Além da construção dos longos trechos de linhas férreas já autorizada pelo governo federal e a expansão do metrô de BH, capitaneada pelo governo estadual, outra grande aposta para a retomada do transporte ferroviário em Minas Gerais são as chamadas shortlines.
Inspiradas em redes dos Estados Unidos, essas linhas curtas são alimentadoras de grandes linhas e podem ser utilizadas para cargas, passageiros ou trens turísticos. Pelo menos 19 trechos já foram identificados como viáveis em estudos para o Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais (PEF-MG), do governo de Minas.
O que conta a favor das linhas curtas, segundo especialistas, é que elas podem operar sobre trilhos já disponíveis no Estado, abandonados ou devolvidos por concessionárias, sem a necessidade de grandes intervenções em infraestrutura na maioria dos casos. Portanto, tratam-se de investimentos menores com previsão de início de operações em prazos também menores, se comparados ao plano nacional de grandes trechos, o Pró-Trilhos, em que as grandes ferrovias que cortam Minas serão iniciadas do zero.
Mas o que pode ser um grande desafio para a concretização das shortlines, segundo especialistas, é que, para garantir demanda e ser atrativo aos investidores, o projeto precisa ser pensado em rede, em conexões às linhas troncais, como alimentador das grandes linhas.
Dessa forma, a viabilidade das linhas curtas está atrelada à efetividade dos grandes trechos ferroviários. Além disso, algumas delas dependeriam (para ter grande demanda) da concretização de projetos do plano nacional, alguns dos quais já estão na fase de captação de recursos. Outros, porém, podem nem sair do papel.
Informações da Secretaria de Estado da Infraestrutura, órgão responsável pelo PEF, apontam para a possibilidade de exploração de pelo menos 1.500 km de malha férrea já instalada em Minas com as shortlines e a atração de R$ 26 bilhões em investimentos.
A importância dessas linhas curtas é o tema da terceira e última reportagem da série sobre ferrovias do #JuntosPorMinas. O projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO aborda desafios do Estado que podem ser transformados em oportunidades de crescimento econômico e inclusão. Confira a seguir.
Linhas curtas são adaptáveis à demanda
Transportar cargas, passageiros e ser ao mesmo tempo um trem turístico conectado a trechos ferroviários de grande extensão e com integração rodoviária. Esse é o objetivo do Circuito Ferroviário Vale Verde (CFVV), que aguarda autorização do governo do Estado para operar o trecho Lavras-Três Corações-Varginha, na Ferrovia Sul-Mineira.
O já chamado “Expresso do Rei”, batizado dessa forma em homenagem ao imperador Dom Pedro II, é uma das 19 shortlines apontadas no Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais (PEF-MG). O trecho pode entrar em operação já no próximo ano.
Segundo o presidente do CFVV, Cesar Mori, são previstos investimentos de R$ 210 milhões. Não será necessário construir a infraestrutura, já que serão utilizados trilhos a serem devolvidos pela concessionária VLI ao governo federal. A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) deu um prazo de 18 meses para a devolução a contar de meados do ano passado.
“Ficou acertado que a VLI fará obras e intervenções para entregar a estrutura em condições de uso, com capacidade para 20 toneladas por eixo.” Mori diz que a autorização do governo do Estado deve ser concedida neste semestre. “De posse da autorização, poderemos acompanhar e fiscalizar as obras da VLI, para que os trilhos sejam devolvidos da melhor forma para as futuras operações”.
O trecho ferroviário está sendo planejado para atender à demanda de pequenos produtores da região e também de cargas em geral. “Também pretendemos ter transporte de passageiros com conexão em uma rodoferroviária, além de veículos de passageiros e de cargas leves, adaptados para os trilhos e para as rodovias. Também estão nos planos o desenvolvimento de mercados de origem, com produtos da região”.
O maior desafio do trecho, porém, é fazer com que mercadorias cheguem ao porto do Rio de Janeiro. “A ideia original é que essa shortline funcione assim: eu pego a carga em Varginha, levo até Lavras, entrego para a VLI e a VLI entrega para a MRS levar até o porto (do RJ). Se isso não for possível, vamos ter que fazer um acordo ou uma solicitação de passagem para a gente entrar na linha dessas concessionárias e ir até o porto do RJ”.
