras quanto às limitações das políticas públicas existentes.
Pensando nisso, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Produção da Casa e da Cidade, da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAU) da USP, lançou o Caderno do 1º Seminário de Trabalho: Produção da Casa e da Cidade no Brasil Contemporâneo. O livreto reúne as primeiras reflexões do grupo sobre a produção habitacional contemporânea no País e está disponível para download gratuito neste link.
Para a professora Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins, coordenadora do INCT, “a habitação é um dos principais pontos que os gestores deveriam abordar com mais profundidade, especialmente em contextos de eleições municipais, mas o que vemos é uma falta de propostas claras para o futuro das nossas cidades”.
Conforme a professora, o caderno é resultado de um encontro que contou com a participação de mais de 60 pesquisadores, distribuídos em quatro linhas de pesquisa. A professora destaca que as linhas incluem “a autogestão, a produção estatal, o setor imobiliário privado e uma abordagem historiográfica dos processos de urbanização no Brasil”.
Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins, coordenadora do INCT - Foto: Divulgação/IEA-USP
Segundo Maria Lucia, o projeto tem como base uma pesquisa histórica que busca entender a evolução da urbanização brasileira desde os anos 1970, mas adaptada às realidades e desafios contemporâneos. “Partimos de um livro produzido dentro da própria FAU, intitulado A Produção Capitalista da Casa e da Cidade no Brasil Industrial, organizado pela professora Ermínia Maricato no final da década de 1970”, esclarece.
Páginas do caderno com a produção do INCT Produção da Casa e da Cidade - Foto: Divulgação/LabHab FAU-USP
Desafios para os próximos 50 anos
O Brasil, que viveu um processo intenso de redemocratização e fortalecimento de políticas públicas no final do século 20, como o surgimento do programa Minha Casa, Minha Vida e a criação do Ministério das Cidades, hoje enfrenta novas questões. “Não podemos dizer que tudo é igual ao que foi visto nos anos 1970. Ainda há uma presença significativa da autoconstrução, mas em um contexto diferente, como o projeto Minha Casa, Minha Vida-Entidades, que trabalha com autogestão. [Mas hoje] enfrentamos problemas como a ocupação de territórios por grupos marginais, que inclusive promovem a venda de habitação de forma ilegal”, argumenta Maria Lucia.
Nesse contexto, a professora reforça a necessidade de um diálogo mais próximo entre os municípios e suas populações para melhorar as condições habitacionais e produzir cidades mais inclusivas e acolhedoras. “A autogestão, por exemplo, é uma forma de garantir que as comunidades participem ativamente do processo de construção de suas moradias, gerenciando o projeto e acompanhando cada etapa da produção.” Para ela, esse tipo de processo gera um vínculo mais forte entre as pessoas e suas casas, promovendo uma maior responsabilidade e engajamento social.
Seminário de trabalho do INCT realizado no mês de maio - Foto: Reprodução/Caderno Produção da Casa e da Cidade
A coordenadora aponta que o seminário realizado em maio de 2024 foi fundamental para alinhar as diferentes perspectivas dos pesquisadores. A produção de moradia precisa estar em sintonia com as realidades locais, “o que funciona para o Sul do País pode não ser adequado para o Norte, e vice-versa”, ressalta ela, pontuando que a diversidade regional do Brasil demanda políticas habitacionais igualmente diversas.
Um dos objetivos futuros do INCT é criar uma plataforma interativa que espacialize os territórios estudados, facilitando a visualização das áreas analisadas pelos pesquisadores. “Estamos trabalhando na elaboração dessa ferramenta, que deverá integrar dados de diversas fontes, como o IBGE e outras instituições públicas, para criar um panorama mais claro das necessidades habitacionais do País”, explica. A expectativa é que essa plataforma seja desenvolvida ao longo dos próximos anos, com a participação ativa de novos pesquisadores e novas oficinas metodológicas.
Sobre as próximas etapas, a docente confirma que mais seminários e publicações estão previstos. “Esse momento do livreto marcou a primeira grande reunião do grupo. Agora, vamos trabalhar com algumas oficinas, construindo e articulando as metodologias dos diversos grupos, e assim continuaremos o trabalho”, finaliza.
Para conferir o Caderno do 1º Seminário de Trabalho: Produção da Casa e da Cidade no Brasil Contemporâneo clique aqui. Mais informações no site https://www.labhab.fau.usp.br/inct.