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Depoimento histórico de Guilherme Estrella

Clube de Engenharia - 03 de agosto de 2016 2087 Visualizações
Depoimento histórico de Guilherme Estrella
Em entrevista exclusiva, o escritor e jornalista Paulo Moreira Leite, em longa conversa com o geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras (2003/2012) e conselheiro do Clube de Engenharia, produziu um documento inédito da história recente do país. O material, já publicado em quatro partes, segundo Moreira Leite, poderá ter continuidade em novos capítulos.
O Clube de Engenharia divulga, a seguir, as partes 1 e 2: O pré-sal é nosso, com o relato de Estrella sobre o quadro político no qual se deu a descoberta do pré-sal e Projeto Serra entrega o filé mignon, que, conforme esclarece Moreira Leite, entre outras questões Estrella “discute por que a Shell interrompeu perfurações no meio do caminho, na área onde mais tarde a Petrobras encontrou o pré-sal”.
 
Pela riqueza de informações e fatos divulgados por alguém que, como protagonista, conhece esse capítulo da história nacional como ninguém, o Clube de Engenharia dá início hoje à publicação da série.

Leia, a seguir, as duas partes iniciais da entrevista de Guilherme Estrella.
 
PARTE 1
Estrella: o pré-sal é nosso
Por Paulo Moreira Leite, editor em Brasília do jornal Brasil 247
Líder da equipe que chegou às reservas do pré-sal, hoje alvo de um projeto de abertura ao capital estrangeiro em discussão no Congresso, o geólogo Guilherme Estrella afirma que o fator político foi decisivo para uma descoberta com impacto relevante para o país e as novas gerações. “Lula rompeu com as políticas neoliberais que estavam em vigor e reconstruiu o lugar Petrobras em nosso desenvolvimento. A partir daí, estávamos a um passo do pré-sal, diz ele, na primeira parte de uma entrevista exclusiva ao 247. Estrella também acusa o governo Fernando Henrique de reduzir em 40% a presença da Petrobras na procura de novos campos de petróleo, limitando as pesquisas da empresa e favorecendo a entrada das multinacionais.
BRASIL 247 – Como explicar a descoberta de pré-sal brasileiro?
 
GUILHERME ESTRELLA - Há fatores econômicos, pois envolve investimentos pesados. Também é preciso ter um bom conhecimento da área a ser explorada, com uma pesquisa geológica de qualidade. Mas o fator político foi decisivo.

247 - Por que? 
GUILHERME ESTRELLA – No período que transcorreu entre a reforma neoliberal da Constituição de 1988, com a consequente quebra do monopólio e a instalação do regime de concessão internacional, havia uma política não escrita mas praticada pelos governos do PSDB. Consistia em reduzir em 40% a presença da Petrobras nos trabalhos de  engenharia e pesquisa. A razão disso era clara: pretendia-se estimular empresas estrangeiras a investir no Brasil. Estou convencido de que não era um comportamento casual, fruto de uma decisão de momento, mas uma decisão de caráter estratégico.

247 – E como se fazia isso?
GUILHERME ESTRELLA – Impunha-se duas condicionantes a Petrobras. A primeira, era diminuir a participação da empresa nas licitações de blocos exploratórios promovidas pela Agencia Nacional do Petróleo, ANP. Disputando menos blocos, a empresa tinha menos áreas para pesquisar e explorar. A segunda consequência é que, na prática, essa situação obrigava a Petrobras a atuar apenas na bacia de Campos, então responsável por 80% da produção brasileira. Eram condicionantes gravíssimas para a empresa e para o Brasil.

247 – E por que?
GUILHERME ESTRELLA – Vamos lembrar o que acontecia em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Naquele momento, os blocos exploratórios da Petrobras eram suficientes para companhia manter sua atividade apenas até 2008. Pensando aonde poderíamos estar, se essa visão fosse mantida, é difícil imaginar o destino da companhia. Com certeza, seria uma empresa menor e mais fragil. Só para dar uma ideia. Em 2002,  investimentos em pesquisa ficavam em US$ 110 milhões. Hoje, se encontram em US$ 1,1 bilhão. O lucro líquido foi de R$ 8,1 bilhões em 2002.  Em 2013, passava de US$ 23 bilhões. Nós tínhamos 11 bilhões  de barris em reservas. Hoje, são 16,5 bilhões. Se aquelas condicionantes fossem atendidas,  vários blocos já sob domínio da Petrobras já teriam sido devolvidos a ANP em agosto de 2003.

