No Rio de Janeiro, tiveram início no último fim de semana as obras de demolição do Elevado da Perimetral, viaduto de vários quilômetros de extensão que interligava os principais entrocamentos viários da cidade. Está marcada para 17 de novembro a implosão do elevado construído entre as décadas de 1950 e 1970 para aliviar o tráfego na metrópole. Ele dará lugar a duas vias urbanas interligadas por túneis e uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). O Rio de Janeiro segue, assim, a tendência de várias cidades do mundo, que substituíram antigos elevados por outras soluções de mobilidade urbana ou simplesmente por outros equipamentos urbanos, como parques, ou até mesmo a recuperação de antigos rios. O debate em torno da substituição de viadutos por soluções como túneis, ocupa urbanistas e prefeituras em todo o Brasil. E talvez em nenhum outro lugar do país esse debate seja tão acirrado quanto em Fortaleza, onde a prefeitura decidiu construir um projeto de viadutos em região vizinha a uma reserva ecológica, num dos cruzamentos mais movimentados da capital cearense. A discussão traz mais uma vez à tona o problema da mobilidade urbana no Brasil e a questão envolvendo a construção de viadutos e pontes versus a implantação de túneis, defendida por muitos urbanistas como correta para o futuro das cidades. Viadutos degeneram tecido urbano envoltório Em meados do ano, manifestantes ocuparam a área do Parque do Cocó, que havia sido desmatada pela prefeitura para a construção dos viadutos sobrepostos de 16 metros de altura. O grupo foi removido por determinação da Justiça. Houve conflitos com relatos de abuso de poder por parte da polícia. Em agosto, o Instituto de Arquitetos do Brasil se posicionou contra a construção dos viadutos no cruzamento entre as avenidas Engenheiro Santana Júnior e Antônio Sales. O professor José Sales, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), é uma das vozes mais contundentes na defesa dos espaços verdes da cidade. Em entrevista à DW Brasil, ele explicou que o projeto do viaduto põe Fortaleza na contramão das grandes metrópoles, que estão substituindo seus viadutos e pontes em favor de outras soluções menos invasivas, como túneis. Segundo Sales, os viadutos, em geral, são obras públicas que degeneram o tecido urbano envoltório. Toda grande cidade passou por isso, porque há 60, 70 anos, o grande mote eram melhorias no sistema viário que, em geral, se utilizavam de viadutos. José Sales mencionou o Elevado Costa e Silva, em São Paulo, que é um viaduto de 3,5 quilômetros feito nos anos 1960 e que depauperou todo um contexto urbano envoltório: 3 mil prédios residenciais e comerciais passaram a conviver com o viaduto em altura. E aqui está se pretendendo fazer um duplo viaduto, um viaduto sobre o outro, exatamente numa área residencial de alta qualidade e numa zona comercial que é o corredor por onde trafegam veículos particulares e de transporte público. Cavalo de batalha Indagado sobre os planos da prefeitura para o futuro da mobilidade urbana na cidade e sobre a polêmica em torno da construção dos viadutos, o secretário de Infraestrutura de Fortaleza, Samuel Dias, disse que a celeuma que se criou em torno de uma obra é uma coisa bem mais política do que uma questão ecológica. Na opinião do secretário, o que o preço das passagens de transporte público foi para São Paulo, a construção dos viadutos foi para Fortaleza. Esse foi o cavalo de batalha que se encontrou em Fortaleza para a fome de protestos que se instalou no país neste ano, afirmou. Segundo Dias, a construção de túneis para a região do polêmico entroncamento viário em Fortaleza iria encarecer em várias vezes a obra. O túnel já é muito mais caro, cerca de três vezes mais caro do que um viaduto em condições normais. No caso específico, devido à situação topográfica da área, o túnel que substituiria um dos viadutos teria que ter 800 metros, enquanto o viaduto tem 300 metros de extensão, informou o secretário. Então se ele é três vezes mais caro e tem um comprimento mais de duas vezes maior, ele é quase seis ou sete vezes mais caro do que o viaduto. Entre os motivos que levaram a prefeitura a optar pela construção dos viadutos, Dias mencionou ainda problemas com o cronograma da obra, que em vez de 14 meses levaria o dobro do tempo para estar pronta, e com o lençol freático, que é bastante alto no local, exigindo a implantação