A importância mundial das startups e o cenário no Brasil
Galileu
-
21 de setembro de 2016
1537 Visualizações
O mundo vive tempos que os especialistas chamam de “disrupções tecnológicas”, marcado fortemente por inovações que levam grandes empresas a fecharem suas portas e desaparecerem a partir da oferta de novos e imbatíveis produtos e mercados. Exemplos não faltam, em geral associados à informática, internet das coisas, Big Data, nuvens e uma informatização tão acelerada que já aponta para a indústria 4.0, com a perspectiva, assustadora para muitos, de que, em breve, máquinas vão fabricar máquinas e os produtos hoje comprados serão cada vez mais “impressos” em casa, em 3D.
“É um salto tecnológico que a humanidade nunca experimentou em toda a sua história. Um salto que está transformando não só a forma como se faz, e o que se faz, mas está transformando o próprio ser humano. É quando surge um movimento de transformação com essa dimensão que as startups assumem importância fundamental na sociedade, principalmente no mundo dos negócios. Nenhum país hoje pode ignorar ou deixar de investir nos negócios startups.”
A afirmação é do engenheiro Márcio Girão, presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), conselheiro do Clube de Engenharia e ex-presidente (2003/2004) da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex). A entidade é responsável pela gestão operacional do Start-UpBrasil, Programa Nacional de Aceleração de Startups que integra o TI Maior, iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Start-Up Brasil investe em “empresas nascentes de base tecnológica visando a construção de um ambiente cada vez mais favorável à pesquisa, desenvolvimento e inovação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).”
Vivências distintas
É verdade que quando se fala em empreendedorismo no Brasil, as startups são temas centrais, mas em geral apresentadas como pequenas empresas de alto risco, com alto índice de mortalidade, que atuam sem muita burocracia em ambientes descontraídos, com ideias inovadoras e tecnológicas em busca de conquista de mercado. Neste contexto, considerando o quadro internacional, é bem distinta a realidade brasileira.
Estudo recente realizado pela aceleradora Startup Farm registrou que 74% das startups no Brasil fecham após cinco anos de existência, e entre os principais motivos está a falta de aderência da proposta à necessidade de mercado. “Para nós, ser uma startup de sucesso significa deixar de ser cliente do Sebrae, resume Bernardo Monzo, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), muito embora reconheça que trata-se de um modelo de negócio que se caracteriza por ser escalável, tendo perspectiva de crescimento internacional.
Escalável, informa Rafael Ribeiro, gerente geral da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), é a empresa que consegue entregar na outra ponta, não importa o país, um produto ou um serviço sem interferência humana e, com o auxílio de tecnologia, atingir o maior número de pessoas. Criada em 2011, com 160 associados, a ABStartups tem em sua base atualmente mais de 4.000 startups. Com o auxílio da mídia e programas governamentais, além de ganhar mais capilaridade no território nacional começa a “ganhar o mundo”. Algumas já se internacionalizam, com escritórios no Vale do Silício e na Europa. “É pouco, mas já demos os primeiros passos”, comemora Ribeiro.
Em outro universo, existem no país mais de 400 incubadoras de empresas em universidades apontando para a nova cultura do jovem universitário brasileiro, de acordo com o ex-diretor do Parque Tecnológico da UFRJ, Maurício Guedes. Fundador da Incubadora de Empresas da Coppe/UFRJ, em 1994, e ex-presidente da Associação Internacional de Parques Tecnológicos, Guedes identifica mudanças no comportamento dos jovens e nos ambientes econômicos, hoje mais favoráveis ao modelo startup. Segundo relata, a incubadora da Coppe, oitava criada no país, fez parte de uma geração pioneira de incubadoras ligadas a ambientes universitários. “Com ela, o jovem passou a encarar a possibilidade de criar sua empresa como uma opção nobre. Naquela época chamava a atenção a diferença de cultura entre universidades brasileiras e americanas. Para o brasileiro as opções nobres eram os empregos em uma grande empresa ou instituição pública. Trabalhar em uma pequena empresa já era uma opção pouco nobre, e criar a sua própria era a saída para os fracassados. Foi uma conquista do país essa nova relação do jovem com o empreendedorismo”, conclui Guedes.
Ecossistema colaborativo
Os reflexos das mudanças citadas são visíveis no cenário Brasil 2016: jovens criam espaços de trabalhos compartilhados (co-workings) para estabelecer interação direta de aprendizado e troca de tecnologia entre grandes empresas e grandes marcas que chamam de intraempreendedores. Grandes corporações se associam a pequenos empreendedores, que, em sua maioria, idealizam o projeto, mas não necessariamente têm experiência suficiente para materializá-lo.
