Com urbanismo tático, cidades enfrentam COVID-19 priorizando pedestres e ciclistas, Plano de retomada de Barcelona vai alargar calçadas, fechar ruas e criar ciclovias temporárias. Foto: Ayuntamiento de BarcelonaPlano de retomada de Barcelona vai alargar calçadas, fechar ruas e criar ciclovias temporárias. Foto: Ayuntamiento de Barcelona
Escrito por Bruno Batista e Fernando Corrêa
Ciclovias criadas da noite para o dia, vias convertidas em zonas calmas, calçadas estendidas às pressas – tudo para acomodar a necessidade de mobilidade urbana em um cenário de pandemia. A COVID-19 tem gerado grandes intervenções urbanas, muitas vezes sem a possibilidade de grande planejamento ou investimento. Cidades convertem-se em laboratórios de experiências que podem trazer benefícios durante a crise e legar um mundo mais sustentável quando o pior passar.
"Já houve melhor momento para experimentar com o fechamento de ruas?", indagou o The New York Times em sua mais recente edição dominical. Como se fosse uma resposta a propostas de novas rotas para mobilidade ativa e espaços públicos seguros endossadas pelo jornal nova-iorquino, o prefeito Bill de Blasio anunciou no dia seguinte um plano para transferir de veículos motorizados a pedestres e ciclistas o direito de uso de 160 km de vias da megalópole.
De intervenções mais pontuais, que se beneficiam do baixo custo e da rápida implementação do urbanismo tático, a planos mais ambiciosos, cidades em todos os continentes têm anunciado medidas contingenciais para oferecer mais segurança nos deslocamentos durante a pandemia e à medida que iniciam a flexibilização do isolamento social. A OMS recomenda aos que precisam se deslocar durante a crise – como os trabalhadores de serviços essenciais – a opção por bicicleta ou caminhada "sempre que possível".
Intervenções pontuais para facilitar o distanciamento
Uma das melhorias imediatas que as cidades podem fazer nesse cenário é oferecer mais espaço para que as pessoas possam manter distância segura umas das outras nos deslocamentos a pé ou de bicicleta. Em Berlim, por exemplo, a prefeitura tem alargado ciclofaixas usando fita e tinta para que ciclistas possam manter uma maior distância entre si.
Berlim têm usado tinta – e balizadores em alguns casos – para demarcar alargamento de ciclovias. Foto: BA-FKBerlim têm usado tinta – e balizadores em alguns casos – para demarcar alargamento de ciclovias. Foto: BA-FK
A bicicleta tem sido reconhecida como transporte capaz de frear o contágio. Mas também é importante prover espaços adequados para os pedestres. No Brasil, onde 36% dos deslocamentos diários da população são realizados a pé, 20% das vias não dispõem de calçadas, quanto menos calçadas adequadas, que respeitem a norma de 1,2m de faixa livre para pedestres. Como quem precisa se deslocar pode manter distanciamento seguro com calçadas tão estreitas quanto o alcance do vírus?
A resposta é óbvia: com calçadas alargadas. Comuns em intervenções de urbanismo tático, as extensões de calçada podem ser implementadas com tinta e tachões demarcando o novo desenho do pavimento. É uma forma rápida e eficiente de enfrentar desafios impostos pela pandemia e de testar novos perfis de ruas que priorizem pedestres e ciclistas e contribuam para cidades mais vibrantes e acolhedoras, e menos poluídas. Dublin e Brookline (EUA) são exemplos de cidades que fecharam pistas em vias movimentadas para estender o espaço para pedestres. Um levantamento do especialista em urbanismo tático Mike Lydon lista dezenas de iniciativas semelhantes.
Oakland, na Califórnia, foi pioneira ao anunciar no início do mês o fechamento de 10% das vias da cidade para recreação, convertidas em ruas calmas. Cidades têm fechado para carros vias à beira-mar para garantir oportunidades de distanciamento, embora autoridades queiram evitar passar a mensagem de que seja correto socializar ou se exercitar junto a outras pessoas na rua no momento atual.
