Logotipo Engenharia Compartilhada
Home Notícias Brasil em uma encruzilhada macroeconômica pós-pandemia
Opinião I

Brasil em uma encruzilhada macroeconômica pós-pandemia

Click Petróleo - 22 de dezembro de 2020 648 Visualizações
Brasil em uma encruzilhada macroeconômica pós-pandemia

Avançar – ou não – com reformas estruturais destinadas a fortalecer o ajuste fiscal e elevar o investimento privado no Brasil definirá se uma trajetória sustentável – ou insustentável – de crescimento com dívida prevalecerá na próxima década. A medida em que sua economia recupere sua atratividade para investidores estrangeiros terá um papel fundamental.

O Brasil é um dos países mais atingidos pela COVID-19. Além das dramáticas implicações para a saúde, o COVID-19 também afetará a economia brasileira, inclusive por meio de um salto em sua já elevada proporção da dívida do setor público em relação ao PIB em 2020. Avançando – ou não – com reformas estruturais destinadas a elevar o setor privado o investimento definirá se uma trajetória de crescimento com dívida sustentável – ou insustentável – prevalecerá na próxima década. Até que ponto o Brasil recuperará sua atratividade para investidores estrangeiros terá um papel fundamental.

O COVID-19 atingiu significativamente a economia do Brasil, levando a um declínio substancial do produto interno bruto (PIB) em 2020. A trajetória do PIB pós-pandemia do país para a próxima década estará em níveis abaixo do que era esperado antes do COVID-19.

Como previsão de base, o PIB deverá cair 5,0% em 2020, recuperado apenas parcialmente com uma taxa de crescimento de 2,8% em 2021. O PIB deverá retornar ao nível pré-COVID-19 apenas em 2022.

Dependendo da duração da pandemia ainda em curso e do seu impacto na economia, e da eficácia das políticas até agora implementadas para nivelar a curva de recessão, também são oferecidos cenários otimistas e pessimistas de crescimento do PIB: -4,2% e 3,7% para 2020 e 2021 respectivamente no cenário otimista, e -5,5% e 1,8% para 2020 e 2021 respectivamente no cenário pessimista.

A pesquisa de expectativas de 4 de dezembro realizada pelo Banco Central do Brasil revela que os participantes do mercado esperam um crescimento do PIB de -4,4% e 3,5% para 2020 e 2021, respectivamente. Esses números estão mais próximos do intervalo otimista superior relatado pelo IFI do que de seu cenário de base, sinalizando que os participantes do mercado esperam uma recuperação econômica mais rápida do choque pandêmico.

No cenário básico, a taxa de crescimento potencial anual do PIB para 2023-30 é estimada pelo IFI em 2,3%, com a taxa de inflação e as taxas de juros reais básicas presumidas convergindo para 3,5% ao ano e 3,0% ao ano, respectivamente. Esses números são elevados (rebaixados) nos cenários otimistas (pessimistas), dependendo de como os prêmios de risco-país afetam favoravelmente (desfavoravelmente) as taxas de câmbio, a inflação e as taxas de juros reais.

No cenário otimista, a taxa de crescimento potencial anual do PIB para 2023-30 é elevada para 3,5%, com a taxa de inflação e as taxas de juros reais básicas projetadas convergindo para os níveis mais baixos (em relação à linha de base) de 3,2% ao ano e 2,4 % ao ano respectivamente.

Em contrapartida, no cenário pessimista, a taxa de crescimento do PIB potencial anual para 2023-30 seria de apenas 1,3%, com a taxa de inflação e os juros reais básicos supostamente atingindo valores mais elevados (em relação ao cenário de base) de 4,5% ao ano e 5,1% ao ano, respectivamente.

Assim, os diferentes cenários de crescimento do PIB representados englobam não apenas visões contrastantes sobre a trajetória de curto prazo da economia brasileira (2020-22), mas também perspectivas distintas relacionadas ao crescimento potencial do PIB do país no médio e longo prazos (2023-2030).

A extensão e duração das várias ondas do choque COVID-19, as respostas de políticas públicas (medidas monetárias e fiscais), as medidas de lockdown postas em prática pelas autoridades, o cumprimento pela população dessas medidas e a retomada da atividade econômica são todos os fatores importantes para a resolução de curto prazo da trajetória do PIB empreendida pelo país.