247 – Qual era o outro efeito grave dessas condicionantes? 
GUILHERME ESTRELLA – Num fato elementar do setor de E & P da nossa indústria , os campos de petróleo e ou gás natural perdem produção de modo acentuado após cinco anos. Em média, a perda pode chegar a 10% ao ano. Podemos imaginar o que isso iria significar para a Petrobras: uma situação, absolutamente fora de controle, da perda de sustentabilidade nos dez anos seguintes. Era um quadro de risco que estava começando em 2002.

247 – O que aconteceu então?
GUILHERME ESTRELLA – Logo depois da posse, o presidente Lula rompeu com a política neoliberal que estava em vigor, e que gerava uma relação perigosa de dependência externa. Numa decisão impecável, do ponto de estratégico, que foi ficando clara em inúmeros pronunciamentos, ele mudou a mensagem que vinha do governo. Mais uma vez de forma não escrita, dizia que a Petrobras iria reassumir  sua posição de principal condutora do setor petrolífero, voltando a participar de forma concreta na retomada do desenvolvimento industrial brasileira.

247 – Sabemos que essa postura foi bem recebida dentro da empresa. Por que?
GUILHERME ESTRELA –  Não poderia ser de outra forma. Estávamos falando em investir fortemente nos blocos que, na situação anterior, deveriam ser devolvidos a ANP já em agosto. Foi assim que descobrimos em Santos os campos de Uruguá e Tambaú, de petróleo. Também encontramos o campo de gás de Mexilhão.

247 – Não era Mexilhinho?
GUILHERME ESTRELA – Nunca foi. Esse termo  depreciativo em relação a Petrobras e seus funcionários, foi uma fruto de uma crítica precipitada, de quem estava impaciente para condenar a nova orientação política da empresa. Na verdade, era uma avaliação em cima  dos primeiros resultados da exploração, quando se colhe uma amostra parcial, incerta, que deve ser confirmada ou desmentida mais adiante. Estava totalmente errada. Com o tempo, revelou-se que Mexilhão era, simplesmente, o maior campo de gás natural já descoberto em território brasileiro.

247 – O efeito da nova postura do governo Lula foi imediato, então? 
GUILHERME ESTRELLA – Sim. Com essas três descobertas foi possível confirmar a existência de um  sistema petrolífero na bacia de Santos. Até então, ela ficara relegada ao segundo plano nas prioridades exploratórias da Petrobras. Isso porque, sem investimentos em novas pesquisas, parecia conter, numa área de extensão gigantesca, um único e pequeno campo de gás natural, descoberto pela Shell, ainda no período dos contratos de risco da década de 1970. Na bacia do Espírito Santo foi descoberto o Campo de Golfinho, de óleo leve (de menor custo de refino) e muito gás. Foram abertas, assim, perspectivas exploratórias muito interessantes naquela bacia sedimentar, logo acima de Campos. Até então, ela era considerada não atrativa para as atividades da empresa. Tanto assim que a decisão de fechar a unidade de E&P, em Vitória, já estava tomada.  

247 – Qual a importância dessa nova postura para a descoberta do pré-sal?
GUILHERME ESTRELLA – A partir deste momento, estávamos a um passo do pré-sal. Não vamos nos enganar. A base de qualquer avanço de envergadura consiste em aproveitar oportunidades exploratórias criadas pela competência técnica e geocientífica de uma companhia. Por essa razão é correto dizer que tudo o que veio depois significou o coroamento das decisões estratégicas de 2003. Seguindo nesta direção, na licitação da ANP daquele ano a Petrobras foi bastante agressiva. Arrematou inúmeros blocos, dentro e fora da bacia de Campos, persistindo na tendência que permitiu recompor a forte posição exploratória da companhia a longo prazo.   