Crise acelera implementação de planos ambiciosos
A retomada pós-Covid-19 trará novos desafios. Gestores e especialistas temem que a experiência da pandemia e o risco associado a espaços fechados gerem aumento do uso de carros e motos em detrimento do transporte coletivo – tudo que se tem lutado há anos para evitar.
Muitas cidades que incluem em seu planejamento a priorização à mobilidade ativa aproveitam o momento para acelerar a transformação. À medida que se prepara para flexibilizar o distanciamento social, Lima decidiu concluir em três meses a implementação do plano cicloviário previsto para os próximos 5 anos, adicionando 301 quilômetros de ciclovias temporárias que devem ser formalizadas posteriormente. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, promete acelerar a transformação da Cidade Luz em uma "cidade de 15 minutos" – promessa de sua campanha para reeleição – implementando 650 km de ciclorrotas a tempo da reabertura de Paris, em 11 de maio.
Região mais atingida pela pandemia na Europa, a Lombardia é também uma das mais poluídas do continente. A capital Milão abraçou a bicicleta e a caminhada como meios de transporte resilientes e sustentáveis. Com expansão e qualificação de calçadas e implementação de malha cicloviária e de zonas calmas, quer estimular o comércio, tornar as ruas mais seguras e a mobilidade ativa mais atraente para evitar o retorno da poluição. "Se todos dirigem carros, não sobra espaço para as pessoas, não há espaço para se movimentar, não há espaço para atividades comerciais fora das lojas. Claro que queremos reabrir a economia, mas acreditamos que devemos fazê-lo sobre novas bases", disse o vice-prefeito, Marco Granelli. Outras metrópoles europeias, como Barcelona e Londres, têm divulgado planos semelhantes, com extensão de calçadas, novas ciclorrotas e redução de velocidade em vias movimentadas.
O governo da Nova Zelândia lançou o programa Innovating Streets for People para financiar projetos de urbanismo tático que favoreçam vizinhanças mais vibrantes, caminháveis e acessíveis. Inicialmente fixado em cerca de US$ 4,3 milhões, o programa pode chegar a US$ 65 milhões, segundo anúncio recente da Ministra dos Transportes neo-zelandesa, Julie Anne Genter. Para garantir a verba, os conselhos distritais (grupos de indivíduos, membros da comunidade e organizações da sociedade civil) devem demonstrar como os projetos podem ser convertidos em mudanças permanentes, gerando benefícios para as vizinhanças e para a cidade em que estarão inseridos.
Transformação deve ser consolidada em planos e ações
Passada a crise da Covid-19, será fundamental que as cidades avaliem o resultado das intervenções para definir quais podem ser formalizadas. O momento que vivemos tem evidenciado a importância de planejamentos que integrem diferentes estratégias na construção de cidades mais sustentáveis e resilientes, combatendo a poluição do ar, as emissões de carbono e outras externalidades negativas da mobilidade baseada no transporte motorizado individual.
WRI Brasil apoia diversas cidades brasileiras em soluções com urbanismo tático, como esta no bairro Santana, São Paulo. Fotos: João Castellano, Victor Moriyama e Joana Oliveira/WRI BrasilWRI Brasil apoia diversas cidades brasileiras em soluções com urbanismo tático, como esta no bairro Santana, São Paulo. Fotos: João Castellano, Victor Moriyama e Joana Oliveira/WRI Brasil
No Brasil, o WRI Brasil tem trabalhado com cidades em intervenções de segurança viária e na implementação de Ruas Completas usando o urbanismo tático. São Paulo, Porto Alegre, Campinas e Salvador estão entre as cidades que adotaram medidas recentes nesse sentido. É preciso dar escala a essas ações. Quem sabe as cidades brasileiras não possam fazer do momento crítico que vivemos uma oportunidade de construir cidades mais acolhedoras e seguras na transição da crise para o "novo normal".