A capacidade instalada existente e contratada no Sistema Interligado Nacional (SIN) viverá anos de transformação ao longo da década atual. Segundo o Plano Decenal de Energia (PDE) 2031, a geração hidrelétrica sairá de uma participação de 58% (dezembro de 2021) para 51% em 2031. Enquanto isso, as fontes eólica e solar vão crescer suas fatias em cerca de 10 GW, levando em conta apenas os sistemas centralizados. Outros 30 GW são esperados também em sistemas de micro e mini geração. Diante desse cenário de mudanças profundas, especialistas do setor de energia têm discutido qual a melhor forma de equilibrar as chamadas fontes renováveis variáveis com as plantas de geração firme. Nesse contexto, a opção nuclear desponta como uma das alternativas mais viáveis, especialmente pelo fato de não produzir gases do efeito estufa. Membros da indústria da energia consideram apropriada a construção de uma matriz onde a nuclear colabora com as fontes variáveis, por possuírem características que se complementam. A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, por exemplo, vê um “casamento perfeito” entre usinas nucleares e empreendimentos de geração eólica.
Elbia ressalta que apesar de ser uma fonte variável, existem modelos de previsão que apontam o quanto a fonte eólica pode produzir em determinado período. “Essa variabilidade é perfeitamente previsível. E quando há esse período de variação, é importante ter uma fonte de geração firme, como é o caso da nuclear, para fazer uma rampa de geração. Esse é um casamento perfeito”, avaliou. A presidente da ABEEólica sustenta também que a energia nuclear desempenharia um papel importante para complementar a geração de outras fontes, como hidrelétrica, solar e até mesmo biomassa.
“O que eu imagino de uma matriz brasileira futura é uma combinação dessas fontes de geração de energia, com tecnologias renováveis – como a eólica e a solar – e tecnologias limpas, a exemplo da nuclear, além de outras fontes descarbonizadas e sistemas de armazenamento via baterias ou hidrogênio”, projetou. Apesar de chamar atenção para os riscos associados à geração atômica, sabidamente a questão do tratamento dos rejeitos radioativos, Elbia diz que a opção nuclear é bem interessante para o Brasil e o mundo, de maneira geral. “Em um horizonte de longo prazo, eu acho muito difícil ter uma matriz energética limpa sem a participação da fonte nuclear, principalmente falando da economia global”, concluiu.
Nessa mesma linha, o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, tem defendido há tempos o desenvolvimento de um modelo colaborativo entre as variáveis renováveis e a nuclear. Isso porque, em sua visão, o Brasil precisa expandir seu sistema elétrico de modo a garantir confiabilidade e segurança de abastecimento. Ele emenda ainda dizendo que com a crescente participação das renováveis variáveis, faz-se necessário investir em energia de base.
“Ao investir em energia nuclear, o Brasil poderá aumentar sua capacidade instalada de energia térmica e, ao mesmo tempo, manter uma matriz elétrica limpa. Ter mais usinas nucleares em operação significa conferir mais confiabilidade e segurança de abastecimento ao sistema interligado”, opinou. “A fonte nuclear gera energia firme e opera na base do sistema, de forma limpa e segura.
As plantas nucleares podem ser construídas nos locais com maior demanda por energia, evitando a construção de longas linhas de transmissão. A fonte tem mínima pegada ecológica, ocupando pequenas áreas tanto para a geração elétrica como para a produção do combustível nuclear”, acrescentou.
Guimarães destaca ainda uma tendência tecnológica promissora que tem ganhado cada vez mais atenção na indústria mundial – os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês). O presidente da Eletronuclear explica que esses novos reatores podem ser usados individualmente ou em conjunto. Adicionalmente, a tecnologia pode ser construída de forma mais rápida e com menores custos financeiros, quando comparada com as usinas nucleares de maior porte.
“Os SMRs podem ser usados em conjunto com as fontes renováveis de energia, fornecendo eletricidade para comunidades isoladas, que hoje dependem de termelétricas a diesel ou óleo combustível. A grande vantagem é que a energia gerada por esses SMRs seria mais barata e mais limpa do que as alternativas movidas a combustível fóssil”, finalizou.
Ainda falando sobre SMRs, o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Maurício Tolmasquim, vê que essa é uma fronteira tecnológica que precisa ser, de fato, observada pelo setor elétrico brasileiro, especialmente se oferecer algum grau de flexibilidade. “Temos que olhar isso de perto. Não sei quanto que [o SMR] consegue aumentar a flexibilidade. Parece que são plantas mais flexíveis.
Se, por exemplo, conseguir variar da mesma forma que uma planta de ciclo aberto de gás natural, passa a ser uma opção bastante interessante em termos de complementariedade”,analisou. Tolmasquim explica que em um sistema com muitas fontes variáveis, são necessárias soluções de geração flexível. As usinas nucleares convencionais, por sua vez, são inflexíveis.
Tolmasquim, que já foi presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), também ressalta que a nuclear tem a vantagem de ser uma fonte de geração limpa e firme. Lembra ainda que nosso país ainda tem uma grande reserva de urânio. Porém, ele aponta que o histórico de construção de usinas nucleares no país tem sido marcado por obras que duram décadas, além dos custos que passam o orçamento inicial projetado.
“Eu acho que uma questão fundamental em qualquer retomada da expansão nuclear é que se tenha alguma previsão de como garantir que a construção saia no prazo, com os custos projetados”, ponderou. O pesquisador finaliza apontando para outros desafios que precisam ser superados e debatidos – as preocupações com a segurança das plantas nucleares e a falta de uma solução definitiva para a questão dos resíduos.