247 – Como as concorrentes estrangeiras reagiram a essa postura?
GUILHERME ESTRELLA – Um fato importante da licitação de 2003, que marcou uma virada estratégica, é que a área  corporativa da Petrobras havia costurado alianças  de participação com empresas estatais e também privadas estrangeiras. Mas, num ato conjunto, totalmente inesperado, elas simplesmente nos comunicaram, às vésperas da licitação, que não estavam mais interessadas nas alianças anteriores.

247 – O que isso queria dizer?
GUILHERME ESTRELLA – Em meu entendimento, foi uma clara reação contra o governo Lula. Elas demonstraram que as decisões já tomadas não atendiam seus interesses.  Diante disso, a reação da Petrobras foi a de aumentar a agressividade na licitação. Isso permitiu a recomposição de nossa carteira exploratória, agora 100% Petrobras, para os anos vindouros.


PARTE 2
Estrella: projeto Serra entrega o filé mignon
Na segunda parte de seu depoimento ao 247, o diretor aposentado da Petrobras, Guilherme Estrela, recorda o papel de Lula na criação de regras do pré-sal, inclusive a condição da Petrobras como sua operadora única, centro dos questionamentos ao  projeto de José Serra, em tramitação no Congresso. Líder da equipe que encontrou o pré-sal, Estrella diz que é justamente a posição de operadora única que pode garantir que a Petrobras se transforme numa das principais produtoras mundiais de petróleo. 

247 – Nós sabemos que entre  2007 e 2010, quando o governo Lula criou e depois conseguiu aprovar as regras do pré-sal no Congresso, o bicho pegou justamente na hora em que se garantiu a condição da Petrobras como operadora única, com participação obrigatória mínima de 30%. É  justamente este ponto que o projeto de José Serra pretende modificar. Qual a importância dessa decisão?   
GUILHERME ESTRELLA – Para entender: é o operador que decide a tecnologia de construção de poços e de produção de óleo e gás. Este trabalho oferece uma extraordinária oportunidade de pesquisa e desenvolvimento para todo tipo de inovações tecnológicas e operacionais. O pré-sal brasileiro encontra-se a mais de 2000 metros de profundidade de mar. É a última fronteira geológica disponível para a produção de óleo e gás. A empresa que opera suas atividades será imensamente beneficiada, pois tudo passa por sua mão. Ela define a engenharia de projetos e de operação dos grandes sistemas de produção submarina. Também toma decisões sobre o trabalho no fundo do mar, a coleta e transporte até as unidades flutuantes, navios ou plataformas. São dimensões de amplo espectro, que representam o grande saldo de conhecimento para o futuro, para os novos mercados e novas oportunidades.

247 – Como se tomou a decisão de garantir a Petrobras como operadora única?
ESTRELLA – O governo sofreu pressões de todos os lados. Na própria Petrobras, um grande contingente de técnicos não conseguia vislumbrar a extraordinária oportunidade para o desenvolvimento nacional que a condição de operadora única representa. Havia a mesma dúvida em diversos níveis do governo federal. E é claro que já ocorriam pressões diretas das partes interessadas em mudar as regras a seu favor. Isso explica o email de agosto de 2009, quando a gerente no Brasil de uma petrolífera norte-americana, escreveu a seus superiores nos EUA. Alertava que o pré-sal era uma grande ameaça aos interesses das empresas norte-americanas mas chamava a atenção para o fato de que se o candidato a presidente José Serra vencesse as eleições em 2010, aquele marco seria revogado. Convém lembrar que não foi a única manifestação neste sentido. Naquela época, recebi a visita de um cônsul dos Estados Unidos, em meu gabinete, falando do interesse de empresas de seu país em participar do pré-sal. Ouvi um mesmo apelo de um executivo que visitei a trabalho no Texas.

247 – O que aconteceu de lá para cá?
ESTRELLA – Até aqui soubemos resistir a todas as pressões. Tanto a postura do presidente Lula, como a votação do Congresso, que aprovou a legislação adequada, garantiram à Petrobras as condições de realizar um processo de desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, autônomo, em benefício da sociedade, da população e de empresas genuinamente brasileiras. Em cada área de competência, todos tiveram a oportunidade de se mostrar capazes em escala mundial. A prova está na produção. Num prazo relativamente curto, em junho  a produção do pré-sal brasileiro fechou em 1,2 milhão de barris por dia, número recorde, que já representa quase metade da produção total do país.

