Internado desde dezembro depois de sofrer um acidente de carro, Jorge Wilheim faleceu na madrugada desta sexta-feira 14. O velório, que acontece no Hospital Albert Einstein até 14h, será precedido do enterro no Cemitério Israelita, no Butantã, previsto para 14h30. Nascido na cidade italiana de Trieste, em 1928, aos 12 anos mudou-se com a família para o Brasil. Dos 85 anos em que viveu, 60 foram dedicados à arquitetura, ao urbanismo e à administração pública. Wilheim é responsável por um legado de emblemáticos projetos e obras, entre os quais o Vale do Anhangabaú, o Parque Anhembi e o Pátio do Colégio, de 1975. Da sua prancheta também saíram os projetos de muitas das referências arquitetônicas e urbanas que conhecemos, tais como: a sede do Clube Hebraica (1961), o Teatro de Arte Israelita-Brasileiro (1961), o Serviço Social das Indústrias (Sesi) - Vila Leopoldina (1974), a sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (1975), o centro de diagnósticos do Hospital Albert Einstein (1978/85), o prédio do Jockey Clube São Paulo, a Galeria Ouro Fino. Como um dos renovadores da urbanística no País, Wilheim sempre teve distinta atuação profissional, ocupando diversos cargos e funções no Instituto dos Arquitetos do Brasil. Foi vencedor dos prêmios Tarsila do Amaral (1956), Governador do Estado (1964), IAB de Urbanismo (1965 e 67), IAB para Ensaio (1965 e 67), Ordem do Mérito de Brasília (1985) e Pensador de Cidades Luiz Antonio Pompéia (2010). Na década de 1950, recém-formado arquiteto pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, enfrentou o desafio de projetar uma nova cidade para 15 mil pessoas no Mato Grosso, com a finalidade de desenvolver a região. A cidade Angélica é hoje considerada modelo de planejamento urbano. Formulador no Brasil do chamado “planejamento estratégico” - conceito criado pelos teóricos Manuel Castells e Jordi Borja - uma de suas contribuições pioneiras foi a criação dos Planos Diretores. Foi responsável por mais de 20 planos urbanísticos, destacando-se os de Curitiba, Goiânia, Natal, São Paulo, Campinas e São José dos Campos, entre outros. Na esfera pública, organizou a Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo (a primeira do Brasil) e, durante sua gestão, estruturou o órgão que compreendeu a CETESB, a Fundação Florestal, três institutos de pesquisa (Florestal, Botânico e Geológico) e a Polícia Florestal. Foi também responsável pela implantação do programa PróAlcool. No campo político, foi secretário de Economia e Planejamento do estado de São Paulo (1975-1979), e duas vezes secretário de Planejamento da capital paulista (nas gestões Mário Covas e Marta Suplicy). Suas principais marcas no governo de São Paulo foram a criação do Procon, da Fundação Seade, da EMTU, e do “Passe do Trabalhador”, hoje conhecido como Vale Transporte. Foi também presidente da Emplasa, Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo, onde elaborou o primeiro Plano Metropolitano da cidade. Como secretário de Planejamento de São Paulo, criou o pioneiro Passe do Idoso, o Cadastro Cultural das Referências Urbanas, o Conselho de Política Urbana, o Fundurb, o Plano Diretor Estratégico e os 31 planos estratégicos das subprefeituras de São Paulo. Plano Urbano de Jorge Wilheim fez nascer a cidade de Angélica há 50 anos Ângelo Arruda - Vituvius (artigo publicado em 4/março/2004) Angélica é uma pequena cidade de 5.600 habitantes localizada na região leste do Estado de Mato Grosso do Sul, no Vale do Rio Ivinhema e, em 2004, completa 50 anos do seu plano urbanístico. Sim: Angélica é a única cidade planejada do estado, projetada antes de Brasília, para atender uma realidade regional. O autor do Plano Diretor é o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim e teve a participação da arquiteta Rosa Grena Kliass. Conheci Jorge Wilheim quando de sua vinda a Campo Grande em 2000 para participar como conferencista, do Seminário Nacional sobre Cidades, promovido pela Prefeitura Municipal e desde aquele dia, passei a me interessar pelo plano de Angélica, quando, visitando na Bienal de Arquitetura