Brasil enriquece urânio com economia de US$ 51 milhões
As Indústrias Nucleares do Brasil (INB) iniciam até 2019 a segunda fase do processo de enriquecimento de urânio, com o objetivo de garantir a autossuficiência do país na produção do combustível para atender às necessidades das usinas nucleares instaladas em Angra dos Reis. Com a expansão do enriquecimento de urânio, o combustível vai atender à demanda de Angra 1, Angra 2 e até mesmo a da futura usina Angra 3, ainda em construção, a partir de 2022.
A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAA), que reúne as três usinas, demanda cerca de 840 toneladas por ano de concentrado U3O8 para seu suprimento completo. Para as três usinas serão necessários 76 toneladas de urânio enriquecido, de acordo com técnicos da empresa.
Atualmente, as seis cascatas de ultracentrífugas de enriquecimento de urânio em operação garantem apenas 40% das necessidades de combustível de Angra 1. Isso corresponde ao processamento de 60 mil quilogramas de urânio natural por ano. Portanto, para abastecer o total das necessidades de combustível de Angra 1, o Brasil exporta o urânio extraído das reservas localizadas na cidade de Caetité, na Bahia, para ser enriquecido no exterior e, depois, importa o produto final. Quando necessário, a INB também importa urânio da Europa.
Ainda na primeira fase serão adicionadas mais quatro cascatas de ultracentrífugas, o que possibilitará o suprimento dos 100% do combustível indispensável à usina nuclear de Angra 1 até 2019, o que vai corresponder ao processamento de 150 mil kg de urânio natural por ano, segundo dados da estatal.
Projeto estratégico
De acordo com o presidente da INB, João Carlos Tupinambá, a implantação do conjunto das quatro cascatas de ultracentrífugas de enriquecimento de urânio encerra, em 2019, a Fase 1 do processo de busca de autossuficiência brasileira na produção do combustível. Começa, então, a segunda fase, que vai procurar atender às necessidades de combustível da totalidade das usinas nucleares brasileiras. A previsão é de instalação no país de mais 11 módulos de ultracentrífugas de enriquecimento isotópico de urânio até o fim da Fase 2.
A tecnologia do processo de enriquecimento isotópico de urânio por ultracentrifugação foi desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), em parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN).
Sua instalação em escala industrial é resultado da parceria entre o CTMSP e a INB. Poucos países dominam esta tecnologia. Além do Brasil, apenas outros 11 países dominam o ciclo de enriquecimento do urânio. O projeto de urânio enriquecido 100% nacional data de 1998 e sempre teve caráter estratégico.
Os detalhes do processo de ampliação de enriquecimento de urânio pelo Brasil foram divulgados pelo presidente da INB no VII Seminário Internacional de Energia Nuclear (SIEN), cujo tema este ano foi “Um novo modelo de financiamento para o negócio nuclear”.
O VII SIEN foi realizado de 20 a 22 de setembro, na sede do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon), no Rio de Janeiro. O evento reuniu ainda Renato Machado Cotta e Jaime Wallwitz Cardoso, respectivamente presidentes da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), e representantes da Eletrobras.
Economia milionária
Cálculos da INB apontam uma economia anual de US$ 51 milhões por ano com o fim da importação de urânio enriquecido. O retorno do investimento é calculado em 12 anos. Essa estimativa tem como base aportes de recursos na ordem de US$ 600 milhões. A expectativa inicial de investimentos é de pouco mais de US$ 340 milhões. Na primeira fase já foram investidos R$ 170 milhões.
O modelo de investimento esboçado é o de Programa de Parceria em Investimentos (PPI), proposto pelo governo federal. A INB está convicta de que a aplicação do PPI na atividade de mineração de urânio vai estreitar a relação de parceria entre o governo e as empresas envolvidas na execução de grandes projetos estratégicos para o desenvolvimento do país. O enriquecimento isotópico de urânio diminuirá a dependência da empresa junto ao Tesouro Nacional.
