II BW Talks discute os impactos ambientais da Covid-19 no setor da construção
Na última quarta-feira (06), a Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração (Sobratema) promoveu a segunda edição do BW Talks – iniciativa que precede a realização do 3° Biosphere World, evento multidisciplinar direcionado exclusivamente às tecnologias voltadas à sustentabilidade ambiental, que acontecerá em outubro. Diferentemente do primeiro BW Talks, que aconteceu no Instituto de Engenharia, em São Paulo (SP), desta vez o encontro se adaptou às recomendações do isolamento social e foi realizado virtualmente.
Na ocasião, foram lançadas cinco enquetes ao público participante e os resultados foram comentados, na sequência, por quatro especialistas convidados: Daniel Corsi, arquiteto, urbanista e professor; Hewerton Bartoli, atual presidente da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon); Marcelo Nudel, arquiteto e sócio-diretor da Ca2 Consultores; e Ulysses Mourão, engenheiro civil e de segurança e membro executivo da empresa EBP Brasil. Todos eles são, respectivamente, curadores dos seguintes núcleos temáticos que serão abordados durante a Biosphere World: Construção Modular, Reciclagem de Resíduos da Construção, Construção Sustentável e Brownfields.
Consequências do isolamento social para as cidades
A primeira enquete, realizada junto aos mais de 100 usuários que participaram do II BW Talks, questionou a consequência que a experiência do isolamento social traria para as cidades no médio e longo prazos a partir de quatro opções de respostas: 1) haverá um êxodo de pessoas para as áreas rurais; 2) as cidades terão que ser adaptadas e transformadas para propiciarem um novo estilo de vida; 3) as cidades permanecerão como estão, mas as pessoas criarão novas rotinas e formas de habitá-las; e 4) nada mudará e caminharemos para um futuro cada vez pior.
Com um total de 55%, a alternativa 3 foi a mais votada da rodada e quem comentou um pouco mais sobre o assunto foi Daniel Corsi. Segundo ele, a crise do novo coronavírus vem para trazer um extremo inédito, em que as condições de falência das cidades, que há muito já vinham sendo constatadas, são colocadas contra o muro.
“Cidades do porte de São Paulo, por exemplo, já não conseguem mais se sustentar com um único centro. Cada vez mais, vemos a necessidade de as cidades começarem a se organizar de forma mais diluída”, disse Corsi, ressaltando que no mundo ideal, a população deveria ter acesso a todos os serviços básicos e fundamentais em um raio de 15 minutos de deslocamento a pé, por exemplo. “O momento atual traz a oportunidade para que as cidades revisem a forma como estão estruturadas em função deste estado crítico”, completa.
Ulysses complementa a visão de Corsi lembrando que, em meio a uma crise que atinge o mundo todo, é inevitável que o comportamento das pessoas mude. Com isso, as cidades precisarão criar formas de inovar para se adaptarem aos novos comportamentos que surgirão. “Será que as pessoas vão querer estar em ambientes fechados, como shopping ou cinemas, ou sentirão aversão a isso? Esses e outros comportamentos sociais pós-Covid-19 vão pautar a forma como as cidades passarão a ser estruturadas”, pontuou.
Consumo X Desperdício
A segunda enquete colocou em cheque como ficará a relação da sociedade com o desperdício e o consumo. As opções de respostas incluíam: 1) a sociedade estará mais consciente, haverá um cuidado maior com o desperdício e a valorização dos resíduos; 2) rapidamente as pessoas retornarão às suas rotinas e aos padrões anteriores de consumo e desperdício; 3) a médio e longo prazos as pessoas retornarão às suas rotinas e aos padrões anteriores de consumo e desperdício; e 4) mudanças neste sentido não dependerão apenas das pessoas, mas também de atitudes do poder público e das empresas de forma geral.
A alternativa 4 ficou em primeiro lugar e proporcionou reflexões importantes. Marcelo Nudel, por exemplo, lembrou que a forma com que a economia está estruturada hoje, depende do consumo constante. Prova disso é a crise econômica que o país começa a enfrentar agora, a partir do momento em que as pessoas começaram a consumir apenas o necessário. “Estamos percebendo que os seres humanos são completamente vulneráveis. Se um vírus está fazendo isso, imagina o que acontecerá quando começarmos a sentir os impactos das mudanças climáticas?”, alertou.