A médio e longo prazo, por outro lado, as questões mais estruturais vêm para o primeiro plano. A frágil situação fiscal, a retomada dos tão necessários investimentos, um clima de negócios mais favorável, reformas estruturais e atração de fluxos de investimento estrangeiro direto são os principais desafios que irão moldar o desempenho do potencial de crescimento do país na próxima década.

Uma encruzilhada fiscal
A evolução do prêmio de risco-país e, portanto, da relação dívida pública / PIB acabará por definir a trajetória do PIB brasileiro. Como na maioria dos países, as políticas públicas anticatastróficas tomadas para aplainar a curva da recessão, juntamente com uma queda na receita tributária, irão – temporária mas intensamente – aumentar o déficit nominal do setor público. A combinação de uma queda do PIB e um elevado déficit público terá, até o final de 2020, elevado significativamente o nível da dívida pública em proporção do PIB. Como resultado, mesmo assumindo um retorno ao arcabouço fiscal pré-COVID-19 – incluindo o limite de gastos do governo federal determinado pela Constituição – o Brasil enfrentará um desafio de ajuste fiscal mais acentuado do que antes da pandemia.

O relatório do IFI também oferece três cenários para o déficit público nominal em 2020 e, correspondentemente, o aumento do rácio Dívida Pública do Governo Geral (GGPD) em relação ao PIB no final de 2020.

O salto na relação dívida pública / PIB em 2020 será de impressionantes 17,27 pontos percentuais do PIB, de acordo com o cenário de base do IFI. As medidas fiscais relacionadas à pandemia chegarão a 7 pp do PIB em 2020 no caso de referência. O déficit fiscal primário aumentará para 10,9% do PIB em 2020, um nível recorde. Antes disso, o maior valor registrado para o déficit fiscal primário foi de 2,5% do PIB em 2016.

No cenário de base do IFI, o rácio dívida pública / PIB estabilizaria três a quatro anos após 2030. O valor de referência de 100% do PIB seria atingido em 2024 e o rácio dívida pública / PIB continuaria a aumentar, atingindo 112,4% do PIB em 2030. No cenário otimista, a relação dívida pública / PIB atingiria o pico de 93,9% em 2022, caindo para 82% em 2030. O cenário pessimista, por sua vez, aponta para uma rota de insolvência para o público relação dívida / PIB.

No caso de referência, espera-se que o Brasil registre déficits fiscais primários até 2030 em linha com uma trajetória de melhoria de 2,9% do PIB em 2021 para 0,8% do PIB em 2030. Apenas o cenário otimista contempla trajetórias com superávits fiscais primários a partir de 2026. Nesse ano, o Brasil terá um superávit primário de 0,18% do PIB, que continuaria crescendo até 1,92% do PIB em 2030, segundo o caso otimista do IFI.

A flexibilização da política monetária, que levou a taxa básica de juros (Selic) cair de 4,25% ao ano no início de março para 2% ao ano, deslocou para baixo a curva de juros nos vencimentos curtos. No entanto, a inclinação mais acentuada causada por picos nos prazos mais longos reflete as incertezas em torno da sustentabilidade das políticas fiscais nos próximos anos. A taxa de juros dos títulos públicos de 10 anos apresenta aumento de 0,85 pp em relação à situação pré-COVID-19.

A pandemia COVID-19 agravou a já frágil posição fiscal enfrentada pelo Brasil. O aumento da relação dívida pública / PIB torna a trajetória da dívida pública do país bastante sensível às condições subjacentes relacionadas à trajetória das taxas de juros, superávit fiscal primário e crescimento do PIB. A relação dívida pública / PIB será equilibrada no fio da navalha nos próximos anos. Qualquer ligeira mudança na trajetória das taxas de juros, superávit fiscal primário ou crescimento do PIB terá efeitos dramáticos sobre os movimentos da dívida pública em relação ao PIB, fazendo com que a relação oscile entre rotas mais sustentáveis ??e insustentáveis. Tempos mais incertos se avizinham no front fiscal.

