Pesquisadores avaliaram a resistência de ligas metálicas altamente concentradas a radiação, para uso na construção de reatores nucleares, e identificaram materiais com excepcionais propriedades magnéticas. Denominadas nanoilhas magnéticas, esses materiais contêm ferro e cobalto e, apesar de apresentarem escala nanométrica, ou seja, terem tamanho extremamente diminuto, possuem forte ferromagnetismo. As propriedades magnéticas das nanoilhas indicam uma potencial aplicação futura em dispositivos eletrônicos de armazenamento e transferência de dados, aumentando sua velocidade e desempenho. O estudo internacional foi realizado com participação da Escola Politécnica (Poli) da USP, e a descoberta é relatada em artigo publicado na revista Nanoscale, da Royal Society of Chemistry, no Reino Unido.
“Uma liga metálica é basicamente um material metálico composto feito a partir da mistura de dois ou mais elementos, o que lhe confere propriedades únicas, como resistência a corrosão. Nos últimos anos, as ligas metálicas altamente concentradas impactaram com alta intensidade as comunidades científicas internacionais de metalurgia e ciência dos materiais”, afirma o físico Matheus Tunes, um dos autores do trabalho. “Essas ligas podem ser produzidas via métodos convencionais da metalurgia, usando fornos, e também através de técnicas físicas de deposição em filmes finos para testes em escala laboratorial. Enquanto nas ligas convencionais, como o aço inoxidável, há um metal base no qual são adicionadas pequenas quantidades de outros elementos, nas ligar altamente concentradas, as concentrações dos elementos são praticamente iguais.”
De acordo com o pesquisador, acredita-se que a composição das ligas altamente concentradas as torne mais estáveis. “Daí a conexão com a área nuclear: ligas mais estáveis estariam diretamente relacionadas a uma possível alta resistência à irradiação, o que sugere uma possível aplicação direta na construção reatores nucleares, tanto fissão, quanto de fusão, como materiais estruturais”, observa. “Também se demonstra que algumas dessas ligas possuem excelente resistência mecânica e alta resistência à corrosão, muitas vezes superior a outras já existentes.”
Matheus Tunes - Foto cedida pelo pesquisador
Para produzir a liga, foi usado um método de deposição física em filmes finos, para testes em escala laboratorial. “Ela foi produzida com cinco elementos – cobalto, cromo, cobre, ferro e níquel – em quantidades similares. Após a síntese da liga, verificou-se que os átomos de cada elemento ocupavam posições aleatórias, formando uma solução sólida desordenada”, relata Tunes. “Essa liga não apresentou boa resistência à irradiação, questionando a hipótese de que possui alta estabilidade. Mas, surpreendentemente, sob irradiação e recozimento a temperaturas moderadas, o ferro e o cobalto saíram da solução sólida, para formação de precipitados nanométricos com estrutura cúbica.”
Magnetismo
Em seguida, os precipitados de ferro e cobalto foram submetidos a uma técnica de microscopia de transmissão, chamada de contraste diferencial de fase (em inglês, differential phase contrast). “A técnica, que é relativamente nova, é aplicada por meio de um microscópio eletrônico, que emite um feixe de elétrons sobre o material analisado”, diz o físico. “O estudo descobriu que os precipitados são capazes de polarizar o feixe de elétrons do microscópio em uma direção específica, evidenciando qualitativamente a presença de forte ferromagnetismo. Como o magnetismo desses precipitados se manifesta em escala nanométrica, eles receberam o nome de nanoilhas magnéticas.”
Imagem de microscopia eletrônica mostra nanoilhas magnéticas de ferro e cobalto; ao ser analisado, material apresentou forte ferromagnetismo, demonstrando forte uso potencial no futuro em dispositivos eletrônicos de alto desempenho - Imagem cedida pelos pesquisadores
Embora a liga não seja estável, descartando-a para uso em reatores, a pesquisa demonstra que é possível sintetizar nanoilhas magnéticas de ferro e cobalto a partir de uma liga altamente concentrada a temperaturas relativamente baixas, de cerca de 500 graus Celsius (ºC). “Também descobrimos que, uma vez formadas, as nanoilhas magnéticas permanecem estáveis a altas e baixas temperaturas, indicando que o estado de equilíbrio da liga se deve a presença delas”, afirma Tunes. “Em paralelo ao nosso estudo, há dois artigos recentes publicados por pesquisadores da Alemanha que comprovam quantitativamente as propriedades magnéticas únicas das nanoilhas e, em ambos os trabalhos, elas são formadas a partir de uma liga altamente concentrada.”
As nanoilhas são compostos altamente ordenados que exibem excelentes propriedades magnéticas, tais como alta permeabilidade, alta saturação magnética e alta coercitividade. “Esta última propriedade é uma das mais interessantes, pois é uma medida da ‘dureza magnética’ do material, indicando alta habilidade para reter o campo magnético armazenado na nanoilha, após a remoção de forças externas”, relata o pesquisador. “Isso sugere que essas ilhas magnéticas são materiais promissores para aplicação em áreas emergentes como a spintrônica, que estuda o spin do elétron, ou seja, sua rotação, além de seu magnetismo derivado. Através da manipulação do spin em nanoilhas magnéticas, acredita-se ser possível desenvolver no futuro novos materiais semicondutores e dispositivos de armazenamento e transferência de dados, com maior velocidade e eficiência.”
Cláudio Schön - Foto cedida pelo pesquisador
“Por se tratar de uma área nova de pesquisa, o embasamento teórico obviamente ainda não está completamente fundamentado, embora o elevado número de publicações experimentais comprovem que essas ligas possuem propriedades interessantes que, inevitavelmente, resultarão na descoberta de novos materiais funcionais”, conclui Tunes.
A pesquisa foi liderada pelo Laboratório Nacional de Los Alamos (Estados Unidos), onde o pesquisador se encontra atualmente, com participação do grupo de pesquisa em Termodinâmica de Materiais da Poli, liderado pelo Professor Cláudio Geraldo Schön. Também fizeram parte do trabalho o Laboratório Nacional de Oak Ridge (Estados Unidos), as Universidades do Tennessee (Estados Unidos), de Huddersfield (Reino Unido) e de Leoben (Áustria).
Mais informações: e-mail m.a.tunes@physics.org, com Matheus Tunes, e schoen@usp.br, com o professor Cláudio Geraldo Schon