A engenharia ainda é um campo de trabalho dominado pelos homens. De acordo com dados de 2018 do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea), o percentual de mulheres registradas como engenheiras no Brasil corresponde a aproximadamente 14,5% do total. Porém, esse é um percentual que está em crescimento. Nos cursos de engenharia, é cada vez maior o número de mulheres. Das pioneiras até os dias de hoje, cada uma tem uma história para ser contada. Algumas destas histórias foram reunidas pela Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) em debate por videoconferência realizado na última segunda-feita (8), Dia Internacional da Mulher.
A engenheira Ângela Menin recordou a dificuldade familiar que enfrentou para fazer o curso de engenharia mecânica, que era o de seu desejo. Vinda de uma família de engenheiros civis, inclusive a mãe, que foi uma das pioneiras no Estado, o máximo que conseguiu foi fazer o curso de engenharia elétrica. Na época, segundo ela, o curso de engenharia mecânica
era confundido como sendo destinado a formar profissionais especializados no conserto de automóveis, um ambiente, ainda hoje, dominado pelos homens. Mesmo na engenharia elétrica, ela afirma ter enfrentado uma grande dificuldade para ingressar no mercado de trabalho, tendo perdido as contas do número de respostas que recebeu de que apenas uma mulher engenheira era contratada por ano e que, naquele ano, a “cota” já havia sido preenchida.
Hoje, Ângela Menin coordena o curso de Engenharia de Energias da PUCMinas. Lá, segundo ela, o ambiente é muito diferente do que havia quando começou na profissão. Entre os alunos e alunas, não há competição de gênero. “Eles trabalham e estudam em equipe, de igual para igual. São amigos e trabalham e estudam juntos. Isso é muito importante para uma visão de mercado de futuro, em que vamos ter, cada vez mais, oportunidades de participação feminina”, afirma Ângela Menin.
Conciliação – Quem também enfrentou muitas dificuldades para se firmar no mercado de trabalho foi a arquiteta Andrea Michelini de Moura. O primeiro desafio que enfrentou – aos 21 anos e grávida do primeiro filho – foi o de conciliar o trabalho como bancária com o exercício da profissão, que a obrigava a uma jornada profissional dupla – durante o dia como estudante de arquitetura e depois arquiteta; e à noite como bancária. Foi aí que esbarrou no preconceito, que apareceu quando um chefe novo decidiu que mulher não poderia trabalhar à noite, mas apenas durante o dia. “Começou a ocorrer um conflito de horário com a arquitetura”, explica Andrea de Moura que, em seguida, entrou em um PDV aberto pelo banco e se desligou da instituição.
Em seguida, passou em um concurso da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e, paralelamente, assessorava prefeituras do interior em projetos ligados ao ICMS cultural. Na PBH, trabalhava com projetos de regularização ambiental e urbanística, tendo sido responsável pelo primeiro Estudo de Impacto de Vizinhança realizado na capital mineira. Hoje, Andrea de Moura é estudante de Belas Artes e se diz realizada profissionalmente. O conselho que dá é de que, apesar de todas as adversidades que possam aparecer, sigam apostando naquilo que é sua aptidão profissional. Ela espera que sua história de vida, de muitos desafios superados, inspire outras mulheres.
Talvez por já ter entrado no mercado de trabalho mais recentemente, na última década do século passado, a engenheira Maria Thereza Ortiz enfrentou menos problemas que Ângela Menin ou Andrea de Moura. A começar pelo apoio que recebeu em casa para que tivesse ampla liberdade de optar pela área do conhecimento que lhe fosse mais atraente. Isso se materializou, por exemplo, quando trocou as aulas de balé pelo curso de inglês. Ou quando, aos 14 anos, ganhou de presente do pai um computador doméstico.
Foi aí que, segundo ela, percebeu claramente que seu caminho profissional seria o da engenharia, que trilhou, por 30 anos, em uma única empresa, a ArcelorMittal. “Lá, aprendi tudo e construí meus sonhos”, afirmou Maria Thereza Ortiz.
Persistência – Ela reconhece que no mercado de trabalho da engenharia como um todo, a presença da mulher avança mais lentamente que em outros, havendo ainda muita discriminação. Para as mulheres que querem trabalhar na engenharia, mas têm receio do preconceito que envolve a profissão, ela recomenda que não desistam. “Não podemos deixar que as adversidades mudem aquilo que é nosso caminho. A gente só é bom naquilo que a gente ama”, afirmou Maria Thereza Ortiz.
A engenharia ambiental Ana Paula Bicalho enfrentou o mesmo problema pelo qual passam muitos adolescentes no momento de definir seu futuro profissional: não saber qual caminho seguir. Embora fosse de família com pai e irmão engenheiro, ela tinha só uma certeza: a de que não queria ser engenheira. Essa indecisão perdurou até o momento em que viu um anúncio na traseira de um ônibus, de seleção para o curso de engenharia ambiental. Em um primeiro momento, o que a atraiu foi a aparente contradição entre a engenharia e preservação ambiental.
Seguindo o que estava descrito no anúncio Ana Paula Bicalho marcou a conversa com o coordenador do curso e, ali mesmo, decidiu seu futuro. Porém, sua trajetória, de início, não foi um mar de rosas. Como engenheira ambiental foi trabalhar na Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg). Seu desafio era, como mulher, convencer os produtores rurais – em sua maioria homens – da necessidade de preservação ambiental. “No início tive dificuldade para impor minha opinião”, afirma Ana Paula Bicalho, que hoje considera isso um problema superado.
Ana Paula Bicalho representa o setor rural no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). Para as que não definiram carreira e estão diante de dúvidas sobre qual caminho seguir, ela deixa um conselho: “Não deixem ninguém colocar tamanho na dificuldade e no obstáculo de vocês. Você é o tamanho da superação desse obstáculo, a força da superação”, afirmou Ana Paula Bicalho.Contradições – No momento de definir que caminho profissional seguir, a engenheira Maria José Salum enfrentou uma contradição. Em casa, a mãe dizia que ela deveria optar pelo que fosse o seu desejo. Porém, no mundo lá fora, a realidade era outra. Ela sentiu o preconceito quando ao entrar em sala de aula, ela, a única mulher, foi olhada com desprezo pelo professor que lhe perguntou o que estava fazendo ali. Ela respondeu que estava estudando para ser engenheira de minas, uma profissão ainda hoje dominada pelos homens. Tanto que não chegou a fazer uma atividade de campo prevista no curso, que era a visita a uma mina. Foi dispensada da atividade porque havia a crença de que se descesse na mina, iria ocorrer um acidente, fruto, segundo ela, de crenças seculares que vinham sendo passadas de geração para geração.
A despeito de tudo isso, ela diz que nunca desistiu da profissão. E, como para uma mulher, era muito difícil conseguir emprego em uma mineradora, ela optou pela carreira docente. Maria José Salum foi, durante 30 anos, professora do curso de engenharia de minas da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo exercido, também, o cargo de vice-diretora da Escola de Engenharia da universidade, onde foi pró-reitora de Recursos Humanos. Maria José Salum foi, ainda, vice-presidente da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abemge) e diretora de Desenvolvimento Sustentável na Mineração do Ministério de Minas e Energia. Às mulheres que temem os desafios, ela deixa uma mensagem: “Não desistam nunca”.
“A luta é grande e os caminhos não são só rosas. Mas a gente dá conta”, afirmou a engenheira Adriana Tonini, vice-presidente da SME e organizadora do evento. “A persistência é amiga da conquista”, reforça a engenheira Virgínia Campos, presidente da SME. (Material produzido pela SME)