Além de retornar a uma trajetória de ajuste fiscal confiável, as reformas estruturais destinadas a impulsionar o investimento privado também serão importantes para a trajetória de crescimento com dívida. O horizonte plurianual de decisões de investimento em infraestrutura, ou seja, ir além das terríveis perspectivas econômicas de curto prazo, torna a participação do setor privado uma oportunidade para contornar a falta de espaço fiscal na próxima década. Infra-estrutura mais alta e outros investimentos de longo prazo melhorariam a demanda agregada e a produtividade. Para que isso aconteça, porém, a agenda de reformas estruturais – impostos, ambiente de negócios, ajuste fino da regulamentação do setor – deve ser priorizada.

Os dois lados dos fluxos de capital para o Brasil
Também deve ser dada atenção à ligação entre essas reformas estruturais e os investimentos privados, e à mudança no tamanho e no perfil dos fluxos de capital estrangeiro para o Brasil no passado recente. Embora se espere saldo positivo em conta corrente em 2020, a tendência é de déficit. Os ingressos de capitais mais do que compensaram esses déficits do passado recente e, de fato, são responsáveis ??pelo significativo acúmulo de reservas internacionais do Brasil desde meados da década de 2000, o que fundamenta sua sólida posição nas contas externas. Além de suas implicações para as taxas de câmbio e as condições financeiras nacionais, tais ingressos de capital têm sido um fator positivo para o investimento na economia brasileira.

Agora, houve uma mudança de sinal na conta de capital brasileira do balanço de pagamentos, especialmente desde que o Brasil perdeu seu grau de investimento em 2015. Os fluxos de ações e renda fixa tornaram-se negativos desde a recessão de 2015-16 e a transição reduzir as taxas de juros internas diminuiu o papel do país como provedor de rendimento.

O influxo externo foi ainda um fator importante para que o Índice de Ações do Brasil (Ibovespa) registrasse alta de 15,9% em novembro de 2020 (em relação ao mês anterior), o que reduziu a queda acumulada em 2020 para 5,84%. Quando convertida para dólares, devido à valorização do real no mês, a valorização foi de quase 25%, tornando a bolsa brasileira o melhor desempenho em relação às demais economias emergentes e aos três maiores índices de Wall Street (S&P 500, Nasdaq, e Dow Jones). De referir ainda que a percentagem de investidores estrangeiros detentores de títulos de dívida pública interna aumentou de 9,44% para 9,79% em outubro de 2020.

E agora? Foram os que tanto chamaram a atenção para a necessidade de avanços no lado da política interna exagerando, ao enfatizar que a aprovação de reformas que facilitem o cumprimento do teto do gasto público seria uma condição para contar com recursos financeiros externos na recuperação da economia brasileira crescimento?

A verdade é que os fluxos de capital para as economias emergentes respondem tanto a fatores externos, mais gerais, quanto a fatores e impulsos internos específicos de cada país. Eles são sempre o resultado de uma combinação de ambos. Isso implica reconhecer que, no limite, os fatores domésticos fazem a diferença que torna cada país único. No atual cenário brasileiro, não é possível confiar plenamente apenas na evolução das condições financeiras internacionais.

Ao olhar para as condições externas, notícias de vacinas COVID-19 eficazes com requisitos logísticos mais baixos alimentaram o otimismo sobre o futuro da economia global, apesar dos temores sobre ondas de contaminação até que essas vacinas sejam amplamente aplicadas. No entanto, como é o caso em tais circunstâncias de melhora do humor, o apetite para assumir riscos aumentou, principalmente devido à perspectiva de baixas taxas de retorno prolongadas em aplicações de baixo risco (Canuto, 2020). O resultado das eleições nos Estados Unidos também contribuiu para isso, ao prometer o fim das incertezas da era Trump.

Assim, em novembro de 2020, houve uma corrida por ativos em economias emergentes, seguida por outra por ações e títulos de dívida nos Estados Unidos. Nos mercados emergentes, houve um claro retorno à situação anterior ao choque financeiro do COVID-19 e à fuga de capitais em março.

Os fundos de ações emergentes atraíram quase US $ 14 bilhões na segunda e terceira semanas de novembro de 2020, enquanto US $ 22 bilhões foram movimentados para comprar ações nesses países durante aquele mês . Os títulos de dívida desses países também tiveram alta demanda.

