Em qualquer sociedade democrática moderna, o processo de urbanização resulta da interação de três poderes: o político, o econômico e o social. Uma intervenção urbana, quando realizada unilateralmente por apenas um dos poderes, terá menos condições de viabilidade, resiliência e legitimidade do que os projetos devidamente costurados pelos três. É o equilíbrio dessas forças que determina o sucesso e a sustentabilidade do fazer cidade. Não será diferente em São Paulo: o tripé de forças será vital para a transformação urbana de que precisamos. O poder econômico, representado pelas grandes construtoras e incorporadoras e pelo mercado de capitais, dará contribuição fundamental se fomentar empreendimentos que promovam tecidos urbanos de uso misto com vastos espaços públicos, que combinem moradia digna, trabalho, comércio e serviços --espaços mais densos e menos dependentes do uso de carros. Empreendimentos exclusivos, cercados por muros, tendência do mercado imobiliário, precisam dar lugar a projetos inclusivos, pois a geração de bens coletivos --parques, bulevares, calçadas-- exponenciará a geração do valor econômico de suas construções. O poder social, fortemente empoderado pelas mídias sociais e movimentos de rua, será tanto mais legítimo e construtivo quanto mais for capaz de consolidar agendas positivas e transformar sua voz em vetor de aprofundamento da democracia. Plataformas deverão ser constituídas de forma que as decisões sobre temas em diferentes escalas --de comunidades e bairros, passando por grupos de interesse, até o plano municipal e metropolitano-- possam contar com a participação popular. O poder político, por meio do novo Plano Diretor Estratégico (PDE), tem hoje a prerrogativa de instituir um marco regulatório que poderá corrigir as grandes assimetrias que marcam a (des)organização espacial da cidade: a falta de moradia em zonas em que é grande a oferta de emprego, o subaproveitamento do solo nos entornos dos grandes eixos viários e infraestruturais, a escassez de espaços públicos de qualidade, a carência de zonas de uso misto e de renda mista, a baixa permeabilidade e arborização. A minuta do PDE e o seu debate na Câmara Municipal poderão ensejar a grande convergência entre os três poderes de que São Paulo precisa. Há méritos e inconsistências na proposta, e o texto ainda requer ajustes. Esse processo poderá constituir um pacto em torno dos objetivos que nos levará à reinvenção da cidade, ou a uma colcha de retalhos produzida por interesses particularistas que agravará os problemas urbanos. Entre as cidades globais, São Paulo é a que detém o maior estoque de terrenos ociosos ou subutilizados, situados em áreas centrais. Essa condição fundiário-urbana única representa uma chance histórica de promovermos um novo ordenamento espacial para a cidade. O grande pacto de que necessitamos é o que permitirá que avanços concretos como o Casa Paulista, o Arco Tietê, o Parque Tecnológico do Jaguaré e outros projetos de grande escala sejam possíveis: um pacto entre forças sociais, econômicas e políticas e um alinhamento entre União, Estado e município que impulsionem a economia criativa, a atração dos melhores cérebros e a implantação aqui dos empreendimentos mais inovadores, para que a cidade se posicione estrategicamente na terceira revolução industrial em curso no mundo. As cidades projetam no território aquilo que somos como sociedade. Resta-nos encontrar nossa melhor forma de expressão coletiva para a construção da cidade que queremos. PHILIP YANG, 51, mestre em administração pública pela Universidade Harvard, é fundador do Urbem, Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole, e cofundador da exploradora Petra Energia S.A. |