de São Paulo, ano passado, pude constatar que foi o Plano de Angélica o primeiro trabalho de urbanismo de Jorge Wilheim em 1954. Ainda na Bienal foi lançado um livro monográfico sobre sua obra — WILHEIM, Jorge. A obra pública de Jorge Wilheim: 50 anos de contribuição às cidades e à vida urbana. São Paulo, DBA, 2003 — e foi assim que pude ler o depoimento do arquiteto sobre o seu trabalho no antigo Estado de Mato Grosso, embora no livro Cadernos Brasileiros de Arquitetura – edição 15 de agosto de 1985 – Espaços e Palavras Jorge Wilheim, já tivesse o croqui do plano e algumas palavras do autor. Jorge Wilheim é italiano, nascido em Trieste em 1928 a exerce, atualmente, a função de Secretário de Planejamento da cidade de São Paulo, gestão Marta Suplicy e concluiu o curso de arquitetura em 1952 no Mackenzie. Era um militante de esquerda e nos anos 50 conheceu a família Neder (René, Humberto e Alberto) de Campo Grande, também de esquerda e empresários do setor de telefonia quando estes lhe encomendaram o Plano Diretor de uma cidade na região sudeste de Mato Grosso. Os Neder tinham uma empresa- a Companhia Colonizadora e Imobiliária Douradense, com sede em Campo Grande e eram donos de uma imensa área de 13.600 hectares, denominada Gleba Angélica, no município de Dourados, sul do Estado, e a gleba foi o centro de uma vasta região que a Companhia Mate Laranjeira colhia erva mate nativa entre 1908 e 1938. Próximo dali, o Porto Angélica no Rio Ivinhema, com navegação fluvial entre os rios Paraná, Rio Brilhante e Dourados. A empresa de colonização tinha uma idéia geral para a gleba de fazer propriedades rurais de 24 hectares, em loteamento, para plantio de café e algodão, principalmente, cultura muito tradicional na região e na mesma gleba, um projeto de uma cidade, para moradia dos proprietários rurais. O Núcleo Urbano era uma necessidade da colonização e a idéia do Plano Diretor de uma cidade moderna, segundo Jorge Wilheim, era para fugir das plantas desenhadas de patrimônios de empresas colonizadoras, feitas geralmente por engenheiros agrônomos, preocupados como o desenho da quadra 100x100m, uma indicação de praça, escola, igreja, sem plano urbanístico, como havia em diversas cidades paulistas e paranaenses da época, com raras exceções de planos bem concebidos, urbanisticamente. “Angélica, núcleo urbano cercado de fazendas de café, buscava responder às demandas de uma cidade pioneira: seu núcleo gerador é constituído de espaço da feira, da estação rodoviária, da pista de pouso, do campo de futebol, acrescido de uma igreja, uma pousada e uma administração central, a futura Prefeitura”, diz o arquiteto no seu livro. De fato, as premissas do plano de Jorge Wilheim, por encomenda da família Neder, era que houvesse uma cidade para abrigar os futuros assentados que adquiriam as terras e com isso, plantavam café e outras culturas e com a renda da produção, adquiriam um lote na cidade que teria toda a infra-estrutura urbana. A gleba Angélica loteada deu para 1.420 famílias o que correspondia a 6.470 habitantes, segundo o Plano Diretor e nascia com preocupações ambientais que não foram cumpridas pelos proprietários, prejudicando, fortemente a região, décadas depois: o solo carecia de proteção das matas e das nascentes pois sem cuidados, causaria erosão e um perigo de voçorocas, inclusive urbanas. Mas o Plano previa, ainda, que a cidade atendesse a região de entorno, formada por propriedades da Colônia Agrícola de Dourados, das fazendas e chácaras e assim, nasce o Plano de Angélica para 15 mil habitantes, em 1954. A área escolhida foi de 2.000 hectares – um retângulo de 6x3 km, com crescimento espontâneo, e um núcleo gerador rural, de lavoura, uma cidade de passagem, preferencialmente comercial e hoteleira, com a previsão de fluxo de rodagem Dourados – Presidente Epitácio em São Paulo. O crescimento era orgânico e havia tendências de crescimento lateral. Jorge Wilheim projeta uma cidade funcionalista, corbusiana em sua essência, com os 5 pontos presente no Plano Diretor. Tratou de criar Unidades de Vizinhança antes de Lúcio Costa