Ainda segundo Nudel, a intervenção do governo e de empresas é extremamente importante quando falamos em consciência ambiental. “Existe uma grande parcela da população que não tem condições sociais para se preocupar com o consumo e a preservação ambiental, pois ainda precisa se preocupar com as necessidades mais básicas. E é justamente por isso que os governos precisam estar envolvidos nesta mudança. Precisamos de líderes que tomem liderança deste debate, para que as sociedades tenham condições de agir em prol da sustentabilidade”, explicou.
Os benefícios dos métodos industrializados de construção
Na sequência, o público foi confrontado com a seguinte pergunta: “Qual o principal benefício que métodos industrializados de construção (ou seja, todos sistemas construtivos que são, em boa parte, fabricados em uma indústria e apenas montados nos canteiros de obra) podem trazer para as obras pós-Covid?”. Entre vantagens como prazos de execução menores, maior qualidade do ambiente construído e melhores custos, o ponto que mais chamou a atenção foi a redução do desperdício.
Neste contexto, Hewerton Bartoli ressaltou que, apesar de o Brasil ter evoluído bastante nos últimos anos no que diz respeito à redução do desperdício na construção civil, ainda há muito espaço para melhorias. “A Abrecon nasceu justamente com o propósito de criar uma nova cultura no setor: a de que é preciso haver o mínimo possível de desperdício em cada construção. E os métodos industrializados vem ao encontro deste propósito”, comentou.
Daniel Corsi também tocou em um ponto importante: a resistência que ainda existe no mercado com relação aos métodos industrializados. “As edificações são feitas para durar e nem sempre os métodos não convencionais passam essa segurança para as pessoas. As empresas da área da construção precisarão refletir sobre isso para desmistificar a questão”, disse.
Os benefícios ambientais trazidos pela tecnologia
No quarto momento da BW Talks, foi a vez de debater o principal benefício que a tecnologia poderá trazer ao setor da construção civil, a partir de cinco alternativas: 1) desenvolvimento de novos materiais que causem menos impactos ao meio ambiente; 2) desenvolvimento de novos métodos construtivos que causem menos impactos ao meio ambiente; 3) reutilização e reciclagem intensa de materiais; 4) mais mecanização e menos pessoas nas obras; 5) não acredito em benefícios. Neste caso, a opção 3 foi a mais votada pelos participantes.
Em concordância com a alternativa vencedora, Hewerton Bartoli lembrou que, ao mesmo tempo em que a construção é a maior responsável pela geração de resíduos, o setor também é o que tem maior potencial para consumir os resíduos que ele mesmo gera. “Mais da metade dos resíduos gerados nas obras são passíveis de beneficamente para serem reaproveitados dentro da própria construção civil. Além de mais baratos, os resíduos reciclados ajudam a reduzir o consumo de um recurso que é finito: a rocha”, pontuou.
O que nos aguarda
Para encerrar o encontro, os participantes responderam o que eles esperam para depois do isolamento social. Mais da metade dos usuários apostaram em uma mesma teoria: em um futuro não tão longe, novos espaços coletivos surgirão, com dinâmicas, equipamentos e serviços diferentes do que conhecemos hoje.
Na visão de Marcelo Nudel, a saudade que a sociedade vem sentindo dos espaços coletivos devem gerar uma maior valorização deles. “Estamos vendo como é ruim ficarmos reclusos e como a descentralização das cidades se tornam cada vez mais necessárias. Precisamos de espaços com vida em diversos pontos da cidade e não centralizadas em uma única região”, opinou.
Já para Ulysses Mourão, o uso dos espaços públicos certamente será diferente, uma vez que comportamento da sociedade irá mudar. “O uso coletivo será diferente e haverá um tempo de maturação para entendermos isso. Não vejo as pessoas voltando a se aglomerarem em um único espaço tão cedo, então haverá uma reflexão forte neste sentido. Além do mais, as pessoas começarão a se atentar mais à forma como organizam o espaço de suas próprias casas, uma vez que têm passado mais tempo dentro delas”, concluiu.