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Falta de bom senso no uso da água

Texto de Reinaldo Canto - 19 de fevereiro de 2014 2751 Visualizações
Falta de bom senso no uso da água
 
Um calor acima do previsto e chuvas que não caem como em anos anteriores. Além disso, um consumo em alta e os reservatórios em baixa atingindo marcas históricas negativas. Todos esses fatores somados resultam na séria e concreta ameaça de racionamento de água na região Sudeste, a mais populosa do país.
É claro que esse estado de coisas deve ser considerado atípico, mas diante da crise anunciada e um iminente “apagão” no fornecimento desse líquido precioso, lá vamos nós caçar os culpados da hora!!
A mídia responsabiliza governos pela ausência de investimentos no setor. Os partidos pró e contra defendem ou atacam conforme a conveniência e a população reclama de todos afirmando que pagam suas contas em dia e, portanto, não aceitam abrir mão do direito de ter água nas torneiras e chuveiros sempre que quiserem fazer uso dela.
Afinal, foi o fenômeno climático, como consequência do aquecimento global, o maior responsável pelas altas temperaturas e pela ausência de chuvas?
Em parte podemos até afirmar que sim. Mas depender totalmente dos ciclos de chuva do bom comportamento climático, apenas revela um despreparo muito grande e que deve realmente assustar a todos nós.
Então, a quem cabe a maior responsabilidade? Acredito que seja da visão limítrofe generalizada que ainda é capaz de dar pouca importância a esse insumo fundamental para a vida de todos.
Façamos um exercício bastante simples. Imagine a falta de muitos serviços que temos à disposição dentro das nossas casas. Pense que durante um período você ficará totalmente sem energia elétrica, sem telefone ou mesmo sem dispor da internet e da televisão a cabo. Muito ruim sem dúvida e que podem trazer prejuízos diversos. Agora reflita sobre a total ausência de água. Sem entrar na individualização dos problemas acarretados por cada um desses serviços, o que naturalmente o obrigaria a sair de casa para buscar uma solução é exatamente a água. Ela não é apenas vital para o nosso dia a dia, pessoal ou profissionalmente como tantos outros, é basicamente uma questão de sobrevivência.
Agora, com raras exceções, o mais essencial é, invariavelmente, o mais barato de todos. É ao final das contas uma impressionante inversão de valores, o que é mais importante custa menos que o supérfluo... e vice-versa. Nessa hora prevalece a lógica do famigerado mercado tão pouco afeito a enxergar além do curto prazo.
Esse olhar distorcido é o primeiro responsável pela nossa crise de abastecimento de água. Depois dele tudo vai se complicando numa espiral de problemas sobrepostos.
Cidadania também em falta
Senão, vejamos. Recentemente o escritor Ignácio de Loyola Brandão publicou em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo diversos diálogos mantidos por ele com pessoas que faziam uso da água da pior maneira possível. Estavam elas a varrer calçadas com a mangueira ou a lavar carros pouco preocupadas com o desperdício de litros e litros de água tratada. Ao questionar esses indivíduos, as respostas dadas ao conhecido escritor foram, invariavelmente, semelhantes, indo de um simples: “cuide de sua vida” a um “pago a água e gasto quanto quiser”.
Atitudes típicas de um individualismo contemporâneo e nefasto. Essas pessoas agem como se não houvesse interesses coletivos que estão acima dos seus de gastar água como bem entendessem. Temos direito a água, certamente. Mas também temos o dever de fazer uso racional dela. Acima de tudo, a água deve ser percebida como bem comum.
Então as famílias são as grandes responsáveis pelos nossos problemas de abastecimento? Calma aí, não foi isso que eu disse. Existem ainda outros atores nessa equação.
As enormes perdas do sistema
Segundo a ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) as companhias de abastecimento de água no Brasil são responsáveis por uma perda média que chega a absurdos 40%. Mas existem empresas de saneamento que perdem até 60%. Um volume de água impressionante que é desperdiçado e que contribui fortemente para a atual situação.
E esse desperdício reverte em um círculo vicioso e pernicioso. Quanto mais se perde água, menos a empresa responsável pelo abastecimento será capaz de investir recursos para melhorar o sistema e trabalhar para a redução dessas mesmas perdas. Ainda, de acordo com a ABES, são diversas as razões para a manutenção desse cenário, entre elas, podemos destacar a falta de quadro de profissionais capacitados; escassez de equipamentos, a baixa capacidade de financiamento como já citado e por fim, a ausência de uma coordenação geral redundando em uma gestão ineficiente do sistema.
Então, leitor você poderá raciocinar, aí estão as grandes responsáveis, ou seja, as companhias estaduais de abastecimento de água. Aí serei obrigado a pedir um pouco mais de paciência para suas conclusões definitivas.
Governos e suas campanhas oficiais
A crise tomou tal proporção que, em São Paulo, o Sistema Cantareira, um dos principais responsáveis pelo abastecimento dos cerca de 20 milhões de habitantes da região metropolitana atingiu a marca histórica de 18,8% no nível de sua represa. Diante desse fato, o governo do estado, por meio da Sabesp, a companhia de abastecimento paulista decidiu por uma medida a altura do momento (estou sendo irônico). Uma campanha em forma de súplica pedindo às pessoas que economizem água em troca de uma redução de 30% na conta mensal.
O tom dado por essa campanha seria, mal comparando, o mesmo que premiar a honestidade ao invés de punir severamente os desonestos. Essa comunicação perde a oportunidade de ir além, chamar à responsabilidade o conjunto da sociedade, conscientizar sobre ações efetivas de bom uso da água e ao mesmo tempo aqueles que mantiverem hábitos contrários aos da maioria da população, deveriam receber severas multas. Também não precisaríamos chegar ao momento atual para a realização de campanhas visando à economia de água. Elas deveriam ser permanentes e cotidianas, até que um novo comportamento, simplesmente, as tornasse desnecessárias.