Conexões
Exatamente essa conexão com as grandes redes é um ponto que deve ser muito bem planejado em shortlines, segundo o especialista em transporte, logística e mobilidade, Silvestre de Andrade. “Para que sejam viáveis, as shortlines, sejam de cargas ou passageiros, precisam estar ancoradas em uma boa proposta de sistema, para contribuir com a alimentação de uma grande ferrovia. As conexões e integrações modais são fundamentais para criar demandas, uma vez que projetos ferroviários são empreendimentos de elevados custos”, frisou.
Para o coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Resende, além das conexões, uma outra forma de tornar os projetos de shortlines viáveis é o compartilhamento dos trilhos.
“Um trem regional no Sul do Estado, por exemplo, pode transportar passageiros, fazer conexão com linhas de São Paulo, transportar contêineres e cargas de café e, em janelas em determinados horários levar passageiros até a capital paulista”, completou. A legislação permite que esse compartilhamento seja feito por diferentes empresas.
Aportes
Os 19 projetos de shortlines predefinidos no PEF-MG podem atrair para Minas Gerais investimentos de R$ 26 bilhões. Os estudos, que estão sendo finalizados pela FDC, já apontam para a possibilidade de geração de 373 mil empregos, sendo 106 mil vagas diretamente relacionadas às obras de construção e às máquinas e outros 267 mil empregos que poderiam ser criados em setores demandados pela expansão das ferrovias.
Também são previstos R$ 2,8 bilhões em arrecadação de impostos indiretos e o crescimento de 3,05% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, segundo o plano. (SC)
Arcabouço legal facilita autorizações
O modelo dos contratos de autorização de exploração das shortlines, segundo avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem, é menos burocrático que os tradicionais contratos de concessão . O formato foi permitido após a promulgação da Emenda 105/2020 à Constituição do Estado de Minas Gerais e a aprovação na Assembleia da Lei 23.748/2020, regulamentada pelo Decreto 48.202/2021. As novas legislações ampliaram a competência do Estado em relação ao transporte ferroviário de carga e passageiros.
“Tanto a Emenda 105 quanto a nova lei de ferrovias permitiram uma quebra de paradigmas dos modelos de concessão em Minas Gerais. As legislações foram importantes passos para que se faça uma revolução ferroviária no Estado”, avaliou o deputado estadual João Leite (PSDB), presidente da Comissão Pró-Ferrovias da Assembleia Legislativa, que deu início às discussões sobre o novo regramento.
“Nossa legislação elimina no Estado a figura da ferrovia monopolizada, como o modelo da Vale e amplia o leque de interessados em explorar o modal. Essa legislação determina um modelo horizontal. Pode passar carga, passageiro e turismo nos trilhos, o que facilitará muito a expansão por aqui”, acrescentou.
Como funciona
A autorização de exploração de shortlines é uma outorga dada pelo Estado, por meio da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), através de um contrato, que permite a exploração da infraestrutura e dos serviços de transportes ferroviários, tanto na modalidade de transporte de cargas, quanto na de passageiros.
De acordo com o Plano Estratégico Ferroviário (PEF-MG), a empresa autorizada poderá explorar a via férrea e suas faixas de domínio, de forma independente pelo prazo mínimo de 25 anos, com a possibilidade de prorrogação por sucessivos períodos, e por, no máximo, 99 anos. A empresa pode inclusive autorizar o uso dos trilhos por outras empresas.
Anteriormente à autorização do governo de Minas, poderá ocorrer chamamento público ou processo para a seleção do empreendedor. A empresa privada interessada em obter a autorização para explorar determinado trecho precisa comprovar regularidade jurídica e fiscal, sumário do projeto ferroviário e estudos prévios de viabilidades técnica, econômica e ambiental.
Caso o projeto não dependa do uso de bens públicos, nem demande desapropriações ou desocupações, a autorização será outorgada pela Seinfra. Mas, se o projeto ferroviário depender do uso de bens públicos, a secretaria publicará edital de chamamento e, na hipótese de bem estadual, avaliará as possibilidades de uso do bem, sendo possível alienação, cessão, ou arrendamento.
No caso de bens de outro ente federativo, a Seinfra se responsabilizará por estabelecer contato com o órgão responsável pelo bem, solicitando a análise de possibilidade de uso por meio de convênio, ou outra forma de ajuste.