O engenheiro é tido como um profissional racional e avesso a trabalhos de natureza social. Mas pode não ser bem assim. Foi o que mostraram os engenheiros voluntários que se uniram à Prefeitura de Santa Maria de Itabira, a 130 quilômetros a leste de Belo Horizonte, para ajudar a reparar os estragos causados pela chuva da madrugada do dia 21 de fevereiro (domingo), que arrasou a cidade.
Os engenheiros vistoriaram edificações, encostas e estradas e ajudaram a montar a planilha que permitiu à prefeitura solicitar ao Ministério das Cidades o pedido de recursos para a reparação dos estragos causados pelo temporal.
Também de forma voluntária, foi o que fez o engenheiro Luiz Fernando Tavares Gurgel nas enchentes que, em 2020, trouxeram grandes prejuízos a Belo Horizonte. Naquele ano, ele visitou mais de 15 imóveis avariados, especialmente na região Oeste de Belo Horizonte.
Ele conta que, nestas visitas, o que mais fez foi orientar o morador sobre como proceder. Ao mesmo tempo, pôde constatar o quanto a engenharia está distante da população, especialmente a de menor poder aquisitivo, que muitas vezes, constrói suas próprias habitações sem muito rigor técnico. “Fazem do jeito que acham que está certo”, afirma Luiz Gurgel, que se considera contente por ter podido oferecer seus conhecimentos em um momento crítico para aquelas famílias.
Neste ano, quem está acompanhando de perto, porém a distância, a situação de Santa Maria de Itabira é a engenheira Ângela de Alvarenga Batista Barros, presidente do Conselho de Administração da Montreal Informática. Sua família é de lá. Ângela também é sobrinha da engenheira Beatriz Alvarenga, uma das pioneiras da engenharia no País, que é de Santa Maria de Itabira e foi acolhida pela sobrinha, em Belo Horizonte, por estar em idade avançada e com a saúde debilitada.
Em Santa Maria de Itabira, a antiga residência de Beatriz foi transformada em um dos espaços de coordenação dos trabalhos de recuperação da cidade. Ângela está entre as dezenas de voluntários santa-marienses que estão recolhendo roupas, alimentos e material de limpeza para os que perderam tudo na enchente.
Rede Cidadã
Além de presidente da Montreal Informática, Ângela Alvarenga é presidente da Rede Cidadã, uma entidade de assistência social que desenvolve programas e projetos de forma continuada, permanente e planejada com esse objetivo. A Rede Cidadã reúne sociedade civil, empresas, órgãos públicos, organizações sociais e voluntários com o objetivo único de trazer soluções em geração de trabalho e renda.
Entre seus parceiros, a Rede Cidadã tem empresas e instituições como Mastercard, Instituto Algar, Instituto O Boticário, Coca-Cola, Embaré e supermercados Super Nosso, que empregou operadores de caixa com mais de 60 anos treinados pela Rede Cidadã que, segundo Ângela Alvarenga, foram muito elogiados pela empresa.
A Rede Cidadã nasceu dentro da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) há 19 anos, quando Ângela Alvarenga era da diretoria da instituição e solicitou a cessão de uma pequena sala no edifício sede da SME, na rua Timbiras, no Centro de Belo Horizonte, para abrigar o que seria embrião da Rede Cidadã.
Rapidamente, a instituição cresceu e foi obrigada a buscar um espaço maior para se instalar. Hoje, a Rede está presente em Minas, São Paulo e vários outros estados. Ao longo de sua existência, já treinou cerca de 88 mil pessoas e foi reconhecida como a 88ª melhor ONG do mundo, em um ranking de 200 elaborado pela NGO Advisor, instituição sediada em Genebra e especializada no monitoramento de ONGs no mundo.
Ângela Alvarenga reconhece que o engenheiro não é muito dado a trabalhos de cunho social. Porém, ela afirma que isso ocorre não porque seja da natureza do engenheiro ser avesso esse tipo de iniciativa, mas sim porque talvez lhe faltem oportunidades. “Muitas vezes, o engenheiro quer fazer alguma coisa pelo social, mas não sabe como fazer. Às vezes, ele não tem essa oportunidade”, afirmou Ângela Alvarenga.
Empresas
Em algumas empresas de engenharia, o desenvolvimento de iniciativas na área social se dá por meio de canais previamente definidos e institucionalizados na estrutura da companhia, como é o caso da MRV, que criou o Instituto MRV apenas com esse objetivo. O instituto elegeu a educação como prioridades.
Entre os projetos que apoia está o “Educar para transformar”, que está em sua sétima edição e atingiu, de forma direta, 54 mil pessoas em Recife (PE), São Paulo (SP), Maringá (PR), Salvador (BA), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte e São José (SC). Outro projeto é o “Seu filho, nosso futuro”, cujo objetivo é levar entretenimento e educação às crianças e jovens de até 24 anos, filhos dos funcionários da MRV
“Temos a convicção de que as empresas precisam assumir responsabilidades diante da sociedade. Na MRV, por estarmos plenamente conscientes do nosso papel social, temos, por meio do Instituto MRV, contribuído de forma efetiva para a melhoria da qualidade de vida das comunidades em que atuamos de norte a sul do País. Se são as pessoas que fazem da MRV a maior construtora residencial do Brasil, é para as pessoas que investimos em projetos com foco na educação, pois acreditamos que este é o caminho para a transformação social” afirma o presidente do Instituto MRV, Eduardo Fischer.
