Paralimpíada deixa Rio mais acessível para pessoa com deficiência
G1 Rio
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13 de julho de 2016
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A realização de uma Olimpíada trouxe para o Rio não só a possibilidade de preparar o maior evento esportivo do mundo. Trouxe a reboque três palavras que entraram na moda – legado, mobilidade e acessibilidade – que já fazem parte do vocabulário carioca. Junto com elas vieram ações que podem significar também a oportunidade de mudar a cara da cidade e torná-la mais inclusiva, não só para atletas e turistas, mas principalmente para a sua própria população.
Para receber milhares de atletas, paratletas e torcedores, a cidade está passando por uma série de obras e transformações, que ficarão como legado para a cidade. Algumas já levando em consideração o que os urbanistas chamam de desenho universal. Ou seja, que permitam a utilização por todo tipo de pessoa, seja ela idosa, criança ou com alguma deficiência física ou motora, como observa a arquiteta Vanessa Goulart, diretora executiva do Centro de Vida Independente (CVI), uma ONG que cuida de projetos para pessoas com deficiência.
“Desde a década de 90, com o projeto Rio Cidade, o Rio não tinha uma intervenção urbanística tão grande. São obras espalhadas por todos os cantos, e a Olimpíada trouxe essa oportunidade de fazer investimentos que garantam maior acesso, como padronização e conservação de calçadas, criação de rampas e instalação de piso tátil. Alguma coisa foi feita, principalmente na área dos jogos, mas ainda há muito mais o que fazer, no que se refere à acessibilidade em hotéis, transportes, museus, restaurantes”, observou a arquiteta.
A prefeitura informa que, graças ao programa Bairro Maravilha, para a Olimpíada foram criadas novas calçadas com piso tátil em 59 bairros cariocas, sendo 20% das ruas em localidades da Zona Norte, 10% na Zona Oeste e o restante na Zona Sul e nos entornos dos equipamentos esportivos, como nas ruas do Engenho de Dentro, na Zona Norte, nas imediações do estádio Engenhão. E até o início dos jogos estarão funcionando dez Rotas Acessíveis, que levam a pontos turísticos como Jardim Botânico, Vista Chinesa, Pão-de-Açúcar, Cinelândia, Corcovado.
Vanessa diz que a cidade está mais preparada, mas ainda falta muito para ser totalmente inclusiva. Ela destaca que nem todos as calçadas têm piso tátil para a orientação de cegos, principalmente com relação a obstáculos nas calçadas, como árvores, bancas de jornais, orelhões. E ainda falta padronização no piso tátil, como determinar que bolinhas signifiquem obstáculos e traços, o caminho a ser seguido. Sem falar no piso de pedras portuguesas, que pela irregularidade, confundindo a “leitura” do piso pelos cegos.
A arquiteta lembra ainda que no Rio não existem sinais luminosos sonoros para a travessia de cegos. E que anos atrás até tentaram implantar um projeto-piloto em frente ao Instituto Benjamin Constant, na Urca, na Zona Sul. Mas o sinal sonoro experimental quase provocou uma tragédia.
“Os motoristas não respeitavam o sinal e os cegos quase eram atropelados. Os próprios cegos tinham dificuldade de identificar o som do sinal sonoro por causa do barulho do trânsito. Aí, o projeto não foi adiante”, contou Vanessa.
Quando se fala em acessibilidade, a primeira palavra que vem à mente é mobilidade. Ou melhor, transporte. E é justamente neste quesito que o Rio mais deixa a desejar, segundo as pessoas com deficiência. A prefeitura diz que investiu basicamente em transporte de alta capacidade, como ônibus articulados do BRT e VLT. Mas mesmo assim, ainda há o que adaptar, como destaca a treinadora de ginástica e cadeirante Georgette Vidor.
“O BRT e o VLT alcançam muitos dos objetivos para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. Eles são transportes mais acessíveis para pessoas com deficiência, com validadores de bilhete mais baixos, rampas de acesso, portas mais largas e espaço para cadeiras de rodas. Mas ainda precisam melhorar, por exemplo, para cegos. Não há informações sobre o trajeto em braile nas paradas”, observa Georgette, que já foi secretária municipal da Pessoa com Deficiência.
E os ônibus, segundo a presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comdef-Rio), Ana Cláudia Monteiro, ainda são o maior obstáculo para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Num fórum realizado em março deste ano, foi discutida a necessidade de mudar a frota que atende a cidade. Os elevadores para cadeirantes – que raramente funcionam – só atendem a cadeirantes. Eles não servem para quem sofre de nanismo, usa muletas, ou mesmo para idosos.
“O ideal são os ônibus de piso baixo, com rampas, que dão mais autonomia e segurança. Um anão ou um obeso, por exemplo, não consegue subir degraus tão altos. O interior dos veículos também deveria ser padronizado, com validadores de bilhete mais baixos. A prefeitura também deveria investir num aplicativo para celular mais acessível que informasse o itinerário das linhas de ônibus. Afinal, muita gente precisa pegar um ônibus para chegar ao BRT e ao VLT”, ponderou Ana Cláudia.
Nos transportes de alto rendimento, como os trens, os passageiros também não têm acesso fácil. Das 102 estações, as seis – São Cristóvão, Engenho de Dentro, Deodoro, Vila Militar, Magalhães Bastos e Ricardo de Albuquerque – que levam a alguma arena olímpica foram completamente reformadas e adaptadas com elevadores, piso tátil e modernos painéis de informação. Outras estações, como Saracuruna e Madureira, passaram por obras de modernização e para facilitar a acessibilidade. O projeto de remodelação das estações, de acordo com a SuperVia prossegue até 2020.
Já nas 36 estações de metrô das duas linhas que servem à cidade, contam com itens de acessibilidade inclusive nos acessos, como rampas, elevadores, plataformas, piso tátil, mapas em braile. Grande preocupação da treinadora Georgette Vidor, o Aeroporto Internacional Tom Jobim, principal entrada do Rio durante os jogos, passou recentemente pela terceira simulação para embarque e desembarque de pessoas com deficiência. Participaram do teste 23 voluntários cadeirantes e cegos, que testaram os serviços, do check-in ao embarque no avião. O serviço foi aprovado pelos voluntários.
A arquiteta Vanessa Goulart lembra que acessibilidade não se restringe somente a transportes. E se diz preocupadas com o acesso de pessoas com deficiência em hotéis, bares, restaurantes, bancos e museus.
“Museus mais recentes como o do Amanhã e o MAR contam com banheiros adaptados, rampas, elevadores e áudio-guias. Mas sabemos que prédios mais antigos, como o do Museu de Belas Artes, que não foram construídos muito antes de surgir o conceito do design universal, não são tão acessíveis”, disse a arquiteta.
Para quem busca informações sobre os pontos turísticos o site Turismo Acessível, do governo federal, em português, inglês, espanhol e em libras, lista 101 museus e atrações históricas, no Rio. Pelo site é possível saber quais os serviços disponíveis para cada tipo de deficiência. Tem também indicações de esporte e lazer, hospedagem, compras, parques e serviços.
“Não existe cidade nenhuma no mundo totalmente acessível. Mas sabemos que o Rio, por exemplo, é mais viável para um cadeirante, por exemplo, que Nova York. Nem mesmo as cidades europeias, de países desenvolvidos têm acessibilidade plena. O que importa, é que a Paralimpíada trouxe uma nova mentalidade e a oportunidade de começar a mudar os centros urbanos. Isso vai ficar como legado para toda a cidade”, disse Vanessa.