Pioneira na formação de geólogos no Brasil desde a fundação, em outubro de 1876, a Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) volta às suas origens como grande centro de pesquisas sobre a exploração de minério de ferro com os olhos voltados para o século 21. Um acordo de cooperação científica firmado com a Vale prevê um inédito laboratório colaborativo empresa-escola voltado à pesquisa, ensino e empreendedorismo na exploração mineral a partir de 2015. Denominado Instituto Tecnológico Vale (ITV), o projeto repete iniciativa semelhante já implementada pela maior produtora de minério de ferro do mundo em Belém (PA) em 2008, mas com o diferencial de se tornar um grande legado para a primeira capital de Minas, localizada a 98 quilômetros de Belo Horizonte: depois dos primeiros cinco anos de operação, a serem contados a partir da inauguração, o laboratório e seus futuros equipamentos serão cedidos à universidade, que forma anualmente cerca de 130 novos profissionais nesse mercado. O contrato de cooperação foi celebrado entre a Federal de Ouro Preto e a Vale no dia 31 e prevê a construção de um novo prédio localizado no câmpus Norte da Escola de Minas com investimentos de R$ 4 milhões a partir de maio ou junho, quando está prevista a abertura de licitação para o início da obra. Até lá, técnicos da Vale e a equipe da Ufop ainda discutem, ao longo deste mês, quais os projetos de pesquisa a serem desenvolvidos no local. Cerca de 20 profissionais da mineradora atuarão no laboratório, juntamente com os alunos da Escola de Minas, onde são disponibilizados oito cursos de engenharia: de minas, ambiental, geológica, metalúrgica, controle e automação, civil, de produção e mecânica. “No século 19, o cientista francês Claude Henri Gorceix, a pedido de dom Pedro II, fundou a Escola de Minas, um dos pilares da Ufop. Ouro Preto hoje tem uma tradição importantíssima nesse setor. Definimos uma área conjunta de conhecimento e o perfil de pesquisadores. Nesse momento estamos dando uma base física para a atividade. O convênio pretende estreitar os laços e dar as bases físicas para os pesquisadores trabalharem. O laboratório pode ser a própria mina, mas é importante fazer ensaios mais restritos e controlados na própria exploração do minério de ferro”, ressalta o diretor-presidente do ITV, Luiz Mello. Confiante de que o laboratório possa posicionar Ouro Preto como polo de empresas de alta tecnologia, Mello destaca que as pesquisas serão pensadas no desenvolvimento de soluções futuras para a mineração. Como exemplo, ele aponta a mineração subterrânea e de baixo teor (com metais mais profundos e difíceis de se achar), consumo e reaproveitamento de água. Há ainda a expectativa de cursos de pós-graduação – em janeiro foi encerrada a inscrição para o mestrado na unidade do Pará, com foco em sustentabilidade, sendo que das 20 vagas, 10 foram disponibilizadas ao público em geral. “Uma das coisas mais caras na mineração é fazer um furo na rocha, o que custa centenas de milhares de reais. Se otimizarmos a chance de encontrar minério, teremos uma vantagem competitiva. Outro ponto é o uso da água, que tende a se tornar crítico no futuro. Como beneficiar o minério na inexistência de água?, questiona Mello, na esperança de encontrar essas soluções com a parceria feita com os pesquisadores da Ufop. “Nosso acordo se aproveita de algumas novas normas do governo e que permitem ao ITV desenvolver objetivos comuns. Há cinco anos não seria possível o que estamos fazendo agora”, comenta. Oportunidades O professor e reitor da universidade, Marcone Freitas Souza, avalia que o instituto trará benefícios não só à área acadêmica, como também abrindo oportunidades de mercado, como geração de empregos na região e a criação de start ups – como são chamadas as empresas de alta tecnologia – na região. “A área da mineração é muito ampla, envolve questões como tratamento de minério, geotecnia, abertura de minas e logística das operações. Por meio do ITV vamos estimular o empreendedorismo em Ouro Preto e seu entorno”, diz. Além disso, a universidade poderá compartilhar recursos e equipamentos a serem fornecidos pela Vale. “Feito o plano de pesquisa, os passos seguintes são os projetos arquitetônico e executivo. A expectativa é de que até junho abriremos a licitação para obras, com o prédio inaugurado em maio de 2015”, adianta Souza. Palavra de especialista Elmer Prata Salomão, geólogo e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABEPM) Acordo promissor “Ouro Preto já tem uma experiência muito bem sucedida com a Petrobras, dando suporte à pesquisa e montando bons laboratórios. Essa é um tendência mundial, mas no Brasil ainda há um divórcio entre professores universitários e a indústria: o docente não pode prestar serviço para a indústria e a indústria não financia os testes. Esse divórcio causa atraso tecnológico em várias áreas, e também na mineração. Vejo essa nova parceria como algo muito promissor. De um modo geral a indústria de mineração se desenvolve nos segmentos de exploração mineral (encontrar novas jazidas) e industrial (desenvolvimento de métodos de beneficiamento de minério, equipamentos). Minas Gerais já tem ótimos exemplos de tecnologia aplicada nas jazidas de fosfato. Até 30 anos atrás não havia tecnologia para utilizá-lo, pois não era solúvel. Foi um técnico brasileiro que desenvolveu a tecnologia e hoje somos um grande produtor mundial, abastecendo toda a agricultura. É natural que a Vale foque no minério de ferro por ser sua especialidade. Ouro Preto resgata assim sua origem, de centro de excelência em mineração e metalurgia. Análise minuciosa do minério O ITV da Universidade Federal de Ouro Preto dará sequência a outros dois centros de pesquisa mantidos pela Vale no desenvolvimento do minério de ferro: o Centro de Desenvolvimento Mineral (CDM), em Santa Luzia, e o Centro de Tecnologia de Ferrosos (CTF), Nova Lima, ambos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. » CDM: é berço da maioria dos projetos minerais da empresa: a pesquisa pré-operação investiga os métodos de produção e beneficiamento dos diversos tipos de minério. Na época da criação (1965), criou a fórmula dos separadores magnéticos para auxiliar a extração e o aproveitamento do minério de alto teor, beneficiando ainda o itabirito, com baixo teor de ferro. Hoje pesquisa técnicas de biolixiviação, que usa bactérias para extrair metais como níquel e cobre (os micro-organismos são incubados) e minerais terras-raras, mais difíceis de extrair devido à composição química. Ele é considerado um dos mais completos laboratórios de pesquisa mineral da América Latina. » CTF: criado em 2008, dedica-se exclusivamente ao estudo de tecnologias relacionadas à aplicação de minério ferro e carvão na siderurgia. Tem equipamentos de última geração para caracterização de minerais, desenvolvimento de produtos e testes, como um forno de amolecimento e fusão capaz de simular um alto-forno que pode atingir até 6 mil graus de temperatura, e o espectrômetro Mössbauer, equipamento igual ao enviado a Marte para análise do solo. Já obteve 10 patentes de inovações tecnológicas, mantendo parcerias com universidades e instituições de pesquisa da Alemanha, China, Estados Unidos e Japão. |