Academia
A preocupação em formar engenheiros que tenham um olhar mais acurado para as questões sociais já está presente na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2002, quando começou a ser implementado o projeto Internato Acadêmico da Engenharia, que anualmente, sempre no mês de janeiro, leva um grupo de aproximadamente 30 estudantes de engenharia para que possam desenvolver projetos voltados prioritariamente para populações mais desfavorecidas no interior do Estado.
“A ideia é descobrir problemas invisíveis, que não são conhecidos em sala de aula”, afirma o engenheiro civil e professor do Departamento de Engenharia Sanitária (Desa) da UFMG, Valter Lúcio de Paula, coordenador do projeto. Ele afirma que cerca de 300 estudantes já participaram do projeto.
Nos primeiros anos, o Vale do Jequitinhonha era a região para onde o grupo ia. A primeira cidade visitada foi Araçuaí, onde a falta d’água é um problema crônico. Lá, segundo Valter de Paula, os alunos elaboraram o projeto de um sistema de captação de água de chuva.
Em outros anos, em outros municípios, eles elaboraram projetos para comunidades atingidas por barragens e projetos de mineração; estiveram em assentamento do MST e em quilombolas. A rotina é sempre a mesma. Primeiro é feito o diagnóstico e, em seguida, apresentada a solução de engenharia para o problema.
Com o programa, Valter de Pádua espera que, a médio prazo, se consiga forma uma geração de engenheiros que tenham uma preocupação maior com as questões sociais.
“É importante dar a oportunidade de se criar esse sentimento de que a engenharia é feita por pessoas e para pessoas. Conhecer pessoas que necessitam da engenharia é uma maneira de expandir o conhecimento e enxergar problemas que outras pessoas talvez não enxerguem. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E nós queremos que eles pisem em outras áreas onde não estão acostumados a pisar”, afirma Valter de Pádua.
Sem fronteiras
Também com um pé nos trabalhos sociais, os Engenheiros Sem Fronteiras já executaram várias melhorias em comunidades carentes da Capital desde 2015, quando começaram a atuar. No Acaba Mundo, melhoraram a iluminação com o uso de energia fotovoltaica; na creche Lar dos Meninos São Domingos, na região Leste de Belo Horizonte, implantaram dois projetos de captação de água pluvial e reformaram a fachada da instituição; no Morro do Papagaio, construíram lavatórios e doaram 2,5 toneladas de alimentos e produtos de higiene pessoal durante a pandemia.
O grupo de Belo Horizonte é a ramificação local de uma organização internacional do mesmo nome fundada na França em 1982 e presente hoje em 65 países. No Brasil, atua desde 2010. O grupo de Belo Horizonte é formado por 40 engenheiros e uma arquiteta, todos com idade entre 25 e 30 anos. O grupo trabalha em todas as etapas do projeto, desde a captação dos recursos – via plataformas na internet – até a execução do projeto.
De acordo com a engenheira civil Nayara Gonçalves Dantas, coordenadora de Comunicação do núcleo de BH, quem procura o Engenheiros Sem Fronteiras, normalmentesão pessoas que já participaram de outros projetos de voluntariado. Nesse sentido, ela não considera que o engenheiro seja um profissional alheio às questões sociais. “Isso não é verdade”, afirma Nayara.Para ela, a própria existência dos Engenheiros Sem Fronteiras é uma prova disso. (Conteúdo produzido pela SME)
SME desenvolve ação solidária
Equipe que foi o embrião do Engenharia Solidária durante trabalho de campo no Norte de Minas Gerais | Crédito: SME/Divulgação
Se depender da nova diretoria da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), oportunidades não faltarão. A engenharia solidária é um dos eixos programáticos da nova diretoria da instituição, que tomou posse em dezembro último.
O projeto nasceu de forma espontânea, a partir de uma demanda da comunidade Pai Pedro, no Norte de Minas, que buscava solução técnica para seu crônico problema de abastecimento de água.
“Tratava-se de uma necessidade básica e havia solução de engenharia. Por isso, a demanda chegou até nós”, afirma a engenheira civil com especialização em recursos hídricos Patricia Boson, coordenadora da Comissão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento da SME.
Com o apoio de algumas empresas, como a MDGeo e a Carmo e Delgado Engenharia Geólogos Consultores, foram feitos os levantamentos necessáriose apresentada a solução mais adequada para a comunidade.
O bom resultado alcançado levou a SME a institucionalizar, na entidade, um programa que irá permitir levar soluções de engenharia para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. “No caso da água, levar dignidade e cidadania”, afirma Patrícia Boson.
Segundo ela, o Engenharia Solidária é um programa que está em fase de estruturação com o objetivo de fomentar, entre os engenheiros, o voluntarismo solidário como instrumento de cooperação e redução da desigualdade social.