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O teste do novo modelo de concessões ferroviárias

Giuseppe Giamundo Neto e Mário Henrique de Barros Dorna - 19 de fevereiro de 2014 1315 Visualizações
O teste do novo modelo de concessões ferroviárias
 
A tarefa do Governo Federal de encontrar solução para o transporte de cargas teve importantes episódios recentes, especialmente no que se refere ao transporte sobre trilhos. A precariedade da malha ferroviária brasileira, bem como a ineficiência de seu modelo de exploração, são obstáculos a serem contornados para contribuir com a redução do “custo Brasil”.
O sistema de transporte ferroviário de cargas predominante no Brasil até hoje foi marcado pela verticalização, por concentrar nas mãos de uma mesma empresa tanto a exploração da infraestrutura ferroviária como a prestação de serviços de transporte. Como resultado tem-se o monopólio da linha por uma empresa e, invariavelmente, o aumento do custo efetivo do transporte, o que se mostra pouco interessante à economia do País.
Objetivando viabilizar a evolução da infraestrutura e da utilização do modal ferroviário de transportes de cargas, o Governo Federal editou o Decreto 8.129/2013, por meio do qual instituiu a política de livre acesso aos usuários e operadores ferroviários a toda malha integrante do Subsistema Ferroviário Federal e adequou a atuação da Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública controlada pela União.
Nos moldes em que colocado, o modelo tem como marca principal a separação da outorga da exploração da infraestrutura ferroviária pelo concessionário da prestação de serviços de transporte, agora por múltiplos operadores, permitindo a competição e a consequente redução dos custos do transporte.
A primeira experiência do Governo Federal com a utilização do Decreto deverá se dar com a concessão para exploração da infraestrutura ferroviária no trecho EF-354, entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO).
Intenciona-se a publicação de edital de concessão para exploração da ferrovia, abrindo-se certame para escolha do concessionário que se propuser a cobrar a menor tarifa. Ao concessionário caberá a construção e a manutenção da via concedida por 35 (trinta e cinco) anos, e lhe será outorgado o direito de explorar a capacidade de transporte, cuja remuneração ocorrerá por meio das chamadas Tarifa pela Disponibilidade da Capacidade Operacional (“TDCO”) e Tarifa de Fruição (“TF”).
A Valec, que antes era responsável apenas por construção de ferrovias, passou a ter a atribuição de adquirir o direito de uso de toda a capacidade disponível da ferrovia, remunerando o concessionário mediante pagamento da TDCO (composta pelos custos do concessionário e sua margem de lucro, de valor fixado na concessão) e vender esse direito de uso aos usuários (operadores independentes, prestadores de serviços de transporte ferroviário) através de oferta pública, na qual a competição pelo direito de uso pelos operadores poderá contribuir para a modicidade tarifária.
A outra tarifa prevista nesse sistema, a TF, deverá ser paga pelos operadores ferroviários independentes, a fim de compensar o desgaste da via.
O processo de outorga de concessão para exploração da infraestrutura de transporte ferroviário da EF-354 foi aprovado com ressalvas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas sessões extraordinária de 16.12.2013 e na sessão plenária de ontem (12.02.2014).
Apesar de promissor, o modelo parece ainda conter fragilidades, tais como a incerteza sobre a capacidade gerencial da Valec para adquirir e vender o direito de uso da ferrovia, visto que a empresa detém experiência apenas na construção de ferrovias, jamais exercendo algo parecido com suas novas atribuições.
Projeções utilizadas pelo TCU apontam que esse modelo poderá impor à Valec um período altamente deficitário de até dez anos, o que deverá ser compensado com a operação das ferrovias já construídas e que acarretarão, em curto prazo, menores gastos e maiores receitas. Esse cenário exige estudo de fontes de recursos e formas de financiamento dos déficits incorridos pela estatal ao longo dos anos de implementação do novo modelo, conferindo estabilidade e previsibilidade aos pagamentos por ela devidos.
Longe de atuar apenas como controlador formalista, o recente julgamento proferido pelo TCU revelou viés participativo, do qual decorreram determinações voltadas à redução dos riscos de insucesso do modelo, por exemplo, para que se aprimorem os valores projetados de custos, receitas, demanda etc.. As determinações tendem a reduzir o descompasso entre teoria e prática, risco que pode inviabilizar ou encarecer o modelo. Saliente-se ainda a salutar preocupação demonstrada com a integração intra e intermodal, ou seja, com visão ampla dos transportes no Brasil através da realização de estudos de viabilidade técnica e econômica atentas à integração das ferrovias entre si e também destas com rodovias, portos e aeroportos.
Ao que tudo indica até o momento, o modelo em criação requer, sim, alguns ajustes, mas dá mostras de ser uma saída interessante e consciente ao ultrapassado modelo ainda vigente no Brasil. A separação das outorgas entre empresas diferentes, o uso compartilhado das vias pelos operadores independentes e a oferta pública do direito de uso podem revolucionar o cenário nacional do transporte de carga sobre trilhos: para concessionários e operadores, promete o surgimento (ou ressurgimento) de um nicho rentável e próspero; ao mercado, gradualmente ofertará serviços de transporte de carga com qualidade e a custos menores; ao Brasil, a eficiência do modelo poderá representar um importante passo para retomar a competitividade de seus produtos frente aos estrangeiros.