De acordo com o presidente da estatal, a partir da implantação do conjunto das quatro cascatas de ultracentrífugas, em 2019, é possível considerar o início efetivo da segunda fase. A conclusão da primeira fase permitirá a instalação de mais 11 módulos adicionais de ultracentrífugas aos 10 já existentes até aquele ano. No momento, os técnicos da INB preparam o projeto básico, os relatórios para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e os pedidos de autorização de licenças.
A empresa acredita que as licenças de instalação do Ibama e de construção pela CNEN sejam concedidas no final de 2018, garantindo o início das obras nos primeiros meses de 2019, ano em que se encerra a primeira etapa de instalação dos dez módulos de ultracentrífugas para enriquecimento isotópico de urânio.
A previsão é de que a capacidade brasileira de produção de urânio enriquecido atinja 840 toneladas por ano até o início de 2022. Essa quantidade de urânio enriquecido é exatamente a demanda da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, composta pelas usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3.
“A produção prevista atenderá as três usinas nucleares brasileiras e ainda haverá algum excedente para atender pedidos pontuais”, garante o presidente da INB. Segundo ele, a usina Angra 2, que se encontra em operação há mais de uma década, precisa de mais cinco módulos de enriquecimento para atender seu suprimento e Angra 3 de mais seis, o que totaliza 11 módulos adicionais. A INB espera que até 2022 a construção da usina Angra 3 seja retomada e até finalizada.
Este ano, o Brasil começou a exportar urânio enriquecido para a Argentina. O contrato de US$ 4,5 milhões foi assinado com a empresa estatal Combustibles Nucleares Argentinos S.A. (Conuar) e prevê a exportação de 4 toneladas de pó de dióxido de urânio (UO2) para serem utilizadas na carga inicial de combustíveis do reator modular argentino Carem.
“O contrato consolida a presença do Brasil no cenário internacional e reafirma a nossa capacidade tecnológica na área de enriquecimento de urânio para fins pacíficos”, disse Tupinambá.
O presidente da INB explicou que a produção do urânio enriquecido no Brasil vai evitar o deslocamento de um produto com elevados requisitos de segurança, reduzir as despesas com a operação e assegurar o desenvolvimento da tecnologia. O aspecto estratégico é claro: o Brasil não dependerá mais de agentes externos para contar com combustível nuclear, estabelecendo uma cultura de produção de elevado nível tecnológico. É vital não interromper o desenvolvimento tecnológico, lembrou Tupinambá.
Atualmente, o país lavra urânio na Bahia, envia ao exterior para ser enriquecido e recebe de volta na forma de gás. No Brasil, o processo de produção do combustível nuclear para geração de energia elétrica é retomado: o gás se transforma em pó, depois em pastilhas de urânio e os componentes dos elementos combustíveis, que compõem as recargas de Angra 1 e 2 são montados e enviados à Eletronuclear, que opera as usinas.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o Brasil ocupa a sétima posição em reservas de urânio no mundo. As reservas nacionais são estimadas em 309 mil toneladas. Desse total, 46% estão localizados no município de Itataia, no Ceará, e 33%, no Estado da Bahia, nos municípios de Lagoa Real e Caetité.
Há alguns anos o Brasil produzia cerca de 400 toneladas por ano, em Caetité. O urânio produzido na cidade baiana atendia às necessidades brasileiras. Hoje, a INB trabalha para retomar a produção de urânio em Caetité com a perspectiva de dobrar a produção naquela região, a partir da exploração de uma nova mina.
É claro que o país voltando a prospectar urânio e com a viabilização do empreendimento localizado em Itataia, Ceará, a produção de urânio dará um salto gigantesco”, diz o presidente da INB, acrescentando que, com a entrada em operação da mina cearense, estima-se uma produção de 1.200 toneladas de urânio por ano.
O anúncio da expansão da produção nacional de urânio enriquecido é feito no momento em que o Brasil busca alternativas de geração de energia, para reduzir a dependência elevada de geração por hidrelétricas.