247 – Ao lado do então presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, o senhor participou de discussões com o presidente Lula, em 2007, quando se confirmou a existência do pré-sal.  Como foi? 
ESTRELLA – É preciso lembrar o que estava acontecendo no mercado mundial de petróleo naquele momento para se ter uma ideia da importância da discussão que fazíamos em Brasília. O Iraque havia sido invadido, ocupado e destruído. A causa, como o planeta inteiro sabia, era a crescente dependência energética da Europa do petróleo e gás da Rússia, e dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio. Neste cenário energético desesperador para as nações hegemônicas ocidentais, obrigadas a mobilizar a OTAN e a realizar uma guerra, o Brasil aparece do outro lado do Atlântico, tirando da cartola a maior província petrolífera descoberta em 50 anos em todo o planeta. Pode-se imaginar o tipo de pressão que passamos a receber.

247 – Quais pressões foram essas? 
ESTRELLA – Por suas características, a descoberta do pré-sal exigia uma mudança no sistema de exploração em vigor no país até então. O velho sistema de concessão precisava ser substituído pelo sistema de partilha, caso contrário o Brasil deixaria de receber os maiores benefícios da descoberta que acabava de ser feita.

247 – O que precisava mudar?
ESTRELLA – Sabemos que o regime de concessão só é conveniente em situações de risco, onde quem procura petróleo não pode saber o que vai encontrar após a perfuração. Em compensação, quando encontra o que procura, as regras lhe garantem a propriedade integral da área. Mas estava claro, na primeira exposição feita ao presidente, com base numa área chamada de Picanha Azul, porque tinha a forma de carne para churrasco, que não havia risco algum. Era um caso de risco exploratório zero. Neste caso, de risco zero, o regime de concessão deixava de ser interessante. Também precisávamos garantir que a Petrobras se tornasse a operadora única do pré-sal, em função dos benefícios envolvidos. Não eram, no entanto, decisões politicamente simples nem fáceis.

247 – Por que?
ESTRELLA – A simples perspectiva de que estávamos a tratar de uma província petrolífera imensa, em termos mundiais, não era aceita por todos, mesmo na Petrobras. Havia o receio de que, com todas as limitações que o conhecimento da geologia apresenta – lida-se com dados indiretos, que devem ser interpretados – poderia ser muito arriscado para o governo tomar decisões desse porte. Além disso, queríamos fazer uma mudança de legislação que equivale a retirar a propriedade de grandes reservas técnicas das grandes empresas privadas internacionais, que são, mundo afora, as responsáveis técnicas por se apropriarem de reservas de petróleo e gás natural para abastecer seus países sede e lhes garantirem, estrategicamente, segurança energética nacional.

247 – Qual foi a reação a isso?
ESTRELLA – Estamos falando de uma mudança de enorme significado geopolítico, de abrangência mundial. Quando a descoberta do pré-sal brasileiro foi tornada pública, em meados de 2007, a quarta frota da Marinha de guerra norte-americana foi reativada para atuar no Atlântico Sul, num sinal contundente de que a nação hegemônica ocidental havia inserido o Brasil e sua gigantesca descoberta entre seus interesses estratégicos.

BRASIL 247 – O que se passou a seguir?
ESTRELLA – Lula estava decidido a retirar a Picanha Azul da 9ª rodada de licitações da ANP, marcada para o segundo semestre. Era necessário retirar os 41 blocos de uma licitação cuja abrangência já era formalmente conhecida, pelo edital já publicado. Apesar da posição do presidente, havia resistências internas. O argumento é que aquilo poderia ser interpretado como uma quebra de regras já estabelecidas com o setor petrolífero mundial e que poderia haver retaliações por parte das empresas petroleiras estrangeiras no sentido de não mais investir no Brasil. Era este o debate. Em nada muito diferente daquilo que vemos hoje, como sabemos.