propor para Brasília, separada no núcleo por espaços públicos de praças, um centro cívico e uma área de mata natural – que se perdeu nos anos 70 com a erosão urbana provocada pelo trato irregular do solo urbano – e a área comercial e das oficinas rurais. A cidade funcionalista nascia como uma nova cidade de empresas de colonização e que, para dar certo, era necessário que houvesse um acompanhamento de sua implantação, o que acabou não ocorrendo. Comentando seu Plano, Jorge Wilheim diz: “O núcleo tem o desenho de duas praças, moderna versão atual das tradicionais piazza del erbe, a praça da catedral e do poder local em todas as cidades medievais... De um lado desse núcleo há o centro comercial, com sistema viário duplo... Do outro lado, as superquadras, de predominância residencial. Todos os lotes residenciais abrem-se para ruas sem saída. O miolo da quadra se destina ao uso coletivo: escolas, clubes, creches, igrejas, compras, locais de piquenique. Entre as duas superquadras, uma faixa de lotes para comércio local”. As funções da cidade prevista pelo Plano Diretor, em função do seu desenho, eram: a) habitar, com privacidade, sossego e bem-estar; b) trabalho, no comércio, indústria e na administração; c) circulação, nas alamedas e avenidas com 12 metros duplas e alguns cul-de-sac nas superquadras; d) recreação, com os parques, museu e zoológico além do jardim botânico. Como futura fonte de transporte, o Plano previa uma ligação ferroviária com a região de Dourados que se serve da ferrovia Noroeste do Brasil. Angélica completa 50 anos do seu Plano Diretor, elaborado por um importante arquiteto brasileiro, que também completou 50 anos de profissão e que esteve em Mato Grosso do Sul por diversas vezes e que também por aqui projetou a Clínica de Campo Grande, em 1957, na Rua Cândido Mariano e duas residências modernistas na Avenida Afonso Pena, entre a Padre João Crippa e a José Antônio, uma delas bem descaracterizada em recente projeto de reforma para abrigar uma clínica radiológica. O fato de ser uma das poucas cidades brasileiras planejadas com o espírito modernista, a coloca entre as cidades com grau de importância elevada para a realização de estudos científicos, tal qual Brasília, Maringá, etc. Mas, nesse texto pretendo levantar, também, alguns indícios do porquê Angélica não deu certo, tanto na previsão populacional – o contrário é sempre que o urbanista erra na conta e a cidade cresce mais do que planejado –, quanto no econômico regional. O que sabemos é que a fase de planejamento rural da gleba com áreas para plantio de café e algodão era baseada na economia do lugar e na cultura dos plantadores e que, com as geadas dos anos 60 e 70, veio a derrotar essa cultura na região. Outro fator foram as erosões urbana e rural, provocadas pelo trato incorreto do solo, quando havia análises técnicas que apontavam para um cuidado enorme. O homem, acostumado a derrubada de matas para plantio, esqueceu, naquele momento e naquele lugar, que deveria ter mais cuidados. A destruição da camada superficial da terra, abriu crateras erosivas que prejudicaram as lavouras rurais e a urbanização da cidade, com fendas de mais de 10 metros de profundidade. Por fim, a substituição da cultura da lavoura pela pecuária, com baixos incrementos populacionais, veio consolidar o crescimento negativo da população: no último Censo de 2000 do IBGE Angélica decresceu 2,00% em dez anos. Jorge Wilheim em seu citado livro, diz que no Brasil, o gado não cria cidades, quem cria é a lavoura, a agricultura. Esse dado vem confirmar o ocorrido final: na troca de administração da cidade, prejuízos causados pela erosão, baixa arrecadação tributária e uma gestão descuidada, contribuíram para o insucesso da cidade, não do Plano Diretor e das ideias do arquiteto autor: a cidade de Angélica está lá, para ser estudada e visitada pois, sua história urbanística já está escrita para o Brasil. Ângelo Marcos Arruda é arquiteto e urbanista, professor de Planejamento Urbano e Regional da UFMS, articulista do Vitruvius e do Jornal de Domingo e Correio do Estado(MS). |