“A lição nós sabemos de cor, só nos resta aprender”
Para tratar da engenharia, o diretor da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (ABECE), Ricardo Borges Kerr, recorre à linguagem poética do compositor Beto Guedes ao pontuar o papel do planejamento das obras, incluindo aquelas emergenciais para alojamento de profissionais, de desabrigados, de estoque e processamento de alimentos e até hospitais. Em meio à pandemia do COVID-19, os 11 hospitais temporários que, foram erguidos na China, repercutiram mundialmente pelos prazos recordes de construção. Para o engenheiro, o que deve chamar atenção é o planejamento: “A lição nós sabemos de cor, só nos resta aprender” na prática, ele completa.
Kerr considera que o planejamento, incluindo a etapa de projeto, é a mais importante de um empreendimento e essa prerrogativa é válida para obras de caráter emergencial. Uma vez bem planejada, a edificação pode ser rapidamente erguida para atender quaisquer situações adversas. “Sempre que alguém tem a brilhante ideia de simplificar os processos, os projetos acabam prejudicados, comprometendo o final da obra”, lamenta.
Em relação aos hospitais chineses para atender às vítimas do COVID-19, Kerr analisa que o planejamento foi traçado com cuidado, com muita antecedência, lembrando a experiência com as obras realizadas de 2002 a 2004, por ocasião da síndrome respiratória aguda grave (SARS). Sem se aventurar nos aspectos políticos, o engenheiro pondera que, mesmo em caráter de urgência, as obras dos hospitais estão associadas à propaganda do governo chinês. Por esse viés de propaganda, o planejamento, projeto e a fabricação dos elementos ficam fora dos holofotes.
Na perspectiva da engenharia, Kerr detalha as principais etapas de uma obra desse porte, começando pelo planejamento, que contempla o projeto. A tecnologia BIM (Building Information Modeling – Modelagem de Informações da Construção) é destacada pelo engenheiro como a principal aliada nessa etapa, facilitando as atividades de compatibilização, com levantamento de quantidades, seleção de fornecedores e interpretação dos projetos. Ainda que o mercado use a ferramenta mais como modelagem tridimensional, ela tem potencial para antecipar os desafios do ciclo de vida da obra, uma frente na qual o mercado ainda precisa avançar.
“No planejamento, destacamos o estudo da logística, identificando como os insumos chegarão ao canteiro de obras, a elaboração do projeto, com os pontos de coordenação e mapeamento das interferências, entre os diversos sistemas, totalmente resolvidas”, detalha. O projeto, complementa Kerr, contempla o processo criativo com aproximações sucessivas, lidando com o dilema do equilíbrio do prazo, custo e qualidade para um determinado empreendimento.
Na sequência, Kerr coloca em evidência as etapas de fabricação de elementos estruturais, execução de obras de terra e fundações, montagem de elementos pré-fabricados, montagem dos elementos de vedação, execução de instalações hidráulicas, elétricas, mecânicas e de gases, acabamentos, mobiliário e instalação de equipamentos.
Kerr analisa que a engenharia está intimamente ligada ao desenvolvimento da sociedade. “Para um desenvolvimento sustentável, é necessário um planejamento rigoroso no cumprimento das normas, uso racional dos recursos naturais de modo que só a engenharia confere na realidade e na tecnologia brasileiras”, reflete o engenheiro. Na cidade de São Paulo, ele resume, é possível ver nos problemas urbanos os efeitos da falta de planejamento e da falta de engenharia, comprovando que nos resta aprender, como disse Beto Guedes.