Muito se especulou sobre os motivos que levaram as empresas a não apresentar propostas na licitação de trecho da BR-262, considerado então um dos mais atrativos lotes de concessão rodoviária do Programa de Investimento em Logística (PIL). Antes de avaliar por que o leilão deu vazio, é preciso compreender o estágio em que se encontra o Programa de Concessão de Rodovias no país. Com exceção de dois empreendimentos estaduais e um municipal, os demais operam sob o modelo das concessões comuns, aquelas em que não há contrapartidas financeiras do poder concedente e o custo dos serviços é totalmente suportado pelos usuários. Pelas características da malha rodoviária brasileira esse modelo está se esgotando e o governo colabora para que isso ocorra num curto espaço de tempo. Sem colocar em dúvida a vontade do governo federal de implementar o programa de concessões, a realidade é que, de forma geral, essas só se viabilizam se observadas, além da segurança jurídica dos contratos, as seguintes premissas: base de pagantes compatível com a quantidade de usuários e racionalidade na expansão da infraestrutura. Esses pontos não foram priorizados nas concessões previstas no PIL, muito pelo contrário. Assim, um dia antes da entrega das propostas dos dois primeiros trechos, o ministro dos Transportes expôs, em palestra na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a decisão do governo de: não pedagiar usuários em deslocamentos urbanos; garantir ampliação tempestiva da infraestrutura com duplicações concluídas em 5 anos; pedágio será cobrado quando concessionário duplicar 10% dos trechos sob sua responsabilidade. São compreensíveis as razões políticas e administrativas dessas premissas, mas é indiscutível que elas dificultam a viabilidade dos projetos. A redução da base de pagantes cria subsídio cruzado entre usuários, aumenta o valor da tarifa e amplia o risco político do negócio, pois somente motoristas que percorrem longas distâncias pagam pedágio. Antecipar obras sem correspondente aumento no volume de veículos ou atrasar o início da cobrança de pedágio tem forte impacto sobre o fluxo financeiro e eleva as tarifas, mesmo que órgãos públicos, como o Dnit, tenham a obrigação de executar parte das duplicações. Essas premissas deveriam ter provocado um debate, no momento oportuno, sobre o modelo de concessão adequado a cada caso, utilizando as formas de parceria para prestação de serviços públicos entre governo e iniciativa privada previstas na legislação, e não a posteriori, como o governo federal reconheceu após o insucesso na licitação do trecho da BR-262. A definição da forma de parceria adequada deve considerar, basicamente, a modicidade da tarifa resultante dos estudos de viabilidade. Modicidade tarifária não é simplesmente preço baixo, mas, nas rodovias, o preço compatível com as vantagens econômicas e o conforto na viagem obtidos pelos usuários pagantes em decorrência das melhorias realizadas pelo concessionário. Nas concessões de rodovias implantadas em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, estudos de instituições universitárias e consultorias privadas mostraram que o valor da tarifa de pedágio era inferior ao ganho do transportador (caminhão ou ônibus) com redução dos custos com combustível, manutenção e reposição do veículo. Além disso, o usuário ganha com o menor tempo de percurso, possibilitando realizar mais viagens e com o atendimento médico e mecânico. Certamente a ANTT, em cumprimento ao disposto no art. 26, § 2º da Lei 10.233, de 2001, deve ter realizado a avaliação da modicidade tarifária nos projetos em licitação, mas o estudo respectivo não é disponibilizado nas audiências públicas, nem, ao que se saiba, encaminhado ao Tribunal de Contas da União. Sem conhecer esse estudo é difícil dizer qual tarifa atende ao requisito de modicidade, nos termos acima mencionados. A percepção dos investidores é de que os valores absolutos previstos para o trecho da BR-262 (ES/MG), e da BR-101 (BA), não eram módicos para os usuários pagantes e, provavelmente, trariam problemas para o concessionário ao iniciar a cobrança. Já a insegurança jurídica não pode ser compensada com incentivos financeiros, como juros baixos e maior prazo de financiamento: nada é mais importante para os investidores do que a certeza de que assinado o contrato as condições estabelecidas não serão alteradas por decisão unilateral de uma autoridade, para adaptá-los a clamores eleitorais ou de outra ordem. Infelizmente, alguns Estados brasileiros têm emitido sinais preocupantes aos investidores. O Rio Grande do Sul está extinguindo o programa de concessão de rodovias sem reconhecer os desequilíbrios financeiros que causou, jogando para a Justiça a decisão. O governo do Espírito Santo, tão cioso da preservação dos contratos quando envolve seus interesses como produtor de petróleo, deixou, após as manifestações de junho, ser reduzida a tarifa de R$ 1,90 para R$ 0,80 na Terceira Ponte de Vitória, que integra a Rodovia do Sol, para evitar a aprovação de um estapafúrdio projeto de decreto legislativo visando declarar a caducidade do contrato de concessão. Não é de admirar que os investidores tenham pensado duas vezes antes de entrar na licitação do trecho da BR-262 que corta parte do Estado e resolvido não participar. A inviabilização da cobrança de pedágio após a realização de parte significativa dos investimentos ou a não realização pelo poder público de obras a que se comprometeu para dar viabilidade ao projeto, como aconteceu na Linha Azul (SC), e no Polo de Santa Maria (RS), dos quais foram protagonistas figuras importantes do atual governo federal, estão na memória dos empreendedores e ampliam o justo receio de participar em algumas das concessões programadas. Somente superando dúvidas e afastando condições que causam receios aos empreendedores é que se atrairá a iniciativa privada e sua capacidade de mobilizar recursos gerenciais e financeiros para os vultosos e necessários investimentos que eliminem os gargalos existentes na infraestrutura rodoviária. Moacyr Servilha Duarte é presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias - ABCR |