Políticas ambientais podem ter efeitos colaterais indesejáveis
Estes mapas mostram o consumo de terras da União Europeia fora das suas fronteiras para o cultivo de culturas não destinadas ao consumo humano (a: milho/cana-de-açúcar; b: oleaginosas).
[Imagem: Martin Bruckner et al - 10.1088/1748-9326/ab07f5]
Efeito transbordamento
Boas intenções nem sempre produzem bons resultados, e essa sabedoria também se aplica ao estabelecimento de políticas ambientais que se pretenda coerentes e eficazes.
Esta é a mensagem de toda uma edição da revista científica Environmental Research Letters. Ao longo de 14 artigos, alguns deles de brasileiros, pesquisadores mostram que, sem supervisão e planejamento adequados, as políticas ambientais podem levar a efeitos colaterais não intencionais e prejudiciais.
"É importante avaliar as possíveis consequências indesejadas com antecedência e, se necessário, ajustar ou até tirar o plugue da tomada antes que seja tarde demais. Para esse fim, precisamos entender melhor como esses efeitos de transbordamento ocorrem e como eles podem ser minimizados," enfatiza o professor Jan Börner, da Universidade de Boon, na Alemanha, que ajudou a compor o número especial da revista.
O efeito de transbordamento que o pesquisador cita refere-se a eventos que ocorrem por causa de um outro evento que parecia inicialmente pertencer a outro contexto e não ter nenhuma relação com a intervenção que se processa inicialmente. É uma espécie de efeito colateral indesejável.
O problema dos bioplásticos
Como exemplo, Neus Escobar e seus colegas analisam o caso dos bioplásticos, que são frequentemente entendidos como sinônimos de alternativas verdes, sustentáveis e ambientalmente amigáveis aos produtos plásticos à base de petróleo. Contudo, esta não é a história toda.
Embora seja verdade que os plásticos feitos de milho, trigo ou cana-de-açúcar sejam, em princípio, neutros ao clima e protejam as reservas de petróleo, uma ampla mudança no consumo de materiais convencionais para materiais de base biológica pode ser uma má notícia para o meio ambiente, considerando o estado atual da tecnologia.
Afinal, as matérias-primas vegetais são produzidas na terra e a expansão agrícola não regulamentada muitas vezes leva à conversão de áreas naturais para a agricultura, como as florestas tropicais ou o cerrado brasileiro. Isso compromete os esforços de mitigação das mudanças climáticas porque as florestas retêm consideravelmente mais carbono do que, por exemplo, plantações de milho ou de cana-de-açúcar.
Desta forma, as consequências não intencionais da promoção de produtos "verdes" por meio de políticas ambientais mal projetadas - ainda que muito bem-intencionadas - podem levar a mais danos do que benefícios ao clima global, sem mencionar outras consequências, como o aumento dos preços dos alimentos e a perda de biodiversidade, citam os pesquisadores.
Boas intenções não são suficientes para política ambiental eficaz
Outros exemplos do efeito transbordamento de políticas ambientais bem-intencionadas incluem a "democratização" do mercúrio por todo o planeta e as consequências para o clima dos gases que salvaram a camada de ozônio.
[Imagem: Kate Evans/Center for International Forestry Research]
Mecanismos de compensação
Vários exemplos deste tipo, incluindo os biocombustíveis, são apresentados ao longo dos 14 artigos, mostrando que as políticas destinadas a combater as mudanças climáticas e a destruição ambiental geralmente produzem impactos que os planejadores não haviam previsto na fase de projeto.
Infelizmente, o número especial não cobre o polêmico campo da geoengenharia, que pretende manipular o clima mexendo em uma ou duas variáveis, sendo que os cientistas concordam amplamente que não é possível calcular os efeitos associados a essa manipulação. Análises iniciais já demonstraram, por exemplo, que a geoengenharia pioraria o clima e não poderia ser interrompida.
"Precisamos discutir onde é eficiente produzir certos produtos, tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico e em nível global. Se isso significa que algumas regiões perdem economicamente, precisamos pensar em mecanismos de compensação adequados," finalizou o professor Börner.