Por que faz sentido o BNDES apoiar projetos no exterior
O apoio do BNDES a projetos de infraestrutura no exterior tem sido objeto de intenso debate. Nessa discussão, a principal crítica à atuação do banco está fundamentada num falso dilema entre financiar projetos no Brasil ou no exterior.
Enganam-se aqueles que defendem que limitar ou extinguir as ações do BNDES para além de nossas fronteiras poderia beneficiar nosso país e as empresas que nele atuam, como se apoiar exportações e gerar desenvolvimento para os brasileiros fossem coisas excludentes. De imediato, os efeitos nocivos viriam com a redução de exportações de alto valor agregado e menos exposição das empresas brasileiras ao mercado global.
Como o assunto vem sendo abordado de maneira distorcida, é importante explicar o foco dos financiamentos a projetos no exterior. O apoio do BNDES tem como objetivo viabilizar a exportação de bens e serviços brasileiros, ou seja, conteúdo nacional, que gera emprego e renda no Brasil. Os recursos são desembolsados diretamente ao exportador, no Brasil e em reais. Não há, portanto, remessa de divisas ao exterior. Pelo contrário, contribui para o ingresso de divisas nas empresas baseadas em território nacional.
É falacioso apontar carências e demandas no plano doméstico como fatores que deveriam inibir a ação internacional do banco. Isso porque os efeitos multiplicadores das exportações sobre o emprego e a renda são amplamente reconhecidos e ainda mais pronunciados no caso de bens e serviços com maior valor agregado e conteúdo tecnológico (máquinas e equipamentos, software, aeronaves, serviços de engenharia e construção etc.), que costumam movimentar uma extensa cadeia de fornecedores no Brasil.
Os principais benefícios da internacionalização são sentidos no Brasil. Para as empresas, a inserção internacional representa não só a oportunidade de ampliar sua produção e obter economias de escala, mas também de diversificar sua carteira de clientes e mitigar riscos. Obter sucesso no mercado externo, onde a competição é mais acirrada, requer produtos de qualidade e preços competitivos e capacidade de absorver e desenvolver novas tecnologias. Já o mercado interno se beneficia não só dos impactos favoráveis sobre emprego e renda, mas também dos ganhos na qualidade dos bens e serviços disponíveis aos consumidores, usualmente a preços decrescentes. Basta lembrar dos automóveis comercializados no país na década de 80.
Neste sentido, o Brasil atua de modo análogo à maioria dos países, já que o apoio às exportações por meio de instituições estatais é parte de estratégia nacional para promover o desenvolvimento. O processo de concorrência internacional é um forte ambiente seletivo e o apoio oficial é usado por governos para auxiliar as empresas de seus países. A intensidade da competição no mercado externo é suficiente para eliminar as que não apresentem formas de financiamento adequadas para sua atuação. Além disso, é consensual a visão de que um setor exportador forte é um importante mitigador de vulnerabilidade externa. Vale lembrar que superávits comerciais apurados nos últimos anos permitiram ao Brasil acumular reservas cambiais que se mostraram instrumentais para diminuir os impactos da crise que se arrasta desde 2008.
Os programas públicos de apoio à exportação existem há quase cem anos nos países desenvolvidos e, nas últimas décadas, têm se difundido. O Reino Unido, em 1919, foi o primeiro a oferecer seguro de crédito e financiamento públicos aos seus exportadores. Na década de 1920 surgiram programas na Bélgica, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Alemanha, Áustria, Itália, França, Espanha e Noruega. Já naquela época, a reativação da atividade exportadora, interrompida pela Primeira Guerra Mundial, era percebida como forma de gerar emprego e retomar a produção industrial.
Hoje, os maiores programas de apoio à exportação são conduzidos pelas agências de crédito à exportação dos EUA, Canadá, Alemanha, França, Itália, Japão, Coreia do Sul e China, que movimentam volumes de mais de US$ 140 bilhões por ano, em financiamentos de médio e longo prazos. Países emergentes, entre os quais Índia, México, Turquia e África do Sul, também têm sistemas de apoio público à exportação bem estruturados.
No Brasil, o BNDES é a principal fonte de financiamento de médio e longo prazos às exportações brasileiras, atuando em conjunto com outros órgãos oficiais. Trata-se de um instrumento de política pública essencial para o sucesso das empresas brasileiras, em particular os fornecedores de bens e serviços de maior valor agregado, foco do apoio do banco.
No caso de serviços de engenharia, as exportações ganharam impulso na última década, em razão não só da demanda crescente de países em desenvolvimento por projetos de infraestrutura, mas também pelos esforços das construtoras brasileiras para se internacionalizar. O mercado internacional é dominado por construtoras europeias, chinesas e norte-americanas, movimentando anualmente cerca de US$ 500 bilhões, dos quais apenas US$ 12 bilhões correspondem a exportações brasileiras. O próprio mercado latino-americano é dominado por empresas espanholas, que em 2011 registraram participação de 32%, contra 16,4% das brasileiras.
Participar desse mercado e usufruir dos benefícios trazidos por essa participação não seria possível sem a oferta de financiamento a custos competitivos, compatíveis com o que é oferecido por outras agências de crédito à exportação. Assim como ocorre na comercialização de bens intensivos em conhecimento, a oferta de financiamento é condição necessária para que o exportador de serviços de engenharia consiga concretizar negócios no exterior. Uma vez contratado, o exportador agregará bens e serviços brasileiros ao projeto, tais como materiais consumidos na construção, equipamentos, mão de obra qualificada etc. Desta forma, a ausência de um instrumento público de apoio à exportação seria um obstáculo ao sucesso das empresas brasileiras no exterior e não, como afirmam alguns, uma fonte adicional de recursos para projetos no Brasil.