O apetite por risco e a perspectiva de melhora da economia global se manifestaram em uma rotação de portfólio, com maior demanda por energia e serviços financeiros em relação aos ativos já avaliados por Wall Street. A bolsa brasileira como destino se beneficiou do fato de ter como principais estoques os bancos Vale e Petrobrás.

Também existe a expectativa de que o dólar se desvalorize gradativamente em relação às outras moedas. Isso não só tende a aumentar os dividendos e juros ganhos em moedas locais com ativos emergentes em dólares, mas também facilita o pagamento de compromissos de dívida no exterior por governos e empresas nesses países. Basta lembrar as dificuldades sofridas por alguns, como Argentina e Turquia em 2018, em tempos de valorização do dólar.

Claramente, ainda é possível que, em algum momento, o Federal Reserve seja instado a aumentar as taxas de juros e / ou desfazer seu programa de flexibilização quantitativa (QE). A simples possibilidade poderia gerar um novo ‘taper tantrum’, semelhante ao de 2013, quando o mero anúncio do Fed de que planejava sair do QE causou uma grande saída de capitais de países emergentes com déficits em conta corrente, incluindo o Brasil. Em qualquer caso, isso não está sendo considerado tão provável em breve.

E o lado específico do país no caso brasileiro? Em primeiro lugar, deve-se notar que o grosso do influxo recente chegou de forma ‘passiva’, ou seja, como um componente de fundos que buscam exposição a ativos emergentes em geral, grupo em que o Brasil ocupa posição global significativa apesar mudanças nos índices recentes. Como um volume crescente de recursos nos mercados financeiros globais tem sido impulsionado por fundos negociados em bolsa (ETFs), acontece que, em termos relativos, ativos de qualidade inferior (títulos soberanos com classificação mais baixa, mercados de ações menos líquidos etc.) sofrem mais impactos positivos e negativos do que outras em situações de aumento e diminuição, respetivamente, da dimensão dos ETFs.

Portanto, o retorno parcial do capital em carteira ao Brasil nos últimos meses de 2020 não deve ser confundido com um retorno às condições anteriores. Em vez disso, reflete uma reversão parcial do overshooting nos ajustes de portfólio para o choque financeiro global em março.

Além disso, o recente influxo de capitais para o Brasil não incluiu volumes consideráveis ??de investidores ‘ativos’, ou seja, aqueles que olham diretamente para ativos específicos. Para estes, determinantes domésticos específicos de cada país pesam mais. Para que a onda positiva em curso se manifeste na disponibilidade de recursos externos para financiar os investimentos no Brasil, serão relevantes os avanços e a confiança na agenda fiscal e regulatória doméstica.

O investimento estrangeiro direto no Brasil em 2020 foi fraco. Os fluxos líquidos de IED atingiram um pico em março (US $ 7,4 bilhões), mas os valores permaneceram em torno da marca de US $ 2 bilhões desde agosto.

A retomada do investimento estrangeiro direto é fundamental para o Brasil retomar o crescimento sustentável. A participação de capital estrangeiro em investimentos em infraestrutura por meio de parcerias público-privadas seria conveniente, já que o espaço fiscal para investimentos públicos continuará sendo restrito nos próximos anos. Como a entrada de recursos não é mais obtida com a oferta de prêmios de juros elevados sobre a dívida pública, um retorno total do IED terá que ocorrer com a exposição a ativos diferentes dos títulos que rendem cupom. A economia brasileira encontra-se em uma encruzilhada, com possíveis trajetórias positivas ou negativas na interação entre prêmios de risco, taxa de juros, dívida pública e PIB. As entradas ou saídas de capital estrangeiro reforçarão, respectivamente, as trajetórias positivas e negativas.

Portanto, uma combinação de um retorno crível à trajetória de ajuste fiscal e reformas estruturais favoráveis ??ao investimento também teria um efeito positivo adicional ao possibilitar novas rodadas de ingressos de capital estrangeiro. Isso aumentaria a probabilidade de um eventual cenário otimista de crescimento com dívida para a economia brasileira.