247 – O que Lula fez? 
ESTRELLA – Nós, geólogos, engenheiros, pesquisadores, antevíamos a possibilidade do pré-sal ser a viga mestra da energia necessária para o desenvolvimento do país. Era o que conseguíamos enxergar. O Lula, num estalo, bolou o fundo social a ser abastecido com abundantes recursos financeiros para saúde, educação, emprego e moradia, sem falar em ciência e tecnologia.

247 – Como o senhor entende o projeto elaborado pelo Serra?
ESTRELLA – Ele retira da Petrobras a responsabilidade de atuar como operadora única do pré-sal brasileiro. Cria o direito de escolha, outorgando a empresa a decisão de participar ou não dos consórcios formados nos leilões da ANP para disputar os blocos do pré sal.

247 – O que isso significa?
ESTRELLA – O projeto fere a essência do marco regulatório na medida em que o abrangente leque de oportunidades de pesquisa e desenvolvimento pode ser transferido para outra empresa, certamente estrangeira, pois não há empresa de capital nacional com porte e capacitação para a atividade. O que se quer é mudar uma situação que vai selar a Petrobras como a mais competitiva e competente empresa petrolífera do planeta.

247 – A importância do pré-sal é tão grande assim? 
ESTRELLA – Estamos falando do filé mignon da indústria de petróleo mundial. Tanto é assim que, com base nos resultados obtidos pela Petrobras no Brasil, a Exxon norte-americana conseguiu um acordo para se tornar operadora única do pré-sal em Angola. Ninguém vai dizer que a regra que vale para a Exxon não é boa para a Petrobrás, certo?

247 – Do ponto específico do Brasil, qual a desvantagem em deixar de ser operadora única?
ESTRELLA  – Na prática, significa renunciar a uma oportunidade – quem sabe única – de desenvolvimento tecnológico industrial sustentado.

247 – Um dos mistérios do pré-sal consiste em saber o que aconteceu com a Shell: como é que um dos gigantes privados do petróleo mundial, que chegou tão perto do pré-sal, perdeu uma oportunidade dessas? 
ESTRELLA –  Realmente a empresa anglo-holandesa operou um bloco exploratório sob o regime de concessão, na mesma área onde mais tarde a Petrobras descobriu o campo de Libra. A diferença estava no conhecimento que a empresa possuía sobre a área. Ela tinha como objetivo fazer pesquisas nos reservatórios acima da camada de sal, que na bacia de campos são os principais produtores. Ao atravessar essa seção geológica, decidiu interromper a perfuração, dar o bloco como testado e devolver a área a ANP.

247 – Como isso foi possível?
ESTRELLA – Minha interpretação pessoal é que ocorreram dois fatores. Ao contrário da Petrobras, a Shell desconhecia as reais possibilidades daquele sistema petrolífero que produziu praticamente todo o petróleo e gás natural descoberto na extensa costa brasileira, em particular na bacia de Campos, até então a maior produtora. Também deve ter considerado os altos custos de prosseguir a perfuração. Sem poder avaliar o enorme potencial que poderia ser encontrado imediatamente abaixo de uma espessa camada de sal, decidiu não testá-lo.

247 – Pode-se concluir alguma coisa desse episódio?
ESTRELLA – É possível fazer várias reflexões. A primeira é lembrar que a atividade de explorar e produzir petróleo não é um negócio para banqueiros. Envolve grandes investimentos, alto risco e a possibilidade de grandes perdas. Quem for fazer cálculos na ponta do lápis irá concluir que é mais garantido investir na poupança da Caixa Econômica, em troca daquela modesta remuneração mensal. Um poço exploratório de petróleo em alto mar não custa menos de US$ 50 milhões. As chances de sucesso, na média mundial, são de uma descoberta em cada dez tentativas. É quase uma aventura, o que reforça a necessidade de investir em pesquisas, que permitem ter um conhecimento científico real, apoiado em realidades concretas. Essa foi outra diferença entre a Petrobras e as demais empresas. Nossas pesquisas sempre nos colocaram à frente em matéria de conhecimento em águas brasileiras. Os críticos podem não aceitar, mas o pré-sal confirma isso.  

Leia na news nº 155 as partes 3 e 4.