É neste caminho que somam suas estratégias, por exemplo, a Arca Urbana, como uma comunidade de aprendizado empreendedor, e a ImpactHub, como um espaço que desenvolve ecossistema colaborativo, consolidando a união de grandes marcas e intraempreendedores com médios empresários e novos empreendedores para acelerar um projeto específico. Coordenador da Arca Urbana, Frederico Dantas esclarece: “focamos na ideação de um processo de transformação sistêmica priorizando a transformação social antes de apoiar o projeto.”
Nova economia
Quanto ao alto índice de mortalidade, Dantas entende que é uma afirmação baseada no modelo de aceleração de startups do mercado americano, com uma liquidez que não pode ser comparada com o Brasil. “Lá eles investem em muitas empresas sabendo que 10% delas vão acontecer. Só que os 10% que acontecem rendem tanto que cobrem os prejuízos.” No universo da Arca Urbana em parceria com o ImpactHub o que se vê é um Brasil que não tem cultura empreendedora, com um processo de desenvolvimento centralizado no poder público. Em sentido contrário, a tecnologia e o estímulo do empreendedorismo promovido pelas startups é uma forma de o país se tornar mais competitivo economicamente e menos dependente do mercado externo. “Quando estimulamos a cultura empreendedora e a produção de tecnologia nacional estamos falando, de certa forma, de soberania nacional”, afirma.
As empresas associadas à Arca Urbana valorizam, ainda, o “processo da humanização das relações”, que promove o que chamam de nova economia. “A economia foi baseada em conceitos e teorias antigas que enxergam a individualidade e a concorrência. Para nós, a economia é de todos, baseada em um processo de colaboração. A economia é para beneficiar a sociedade, não o empreendedor. Por isso, os nossos produtos têm métricas de impacto social bem claros, de como o lucro gerado por aquela startup, com pesquisa, desenvolvimento, educação e sustentabilidade vai beneficiar a sociedade. Essa humanização das relações de trabalho e da economia faz parte dessa geração de jovens empreendedores”, conclui Dantas.
A história parte das experiências de inovação de diversos parques tecnológicos associados inicialmente aos centros de tecnologia/Escolas de Engenharia em diversas universidades brasileiras nos finais dos anos 70. Com o crescimento e fortalecimento de empresas brasileiras, principalmente a Petrobras, foram fomentadas empresas de base tecnológica situadas nesses parques, de 1980 até hoje.
Outro olhar
A bagagem empresarial de Márcio Girão o leva a um posicionamento mais incisivo na busca de caminhos. “O Brasil está atrasado. O mundo já pensa na quarta revolução tecnológica e nós talvez estejamos na segunda. O Brasil precisa repensar esse processo e fazer um projeto de Estado junto às empresas, universidades e sociedade no sentido da supervalorização dos projetos startups”, afirma.
Girão, entre outros exemplos, lembra que o Google tem negócios startups praticamente toda semana. Avalia, ainda, que é um equívoco o governo exigir em seu programa Start-up Brasil que sejam projetos emergentes, “na idade da infância”. Certo de que o Brasil precisa urgentemente ter um novo olhar para enxergar caminhos mais eficazes, Girão enumera alguns dos principais problemas, entre tantos outros: 1. em relação às metas inovadoras, os recursos investidos nos programas governamentais são excessivamente tímidos em relação a outros países; 2. para o sucesso das startups é necessário que o país tenha demanda, o que não existe porque as inovações no Brasil são importadas; 3. apesar de bastante reduzido, o “complexo de vira lata” ainda existe e é grande o descrédito com o que é produzido no país; 4. a qualidade da formação dos nossos profissionais na área de Tecnologia da Informação é precária; temos pouca gente e menos gente ainda de qualidade; 5. nossas escolas não formam mentes empreendedoras.
A solução, sem desmerecer as experiências em curso, é robustecer a demanda não só a de governo, mas a da própria sociedade apostando no conteúdo nacional e criar uma cadeia produtiva de qualidade. O presidente da Fenainfo conclui defendendo investimentos em uma cadeia produtiva qualificada e valorizada, e a expansão da educação da ciência da computação do “beabá às equações integrais” para que o Brasil se transforme em um país que pensa a ciência da computação em longo prazo: “São desafios que não podemos deixar de enfrentar”.
Acompanhando toda a discussão, especialista na área de TI, o diretor de atividades técnicas do Clube de Engenharia, Artur Obino Neto, define o que entende como o centro da questão: “É preciso ficar claro que estamos falando de novas formas de articulação de trabalho e produção. As startups apresentam novos conceitos de relações de trabalho, de renda e da participação nos resultados, com foco na criação e transferência de tecnologia de projetos de engenharia e aplicativos profissionais, fundamentais para a nossa autonomia tecnológica e para a própria engenharia. Não podemos ficar alheios a esse debate”.