de bombas para garantir o estanque do túnel, além de comprometer a vegetação circundante. Ali nós temos uma vegetação robusta, porque temos água no subsolo. Se a gente drena essa água, a vegetação iria sofrer muito com essa implantação. Soluções tecnológicas Para o professor de urbanismo da UFC José Sales, quanto ao argumento defendido pela prefeitura, todos os riscos de alagamento são ficcionais, porque a tecnologia em todo o mundo permite isso. Por exemplo, no caso de Boston, um sistema de pontes foi substituído por um túnel que passa por debaixo do Rio Charles. Essa alegação de que os túneis alagam é uma conversa fantasmagórica. Se fosse assim o túnel do Canal da Mancha não existiria, porque ele tem um trajeto extremamente longo e é por baixo do próprio Canal. Segundo o urbanista, Boston foi uma das cidades que mais se transformaram em função da retirada dos viadutos. A cidade americana tinha um sistema monstruoso de viadutos e pontes na área central, que inclusive atravessava o Rio Charles, que dá desembocadura ao Atlântico. E tudo isso foi retirado e colocado em posição subterrânea. Com isso, o centro de Boston ressurgiu, ressurgiram as margens do Rio Charles, e grande parte dessas margens se transformou num imenso parque público. O urbanista acrescentou que todas as cidades que optaram inicialmente pela construção de pontes e viadutos estão agora desmontando esses viadutos ou substituindo-os por outro tipo de solução. Por exemplo, no Rio de Janeiro, que é uma das nossas maiores cidades, com 6 milhões de habitantes, um imenso viaduto de 5,5 quilômetros que se distribuía por toda a área portuária está sendo retirado, porque se pretende uma requalificação urbanística de toda a área portuária, em função dos próximos Jogos Olímpicos em 2016. Desmitificar ideia de que não se fazem mais viadutos Para o secretário de Infraestrutura de Fortaleza, no entanto, é importante desmitificar a ideia criada por alguns urbanistas de que não se faz mais viaduto, de que as cidades estão destruindo seus viadutos para implantar túneis. Isso não é verdade. Isso acontece com grandes sistemas de viadutos elevados, que se chamam de elevados. Segundo Dias, o Elevado da Perimetral no Rio de Janeiro funcionou para a cidade durante muito tempo como válvula de escape para o trânsito. Com a valorização imobiliária no Rio de Janeiro, como um todo, e no centro da cidade, o terreno onde fica o elevado passou a ter um valor comercial para a cidade e para o mercado imobiliário extremamente elevado, o que justificou um investimento de 3,5 bilhões de reais para se retirar o elevado e se construir dois túneis e um VLT, para poder compensar a retirada desse sistema elevado, explicou. Samuel Dias disse que, no caso do Rio de Janeiro, ao lado do elevado que está sendo retirado, está-se construindo outro, alargando os viadutos perto da rodoviária. Então, não é que se deixe de construir viadutos. É que quando existe um sistema de elevados onde se pode fazer um investimento tremendo, um investimento brutal financeiro – 3,5 bilhões de reais para sete quilômetros de via – que tenha um retorno, faz-se. Em Boston, sistema de túneis permitiu preservação do Parque Esplanade Futuro está no transporte público Este poderia também ser o caso de Fortaleza, já que a área onde se estão construindo os polêmicos viadutos é uma das mais valorizadas da cidade, nas palavras do próprio secretário. É um bairro rico, onde os terrenos no entorno do parque são muito valorizados e sofrem muita pressão imobiliária para a construção de novos empreendimentos lindeiros ao parque. Apesar de opiniões diametralmente divergentes sobre a construção ou não de viadutos na capital cearense, tanto Sales quanto Dias concordam que o futuro da mobilidade urbana está no transporte público. Para o secretário Samuel Dias, a solução de um entroncamento viário em si não resolve o problema da mobilidade como um todo. A grande solução, a grande contribuição da obra [a construção de viadutos no cruzamento em Fortaleza] é a possibilidade de implantação dos corredores de transporte público. Para o professor de urbanismo, por sua vez, o futuro da mobilidade urbana é a opção única do futuro da mobilidade nas cidades: é transporte público de qualidade. O veículo individual continuará a ser usado, mas ele não será a opção única que se tem na cidade brasileira de hoje. A opção é transporte público de qualidade. |